Não foi de uma hora para outra que o povo yanomami começou a morrer nas aldeias de Roraima. Embora ex-frequentadores do Planalto insistam na mentira de que não houve denúncia, dezenas de alertas foram disparados desde 2019. E não só pela imprensa. Organizações sociais enviaram ao menos 21 ofícios a órgãos como Funai e Polícia Federal (PF), parlamentares cobraram de ministérios e da Procuradoria-Geral da República (PGR) o cumprimento de suas missões constitucionais. Nada feito. Sob Bolsonaro, os yanomami também morreram de negligência.
Só no Congresso foram dezenas de iniciativas entre 2019 e 2022, desde requerimentos de informação até denúncias ao Ministério Público e ações no Supremo Tribunal Federal (STF). Em maio do ano passado, comissões de deputados e senadores estiveram nas aldeias e mostraram ao governo e à sociedade o quadro de abandono nas terras Indígenas (TI).
Antes, em outubro de 2021, a CPI da Covid alertou que o governo Bolsonaro agiu como genocida, negando até mesmo água a um povo que teve seus rios contaminados pelo mercúrio. A denúncia chegou a ser enviada ao Tribunal Penal Internacional. Também em 2021, senadores foram ao STF para tentar obrigar o governo a conter as crises sanitária e nutricional nas aldeias. De novo, deu em nada.
Sem resposta
Na mais recente ação, em dezembro, o senador Fabiano Contarato enviou representação à Procuradoria-Geral da República pedindo providências sobre denúncias de violência contra os yanomami.
“O que a PGR fez? É chocante e pavoroso! Meu sentimento de pesar se soma a minha total aliança com o governo Lula para socorrer o povo yanomami e punir Bolsonaro e quem mais tenha concorrido para este crime de genocídio”, indignou-se.
Presidente da Comissão de Direitos Humanos (CDH), Humberto Costa (PT-PE) organizou comitiva à Região Norte em 2022 e denunciou a falta de assistência aos povos indígenas. Ele chamou a situação de “tragédia humanitária” e disse que há culpados.
“O território yanomami é a maior reserva indígena do país e tem sofrido com o avanço do garimpo ilegal, desnutrição e falta de assistência pública. O que aconteceu na gestão de Bolsonaro não tem outro nome: foi genocídio”, desabafou.
Essa espécie de consórcio em torno do crime contra indígenas foi detalhada por Rogério Carvalho (PT-SE): “Bolsonaro não agiu sozinho contra os yanomami. Importante lembrar que ano passado ele teve apoio dos deputados que aprovaram um requerimento de urgência para o PL 191/2020, que autoriza a mineração em terras indígenas”. Jean Paul Prates (PT-RN) igualmente denunciou a conduta de Bolsonaro e aliados. Para ele, o cenário nas aldeias “é reflexo do criminoso governo que tivemos nos últimos quatro anos”.
Outro parlamentar que denunciou à exaustão os crimes contra o povo yanomami é Jaques Wagner (PT-BA), que se despede da Presidência da Comissão de Meio Ambiente (CMA) e passa a liderar o governo Lula no Senado.
“Minha solidariedade e todo apoio aos yanomami, que estão vivendo em condições precárias e desumanas. Um cenário de completo descaso, fruto da total falta de sensibilidade e de responsabilidade do governo anterior”, afirmou o senador, que cobra “respostas firmes e ações imediatas”.
De acordo com o Ministério dos Povos Indígenas, cerca de 570 yanomami morreram nos últimos anos por contaminação por mercúrio e doenças agravadas pela desnutrição. Como esclareceu o senador Paulo Rocha (PT-PA), a substância tóxica e os outros males não chegaram do nada.
“Bolsonaro facilitou a entrada de mais de 20 garimpeiros ilegais que destruíram a floresta e sua fauna, fonte de alimento e vida dos nossos irmãos yanomami”, publicou Paulo Rocha, que nesse mês se despede da Liderança do partido e também do mandato.
Primeiras medidas
Ainda no sábado, durante a visita de Lula e ministros a Roraima, o governo decretou emergência de saúde pública na região. O presidente também anunciou ações para facilitar a chegada de atendimento médico nas aldeias e o envio imediato de cestas básicas para enfrentar a tragédia humanitária. O trabalho será apoiado pela Força Nacional do Sistema Único de Saúde (SUS). Além disso, o presidente afastou 11 coordenadores da Secretaria de Saúde Indígena (Sesai).
Como resposta aos primeiros anúncios de Lula, uma rede de voluntários se formou no país. São pessoas se colocando à disposição para ajudar a população indígena, com mantimentos e cuidados. Diante da oferta, o próprio presidente informou que o Ministério da Saúde abriu um formulário para inscrição de profissionais de saúde voluntários.
Segundo o Ministério, o cadastro é permanente, e as convocações serão feitas em eventuais futuras missões. E os voluntários já convocados prestarão atendimento direto aos pacientes localizados na Casa de Saúde Indígena (Casai) Yanomami e também assistência no hospital de campanha do Exército. A equipe é composta por médicos, enfermeiros e nutricionistas que atuarão de acordo com suas especialidades.
Fora da Casa de Saúde, a ajuda se materializa na forma de mais cestas básicas. A principal campanha foi organizada pela Central Única das Favelas (Cufa) e pela Frente Nacional Antirracista (FNA). As doações podem ser encaminhadas às unidades da Cufa nas cidades e também por meio de uma chave pix, [email protected], que reúne recursos para compra de alimentos.