O que a população toda percebeu nas ruas do país nos últimos anos – embora negado pelo governo anterior – foi confirmado em estudo apresentado na terça-feira (14) pelo Unicef, o Fundo das Nações Unidas para a Infância. Piorou e muito a situação de crianças e adolescentes brasileiros. Utilizando números da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad Contínua) desde 2017, a agência da ONU traçou um quadro perverso: para 32 milhões de pequenos cidadãos – 63% dessa população – falta um ou mais itens num universo que inclui desde alimentação, moradia, acesso a escola, até saneamento básico e informação.
A pesquisa “As Múltiplas Dimensões da Pobreza na Infância e na Adolescência no Brasil” esbarrou na falta de dados em alguns dos campos estudados. É mais um sinal do descaso do governo Bolsonaro, que a partir de 2020 não atualizou indicadores de moradia, saneamento básico, trabalho infantil e acesso à informação. Mas o que foi apurado é preocupante.
Em 2020, o número de menores privados da renda necessária para uma alimentação adequada era de 9,8 milhões, e pulou para 13,7 milhões em 2021 – um salto de quase 40%. Já o percentual de crianças e adolescentes que viviam em famílias com renda abaixo da linha de pobreza (menos de US$ 1,9 por dia) alcançou, em 2021, o maior nível em 5 anos: 16,1%, contra 13,8% em 2017. A taxa de analfabetismo, após anos em queda, dobrou de 2020 para 2022 – de 1,9% foi a 3,8%.
Um dos efeitos dessa piora é o aumento da desigualdade. A pesquisa mostrou impacto maior na parcela que já vivia em situação mais vulnerável. São os casos de crianças e adolescentes negros e indígenas. Nada menos que 72,5% deles se encontravam na pobreza multidimensional em 2019, enquanto, no mesmo ano, o percentual de brancos e amarelos que amargavam essa situação era de 49,2%. Em termos geográficos, o mesmo fosso. Seis estados tinham, na época, mais de 90% de crianças e adolescentes em pobreza multidimensional, todos no Norte e Nordeste.
Em entrevista à Rádio Senado, Paulo Paim (PT-RS) classificou o resultado do estudo como uma “tragédia que poderia ter sido evitada”.
“Eu entendo que o governo que saiu foi omisso, agiu com descaso com esse setor da população tão importante, que são nossas crianças, a nossa juventude. Temos que tratá-los com carinho, alimentação, saúde, escola, moradia, saneamento, combate ao trabalho escravo”, comentou o senador, um dos que denunciaram, em agosto de 2022, o veto de Bolsonaro ao reajuste do valor da merenda escolar, que havia sido aprovado pelo Congresso.
A merenda escolar, instituída em 1988, é, para muitas dessas crianças, a garantia de uma refeição diária. Então coordenadora do Setorial Nacional de Educação do PT, Teresa Leitão alertou no ano passado para o sufocamento de estados e municípios, que teriam que compensar a falta de repasse de verbas federais para evitar o agravamento da insegurança alimentar dos estudantes.
Hoje senadora, a professora Teresa Leitão (PE) reforça o argumento do colega Paim: “os números apresentados pelo Unicef refletem o descaso e a falta de empatia com que o governo Bolsonaro sempre tratou os menos favorecidos e suas crianças. Tanto que, ano a ano, os números só pioraram”.
Alerta do Unicef
Para combater a pobreza multidimensional, o estudo do Unicef sugere a adoção de políticas públicas urgentes, principalmente pelos governos estaduais e pelo Planalto, para combater essas privações à infância e à adolescência. E alerta que na maioria das situações há uma sobreposição de problemas, como a falta de saneamento e de acesso à escola, o que agrava ainda mais o drama dessa parcela de brasileiros.
“Os desafios são imensos e inter-relacionados. Para reverter esse cenário, é preciso políticas públicas que beneficiem não só as crianças e os adolescentes diretamente, mas também mães, pais e responsáveis, especialmente os mais vulneráveis”, defendeu a chefe de Políticas Sociais, Monitoramento e Avaliação do Unicef no Brasil, Liliana Chopitea.
A receita do Unicef inclui, ainda, investimento em ciência, para medir e monitorar as informações, ajudando o poder público a adotar as melhores medidas; promoção da segurança alimentar e nutricional de gestantes, crianças e adolescentes; e adoção de políticas de busca ativa escolar e retomada da aprendizagem, em especial da alfabetização.
Em outras palavras, é preciso colocar a infância e a adolescência no orçamento e no centro das políticas públicas, avalia a senadora Teresa Leitão.
“O presidente Lula e seu governo já estão empenhados em mudar essa realidade. Por isso, a preocupação do presidente de colocar os pobres no orçamento. Com essa população voltando a ser contemplada, tenho certeza de que nos próximos levantamentos esses números vão melhorar”, completou a senadora.