Gente de diversos setores da sociedade protestou contra a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, que nesse domingo (4) suspendeu os efeitos da lei que criou o piso dos profissionais de enfermagem e deu 60 dias para que governo federal, Estados, Distrito Federal e entidades do setor informem sobre os impactos da medida. A liminar concedida por Barroso atendeu a ação movida pela confederação que reúne os hospitais privados.
O autor do projeto que originou a lei, senador Fabiano Contarato (PT-ES), manteve conversas, desde então, com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, que deve se reunir com o ministro do STF nesta terça-feira.
“Pacheco, representando os senadores, se reunirá amanhã com o ministro Luís Roberto Barroso para tratar de soluções que viabilizem o pagamento do piso salarial. Temos confiança de que a suspensão será revista. Temos lastro jurídico para esta conquista histórica. Vamos juntos!”, afirmou o senador, explicando as bases jurídicas que sustentam a conquista do piso a esses profissionais.
“Nós alteramos a Constituição, foram emitidos pareceres da Consultoria Legislativa, da Advocacia Geral da União, da Advocacia do Senado e da Advocacia da Câmara dos Deputados. Estamos convictos disso e vamos lutar para dar efetividade à lei que instituiu o piso salarial”, comprometeu-se.
Luta histórica
Foram quase 30 anos de luta de trabalhadoras e trabalhadores da área de enfermagem para conquistar o piso salarial, enfrentando as empresas hospitalares e seu conhecido lobby no Congresso. No meio disso, houve uma pandemia, e milhões de brasileiros foram às janelas aplaudir diariamente o trabalho heroico desses profissionais. Nas UTIs, nas emergências, homens e mulheres de jaleco não tinham tempo para o lamento. Era preciso salvar vidas.
Esperava-se que, passada a fase mais grave de contaminação e desespero, o coro de aplausos se transformasse em pressão pela valorização do setor, composto por técnicas e técnicos, auxiliares, parteiras e parteiros e enfermeiras e enfermeiros.
No Congresso, o apelo finalmente teve eco. Em julho, foi aprovado projeto de lei (PL 2.564/2020) do senador Fabiano Contarato (PT-ES), que estipulou os valores mínimos de salário a esses profissionais. No mesmo mês, o Congresso promulgou emenda constitucional (PEC 11/2022) que criou o piso. Parecia tudo certo. Havia o piso salarial, garantido na Constituição, e os valores estavam definidos: R$ 4.750,00 para enfermeiros; R$ 3.325,00 a técnicos de enfermagem; e R$ 2.375,00 a auxiliares e parteiras.
Setor privado
Parecia. Tão logo o piso passou a ser legal, em 5 de agosto, empresas de saúde privadas ingressaram no STF tentando derrubar as novas regras. Alegaram falta de cumprimento de trâmites legislativos. Também se queixaram que a instituição do piso quebra a autonomia orçamentária dos estados e dos municípios, podendo prejudicar a oferta de tratamentos essenciais, em razão da falta de repasses.
Tiveram o reforço de analistas de mercado, para quem o piso salarial da enfermagem traz risco de queda no lucro de hospitais privados. Foi o que publicou o Banco Citi, em relatório logo após a aprovação do projeto no Congresso Nacional. Para o Citi, a novidade representaria risco ao setor de saúde e peso sobre a lucratividade das empresas, e resultaria em aumento de preços nos serviços. Como “saída”, recomendaram a concessão de subsídios para o setor privado.
O relatório do Citi menciona gigantes do setor, como a Rede D’Or. A rede de hospitais privados está entre os que mais faturaram na fase aguda da pandemia, revelou a revista Forbes, que mede a riqueza de bilionários. Entre abril de 2020 e fevereiro de 2021, a fortuna do dono da Rede D’Or pulou de US$ 2 bilhões para US$ 13 bilhões. A revista reconhece que de forma geral bilionários viram seu caixa crescer durante a pandemia, mas constata que “a valorização do patrimônio líquido dos bilionários da área da saúde foi astronomicamente superior”.
Piso Salarial já!
“Basta um trabalhador conquistar um direito e já começam com a pregação do caos. O setor patronal começa a demitir, fechar leitos e apela ao STF para não pagar o piso. Querem remunerar os heróis e as heroínas da pandemia com aplausos?”, questionou a senadora Zenaide Maias (Pros -RN), que defende a “instituição imediata de piso salarial compatível com a complexidade do trabalho.” Zenaide Maia, que foi relatora do projeto de Contarato no Senado, cobrou a reversão imediata da liminar no STF: “exigimos o cumprimento da Lei e a valorização salarial para enfermeiros, parteiras, técnicos e auxiliares de enfermagem!”
O senador Jean Paul Prates (PT-RN) também usou as redes para lembrar que o piso salarial da enfermagem foi uma vitória conquistada pela mobilização de profissionais de saúde de todo o país: “lamentável a decisão do STF suspendendo sua aplicação. Vamos lutar para reverter essa sentença.”
A luta pela manutenção do piso foi ressaltada também pelo líder do PT no Senado, Paulo Rocha (PA). “Lamentamos a decisão que suspendeu o piso da enfermagem. Uma categoria que tem papel fundamental no cuidado com a saúde do povo paraense e brasileiro. Estamos trabalhando para reverter a decisão. Sigo na luta em defesa dos trabalhadores da enfermagem” – pontuou o senador.