Agraciadas ainda no início da pandemia do coronavírus com um pacote de bondades de R$ 1,2 trilhão concedido pelo ministro banqueiro da Economia, Paulo Guedes, sob o comando do presidente Jair Bolsonaro, as instituições bancárias descumprem acordos firmados com as entidades sindicais e demitem trabalhadores e trabalhadoras, mesmo figurando entre as empresas que mais acumulam ganhos nesses tempos de Covid-19.
O processo começou ainda em maio no Santander, que já soma 1.063 trabalhadores demitidos. O Bradesco iniciou as dispensas agora em outubro, e só em São Paulo foram atingidos 80 trabalhadores. O Itaú chega a quase 400 bancários e bancárias mandados embora. O Mercantil do Brasil também anunciou demissões. Sobre a quebra de compromisso das instituições financeiras, nenhuma palavra de Guedes.
“Todos esses bancos haviam se comprometido em não demitir funcionários durante a pandemia. Mas, mesmo tendo lucros bilionários, desrespeitaram esse compromisso e colocaram mães e pais de família na rua da amargura, em plena pandemia”, apontou à ‘ Rede Brasil Atual’ a presidenta da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf- CUT), Juvandia Moreira.
O presidente do Santander, Sérgio Rial, foi um dos principais apoiadores da Reforma Trabalhista do usurpador Michel Temer em 2017, se dizendo comprometido com a criação de empregos no Brasil. A reforma foi aprovada, retirou direitos dos trabalhadores e os dois milhões de empregos por ano prometidos não foram criados.
Em abril deste ano, o Santander foi um dos primeiros bancos a se comprometer, perante a Contraf-CUT e sindicatos de todo o Brasil, em não demitir enquanto durasse a pandemia. Também foi o primeiro a desonrar a palavra. O banco ainda mantém convocações para o trabalho presencial sem negociação com sindicatos, com aumento da terceirização e um acordo de home office prejudicial para os bancários.
Os bancos sempre ganham e muito, mas 2019 foi um ano de recordes astronômicos. O lucro líquido dos bancos bateu a casa dos R$ 118 bilhões. Esse resultado significa que em oito anos os bancos brasileiros praticamente dobraram seus lucros, que em 2011 alcançou R$ 62,5 bilhões. Qualquer resultado em 2020 dificilmente vai superar 2019. Só o Bradesco apurou lucro líquido de R$ 22,5 bilhões no ano passado, o maior de sua história
“Para nós, o compromisso era não demissão até o fim da pandemia”, disse a presidenta do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região (SPBancários), Ivone Silva, ao ‘ Rede Brasil Atual’. Ela lembra que a matriz espanhola do Santander não atua da mesma maneira. “Na Espanha tem governo. Aqui não tem. O Bolsonaro não governa”, explica.
Segundo ela, os relatos são de que os bancos demitem por meio de aplicativos de reunião virtual, WhatsApp e e-mail. “Não existe qualquer razão para tamanha desumanidade. Estamos falando de vidas, famílias, não de números“, indigna-se a secretária-geral do SPBancários, Neiva Ribeiro, bancária do Bradesco.
“Essas demissões estão acontecendo porque o governo Bolsonaro não tem compromisso com os trabalhadores. Em outros países, o governo federal não deixa que as empresas lucrativas demitam”, criticou a presidenta da Contraf-CUT. “Com as demissões, os bancos contribuem para o aumento do desemprego no país, que já era alto, e dificultam a recuperação da economia.”
A Contraf-CUT cobra a suspensão das demissões e mantém campanha para denunciar a quebra de compromisso dos bancos, articulando as várias iniciativas que ocorrem em cada banco. Serão organizadas manifestações e ações pelas redes sociais para mostrar que demissões não combinam com os bons resultados financeiros dos bancos em 2020.
“O Bradesco foi a companhia aberta com os maiores lucros da América Latina nesse primeiro semestre. Foram quase R$ 7 bilhões. O Itaú é a marca mais valiosa do Brasil, avaliada em R$ 24,5 bilhões, e o Santander tira do Brasil seu maior lucro no mundo (32%)”, lembrou Juvandia.
“Esses bancos estão em boa situação financeira, muito melhor do que outras empresas, mais atingidas pela crise sanitária, e mesmo assim passaram a demitir, eliminando postos de trabalho. Fazem isso depois de firmarem um acordo de não promoverem demissões durante a pandemia. Só que a pandemia ainda não acabou”, afirmou a presidenta da Contraf-CUT.
Lucros astronômicos e manipulação dos lucros
Os dados contidos no levantamento da Economatica corroboram o discurso da líder sindical. Somados o primeiro e segundo trimestre deste ano, o setor bancário é o que mais lucrou entre empresas de capital aberto listadas na América Latina. A lista com as 20 latinas mais lucrativas tem oito bancos e quatro empresas de energia elétrica.
