Nos dicionários, a palavra “balbúrdia” aparece como sinônimo de desordem, tumulto, situação confusa. Foi como Bolsonaro e seus auxiliares classificaram as universidades brasileiras no início do mandato. Curiosa e tragicamente, é nisso que seu governo transformou o setor educacional.
No último mês de 2022, universidades de todo o país praticamente fecharam as portas e não conseguem depositar o dinheiro de bolsas nem quitar contas de energia ou de serviços de limpeza e vigilância, por exemplo.
O primeiro problema pode mudar, para pior, a vida de muita gente. Na graduação, são quase 10 mil alunos que recebem Bolsa Permanência, um auxílio financeiro criado em 2013, no governo Dilma Rousseff, para minimizar as desigualdades e viabilizar a diplomação de estudantes em situação de vulnerabilidade socioeconômica. São jovens que dependem disso para levar para casa o primeiro diploma na família.
Na pós graduação, outros 200 mil brasileiros estão sem receber as bolsas de mestrado, doutorado e pós-doutorado pagas pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Muitos são pesquisadores que trabalham nas universidades e estão impedidos de ter outro emprego. Para isso, recebem bolsas entre R$ 1.500,00 e R$ 2.200,00, valores que não são reajustados há 9 anos. O quadro levou o reitor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Alfredo Gomes, a desabafar nas redes sociais.
“O governo federal não fez o repasse de recursos devidos às universidades para honrar compromissos previamente contratados junto a empresas terceirizadas e também com os nossos estudantes. Nós não vamos, pela primeira vez na nossa gestão, pagar os estudantes da assistência estudantil e as demais bolsas. Trata-se de uma imposição do governo federal que compromete a saúde financeira e a manutenção das universidades no último mês do calendário orçamentário do governo atual”, protestou.
Para o senador Rogério Carvalho (PT-SE), só mesmo o ódio de Bolsonaro à educação pública explica tamanho caos. “Mais R$ 2 milhões do orçamento da Universidade Federal de Sergipe foram bloqueados. Agora em dezembro, 3 mil alunos de graduação e pós-graduação da UFS estarão sem os auxílios tão necessários para o desenvolvimento de pesquisas em nosso país. Essa situação é absurda e inaceitável!”
A comunidade acadêmica vem se manifestando nas ruas. Na Cinelândia, centro do Rio de Janeiro, milhares de estudantes reivindicaram, nesta quarta (7), a recomposição orçamentária imediata na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde também não há dinheiro para pagar bolsas ou funcionários, nem mesmo do complexo hospitalar. Em todo o país, são 14 mil médicos residentes, afora outros profissionais da residência multidisciplinar de hospitais universitários, que correm risco de não receber a bolsa em dezembro.
Egresso de escolas públicas e formado pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), o senador Fabiano Contarato (PT-ES) lembrou que as bolsas estudantis são essenciais para a sobrevivência acadêmica de muitos alunos e cobrou o restabelecimento do fluxo orçamentário.
“Meu total apoio aos estudantes, professores e servidores da Ufes. Os cortes na educação são inadmissíveis e mostram o descaso do governo com o direito garantido à população pela Constituição Federal. Repudiamos esse ato criminoso”, pontuou o senador.
Na Justiça
O quadro vivido pelo pessoal de pós-graduação fez com que a Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG), a União Nacional dos Estudantes (UNE) e a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) apelassem ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra o decreto de Bolsonaro que cortou os recursos das bolsas. O ministro Dias Toffoli deu 72 horas para que o governo explique o bloqueio de dinheiro para a Capes.
Frente à pressão, o Ministério da Educação transferiu à Capes nesta quinta-feira R$ 50 milhões, um quarto do necessário apenas para pagar as bolsas de valor mais baixo da instituição. Convém ser prudente. Há uma semana, no dia 1º de dezembro, em questão de horas o Ministério da Educação desbloqueou e o Ministério da Economia voltou a bloquear os recursos das universidades e institutos federais.
Cautela também por conta do histórico desse governo. Além de difamar estudantes e caluniar universidades, Bolsonaro e seus quatro ministros da Educação passaram quatro anos reduzindo os investimentos em Educação e em Ciência, a ponto de fazer o país voltar aos níveis da primeira década dos anos 2000 nos dois setores. A conclusão é do Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB), ligado à Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), que analisou os orçamentos dos Ministério da Educação (MEC) e da Ciência e Tecnologia e Inovações (MCTI) entre 2000 e 2022, com foco em investimentos. Para se ter uma ideia, o orçamento voltado a investimentos no MCTI em 2022 foi 78% menor que o de 2010, isso sem contar os cortes sofridos ao longo do ano.
“Escolas sem verba para pagar salário de funcionários, estudantes sem garantia de receber bolsa. Universidades sem conseguir pagar água e luz. O pior governo da história vai deixar um rastro de destruição que compromete, inclusive, as novas gerações. Bolsonaro é inimigo do Brasil”, sentenciou Humberto Costa (PT-PE), que aguarda a aprovação em definitivo, pela Câmara dos Deputados, da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do Bolsa Família. O texto gestado no governo de transição, lembra o senador, prevê recursos para reduzir o drama dos cortes nas Universidades.