O ex-governador do Rio de Janeiro Wilson Witzel culpou explicitamente o presidente da República, Jair Bolsonaro, pelas quase 500 mil mortes causadas pela Covid-19, desde o início da pandemia no País. De acordo com Witzel, o governo federal criou uma narrativa destinada a enfraquecer os governadores ao politizar o tema se posicionando contra as medidas de isolamento social e acabou deixando os governos estaduais, segundo ele, “à mercê da desgraça que viria”.
“O presidente não dialoga com os governadores. O presidente deixou os governadores à mercê da desgraça que viria. O único responsável pelas mais de 400 mil mortes tem nome, endereço e tem que ser responsabilizado aqui [na CPI] e no tribunal internacional”, disse Witzel.
Segundo o ex-governador, a estratégia do governo Bolsonaro era se livrar das consequências econômicas advindas da pandemia e empurrar a responsabilidade para os governos locais. Por isso, o presidente se posicionou desde o começo contrariamente às medidas de distanciamento social, incentivou manifestações de reabertura do comércio e atrasou o pagamento do auxílio emergencial.
“O governo federal, para poder se livrar das consequências do que viria na pandemia, criou uma narrativa estrategicamente pensada. O que ficou claro é que a narrativa construída pelo governo federal foi para colocar os governadores em situação de fragilidade, porque os governadores tomaram as medidas necessárias de distanciamento social, porque isso tem consequências econômicas”, enfatizou. “Tudo isso para dar corpo à narrativa do governo federal de que os governadores destruíram empregos”, completou.
Para o senador Humberto Costa (PT-PE), o depoimento reforçou a tese de que o governo Bolsonaro foi o grande responsável pela propagação do novo coronavírus no Brasil ao se posicionar contra as medidas pregadas pela ciência.
“Nós podemos chegar a uma conclusão muito clara sobre a condução do enfrentamento à Covid-19 no Rio de Janeiro. O responsável, em grande parte, por esse processo trágico que se viveu e se vive no Rio de Janeiro é o governo federal, é o presidente da República. São aqueles que durante todo esse processo sabotaram as medidas de isolamento social, apregoaram contra as vacinas, contra os testes”, destacou o senador.
Wilson Witzel também apontou que sofreu ataques de deputados negacionistas logo após anunciar decretos de distanciamento social como medida de controle sanitário contra o espalhamento do vírus. Para ele, essas medidas faziam parte da estratégia do governo de enfraquecimento dos governadores, assim como o atraso na liberação do pagamento do auxílio emergencial que, segundo ele, dificultou a adesão da população ao apelo dos governos locais às medidas restritivas.
“A ideia do governo federal era a contaminação de rebanho. Eu ouvi vários especialistas e eles deixavam claro que a contaminação de rebanho e o isolamento vertical não seriam suficientes para o Rio de Janeiro. Por isso tomei medidas de restrição. Logo depois, deputados ligados a esse movimento negacionista fizeram carreatas pedindo abertura do comércio. E nós vimos que demorou a chegar o auxílio emergencial”, explicou.
Bolsonaro não disponibilizou rede federal para combater pandemia
Questionado pelo senador Humberto Costa se o governo Bolsonaro ofereceu, em algum momento, apoio da rede hospitalar federal no Rio de Janeiro, o ex-governador afirmou que nunca teve apoio do governo federal nesse sentido.
Além da sede da Fiocruz, o Ministério da Saúde tem sob sua gestão direta 1.600 leitos hospitais no estado do Rio de Janeiro, além dos leitos existentes nos hospitais universitários federais. No entanto, 808 leitos federais existentes no Rio de Janeiro estão inoperantes. 33% do total.
“Pedi ao presidente [Bolsonaro] a entrega dos hospitais federais. Não me deram os leitos e ainda sabotaram os hospitais de campanha. Exatamente para criar o caos”, disse Witzel.
Humberto lembra que, a ideia inicial do governo do Rio de Janeiro, era criar 1700 leitos em hospitais de campanha no estado. Mas, se o governo federal tivesse colocado à disposição os leitos dos hospitais ligados ao Ministério da Saúde, a demanda pelos leitos de hospitais de campanha poderia ter caído pela metade.
“O governo federal não se interessou em colocar essa rede à disposição do enfrentamento à Covid-19”, resumiu o senador.
“Talvez nem fossem necessários os hospitais de campanha. Estive com o ministro [Luiz Henrique] Mandetta, não consegui me reunir com o sucessor dele [Nelson Teich] e estive uma vez com o ministro [Eduardo] Pazuello, visitando o hospital de campanha do Maracanã. Em todas essas oportunidades, os hospitais federais não foram colocados à disposição do estado do Rio de Janeiro. Eu não tive nenhuma colaboração [do governo federal] para fazer o combate ao coronavírus”, criticou Witzel.
A omissão do governo Bolsonaro na situação específica do estado do Rio de Janeiro, disse Humberto, escancara a preferência pela tese da imunidade de rebanho e a falta de compromisso com a proteção da população com a circulação do vírus causador da Covid-19.
“No momento em que poderiam abrir toda a estrutura do Ministério da Saúde no Rio de Janeiro não o fizeram. Foram omissos. Esse capítulo precisamos investigar. A gestão que o governo deu ao enfrentamento à pandemia, eles tiveram o objetivo claro de implementar essa imunidade coletiva por transmissão e refletem um absoluto descompromisso com a saúde da população”, enfatizou Humberto.
Witzel usa habeas corpus
O ex-governador usou o habeas corpus dado pelo Supremo Tribunal Federal e deixou a sessão da CPI da Covid-19 no início da tarde.
O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), vice-presidente da CPI, informou que vai apresentar requerimento para Witzel prestar novo depoimento aos membros da CPI em reservado.
Durante o depoimento, Witzel afirmou saber de “fato gravíssimo” envolvendo intervenção do governo federal.