Brasil e encruzilhadas globais – Por José Dirceu

À Europa, nossa presidente, Dilma Rousseff, disse ser importante que os países emergentes participem dos debates sobre a situação econômica dos mais ricos, apontando o G-20 (grupo dos 20 países mais desenvolvidos do mundo) como o fórum adequado. Isso porque, como se viu na crise de 2008, os problemas das grandes economias repercutem internacionalmente. A fala de Dilma, contudo, causou reações contrárias nos círculos ortodoxos. Em solo brasileiro, as críticas foram vocalizadas pelo ex-ministro da Fazenda Pedro Malan.

Em linhas gerais, sua manifestação revela incompreensão do novo papel do Brasil no mundo e oculta a concepção arcaica e imperialista de que, ainda em desenvolvimento, devemos “nos colocar no nosso lugar”. Como se não fosse possível evoluir compartilhando aprendizados.

 

O destaque que o Brasil tem hoje advém justamente de um comportamento independente e participativo, compreensão colocada em prática a partir do governo Lula e capaz de introduzir nosso país nos debates internacionais. De fato, está latente na crise, desde 2008, uma readequação da correlação de forças entre nações desenvolvidas e em desenvolvimento. Estas últimas vêm crescendo em importância e reivindicam maior presença no processo decisório. É nesse movimento que se insere a afirmação de Dilma: as saídas para a crise serão tanto mais satisfatórias e duradouras quanto mais forem partilhadas por países desenvolvidos e em desenvolvimento.

 

Malan parece não compreender. Defende outra visão, a mesma que ascendeu na década de 1980 e tem na primeira-ministra britânica Margareth Tatcher seu ícone. Sob essa visão, o plano de Nicholas Brady, secretário do Tesouro dos EUA citado por Malan, foi bem-sucedido, ao promover o alongamento da dívida dos países da América Latina com troca de bônus de curto prazo por outros de longo prazo. Haveria até descontos do Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional aos países que aderissem aos novos títulos.

 

As contrapartidas foram: adesão às privatizações, diminuição do Estado (a tese do Estado mínimo) e programas de austeridade – depois, com o sucessor de Brady, James Backer, implantação de barreiras de importação, alta de impostos e tarifas, desvalorização da moeda e redução de gastos governamentais.

 

Os planos Brady/Backer estão na raiz da “década perdida” na América Latina, que registrou baixo crescimento e nível de endividamento maior do que antes da adesão. Mais grave ainda: o mundo passou por um processo de desregulamentação da economia que desembocou na crise atual, por conta da crença fundamentalista de que os mercados eram autorreguláveis.

A discussão na Europa, hoje, retoma boa parte dessas medidas amargas. O Brasil, portanto, tem o que dizer a respeito – por experiência própria, já que aderiu, em 1994, pelas mãos do então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso. Aliás, na nova configuração mundial, o Brasil tem a responsabilidade de alertar para experiências mal-sucedidas e participar de toda decisão que puder nos afetar.

Afinal, cada vez mais, as encruzilhadas mundiais passam por aqui.

 

José Dirceu é advogado, ex-ministro da Casa Civil e membro do Diretório Nacional do PT

 

Artigo publicado na edição do jornal Brasil Econômico do dia 13 de outubro de 2011

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