O Bradesco foi o que mais lucrou no primeiro semestre. O banco teve um resultado de US$ 1,26 bilhão (R$ 6,85 bilhões). O segundo colocado é o Itaú, com lucro de US$ 1,24 bilhão (R$ 6,74 bilhões). O Banco do Brasil vem em terceiro lugar, com US$ 1,17 bilhão (R$ 6,36 bilhões). O Santander Brasil está em quinto, com US$ 1,06 bilhão (R$ 5,93 bilhões, deixando para trás o Santander México, em nono com U$ 417 milhões.
No entanto, os bancos se apegam à comparação com os resultados de 2019, que foram extraordinários, para alegar queda nos lucros. O aparente tombo também é resultado de uma “pedalada contábil” para camuflar os ganhos: o forte aumento de reservas para cobrir eventuais calotes, transferindo a maior parte do faturamento para as Provisões de Devedores Duvidosos (PDDs). Os bancos então justificam as demissões alegando que os lucros encolheram devido à crise sanitária.
O Banco Central havia liberado as PDDs, mas mesmo assim os grandes bancos provisionaram. “Não existe qualquer justificativa econômica para as demissões nesses bancos. São instituições com comprovada saúde financeira”, avalia a presidenta da Contraf-CUT.
“Os bancos sempre ganham e muito, mas 2019 foi um ano de recordes astronômicos. O lucro líquido dos bancos bateu a casa dos R$ 118 bilhões. Esse resultado significa que em oito anos os bancos brasileiros praticamente dobraram seus lucros, que em 2011 alcançou R$ 62,5 bilhões. Qualquer resultado em 2020 dificilmente vai superar 2019. Só o Bradesco apurou lucro líquido de R$ 22,5 bilhões no ano passado, o maior de sua história”, assinala Fabrício Coelho, diretor do Sindicato dos Bancários/ES.
Carlos Pereira de Araújo (Carlão), membro do Comando Nacional dos Bancários, desvela a segunda tática dos banqueiros: “Ao aumentar o valor da reserva, consequentemente, o lucro reduz. Os bancos estão recorrendo a essa estratégia para tentar se credenciar como vítimas da pandemia. Eles apostam que essa narrativa pode sensibilizar a opinião pública. A sociedade precisa saber que os bancos brasileiros, com ou sem crise, desconhecem o que é prejuízo. Longe disso. Os bancos continuam lucrando, e muito”.
Carlão aponta que o Itaú, em 2019, apurou lucro recorde de R$ 26,583 bilhões, crescimento de 6,4% na comparação com 2018 (R$ 24,977 bilhões). “A retrospectiva dos ganhos do Itaú confirma que não há crise para os bancos”, afirma o dirigente, chamando atenção para o fato de essa reserva reforçada também reduzir o valor sobre a Participação nos Lucros e Resultados (PLR).
“Quem perde com essa jogada dos bancos é mais uma vez o trabalhador, que vai sentir no bolso. O trabalhador sim terá prejuízos”, prevê o dirigente sindical. Ele afirma que a reserva continuará com os bancos, uma vez que as projeções de perdas com os supostos calotes causados pelos efeitos da pandemia sobre a economia estão superestimadas.
“Apesar das projeções pessimistas dos bancos, prevendo perdas com a pandemia, o que os dados mostram é a queda do índice de inadimplência”, explica. No período analisado (segundo trimestre de 2020), o índice de atraso acima de 90 dias ficou em 2,7%, ou seja, o banco registrou queda da inadimplência. “Ignorando os fatos, o Itaú tenta justificar que o número não reflete o cenário adverso”, critica Carlão.
À imprensa, o banco alegou que “seu esforço para ajudar os clientes”, celebrando acordos com os devedores, levou os índices de inadimplência a patamares que não eram registrados desde a fusão com o Unibanco, em novembro de 2008.
“A frieza dos números contesta essa narrativa catastrófica de perdas projetadas pelos bancos. A queda da inadimplência não justifica o aumento do PDD. Fica patente a estratégia dos bancos de se aproveitarem da pandemia para tentar melhorar a imagem junto à sociedade de empresas que estão pondo o lucro na frente das vidas”, critica.
Como parte dessa estratégia exposta por Carlão, o Itaú doou R$ 1 bilhão para o projeto ‘Todos pela Saúde’ – campanha de auxílio à pandemia. Do montante, R$ 834 milhões foram deduzidos do resultado trimestral do banco. O valor foi desconsiderado, porém, no lucro recorrente do banco (que descarta despesas extraordinárias, como as doações). Com essa medida, o Itaú lucrou na verdade R$ 4,2 bilhões no segundo trimestre.
“Os bancos estão tão preocupados com a sua imagem, mas esquecem que responsabilidade social é respeitar os trabalhadores e manter empregos durante uma pandemia mundial. Foram R$ 21,7 bilhões de lucro líquido somados no semestre, com o investimento de R$ 1,2 bilhão em publicidade e propaganda” critica a presidenta do SPBancários, Ivone Silva.