A carta ao país divulgada nesta quinta-feira (9) por Jair Bolsonaro amenizando as ameaças à democracia feitas por ele mesmo dois dias antes parece mais um esforço para livrar os filhos Flávio e Carlos das acusações de corrupção do que um suposto aceno de paz aos poderes Judiciário e Legislativo. Para o líder do PT no Senado, Paulo Rocha (PA), o presidente tentou, com os atos de 7 Setembro, dar um golpe no país.
“Foi o dia marcado para dar o golpe no nosso país, inclusive pagando militantes para agredir e invadir as instituições democráticas, tendo como foco principal o STF. Isso porque o Supremo tem sido firme nas investigações contra ele e a família dele”, afirmou o senador.
Pelo menos três frentes interessam a família Bolsonaro no STF:
1. Está marcado para esta terça-feira (14) o julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), do processo que definirá o foro de julgamento do senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) no escândalo das rachadinhas.
2. Está nas mãos do STF, mais especificamente nas do ministro Alexandre de Moraes, o inquérito que apura os crimes das fake news, no qual Carlos Bolsonaro (Republicanos), vereador no Rio de Janeiro, figura como peça central, mas que também envolve Jair, Flávio e Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), deputado federal.
3. O ministro Ricardo Lewandowski pediu julgamento presencial – e não mais virtual – da ação que trata do prazo para o presidente da Câmara, Arthur Lira, decidir sobre os mais de 130 pedidos de impeachment contra Bolsonaro.
Após insuflar seus seguidores a cometerem crimes contra a democracia – “fechamento do STF” tem sido pauta recorrente dos atos antidemocráticos –, Bolsonaro se viu obrigado a fazer elogios ao Supremo e ministros, sob o risco de prejudicar a única família que lhe interessa: a dele.
Os principais alvos do presidente nos últimos meses vinham sendo, até a divulgação da carta, justamente a instituição do STF, o presidente do órgão, Luis Roberto Barroso, e o ministro Alexandre de Moraes.
A campanha e a propaganda contra eles foi tão intensa que grupos mais inflamados de apoiadores, adeptos do discurso de ódio, estimularam locautes em rodovias do país e mantiveram até esta sexta (10) acampamento na Esplanada dos Ministérios tentando furar o bloqueio policial para protestar em frente ao STF.
A carta, sugerida e redigida por Temer, teve o objetivo de apaziguar os ânimos e, por tabela, facilitar a vida dos filhos investigados por corrupção.
No caso de Flávio, a 2ª Turma do STF decide nesta terça sobre o direito do parlamentar a foro privilegiado no escândalo das rachadinhas na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). O senador é acusado de desviar parte dos salários dos funcionários de seu gabinete para contas particulares durante o período em que foi deputado estadual (2007 a 2018).
Será analisado recurso do Ministério Público do Rio de Janeiro para derrubar a decisão do Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ), que garantiu foro especial ao senador em junho de 2020 e transferiu o processo para a segunda instância. O MP argumenta o julgamento pela primeira instância, já que ele não é mais deputado.
O MP fluminense denunciou Flávio e seu ex-assessor Fabrício Queiroz, ex-PM e amigo de Jair Bolsonaro, por peculato, lavagem de dinheiro, apropriação indébita e organização criminosa.
Para os procuradores, a decisão TJ-RJ violou entendimento do próprio STF que, em 2018, restringiu o alcance do foro por prerrogativa de função para fatos ocorridos durante o mandato e em função do cargo. Com o fim do mandato, também acaba o foro privilegiado, fixou a Corte.
Já o inquérito das fake news passou a ser um dos principais alvos do presidente depois que as decisões de Moraes atingiram diversos apoiadores do governo com operações da Polícia Federal de busca e apreensão de documentos e equipamentos, prisão preventiva e suspensão de contas, perfis, sites e canais em redes sociais, além do bloqueio de pagamentos feitos aos propagadores de fake news, ideias fascistas e ameaças às instituições democráticas.
Carlos Bolsonaro é apontado como o principal articulador da estratégia de divulgação em massa de fake news, inclusive com o uso de fazendas de robôs financiadas com recursos públicos e privados, sempre de forma camuflada.
Por último, aumenta a pressão de partidos de oposição – que agora começam a receber o apoio de forças políticas de centro e centro-direita – para que os pedidos de impeachment contra Bolsonaro comecem a tramitar no Congresso. Já são mais de 130 pedidos apresentados.
Porém, a abertura de um processo de impeachment depende da aceitação do pedido por parte do presidente da Câmara, Arthur Lira. Após essa decisão unilateral, o pedido vai a votação no Plenário da Câmara, e o processo será aberto se a proposta receber o apoio de pelo menos dois terços dos deputados, ou 342 votos. Caso isso aconteça, é remetido ao Senado, que procede ao julgamento do presidente por impeachment.
Diante da demora de Arthur Lira em aceitar ou não os pedidos, o STF foi acionado para estabelecer se o presidente da Câmara deve respeitar algum prazo para analisar as iniciativas.
Receita federal também é alvo da família
Outra investida para defender os filhos acusados de corrupção está na indicação de um aliado para a Corregedoria-geral da Receita Federal. O cargo é fundamental para que a defesa de Flávio emplaque o argumento de que houve acesso indevido a dados da Receita para fundamentar a acusação de prática de rachadinhas.
A indicação cabe ao secretário da Receita mas, segundo reportagem da Folha de S.Paulo, o senador Flávio Bolsonaro tenta nomear o auditor fiscal aposentado Dagoberto da Silva Lemos. Na condição de diretor do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil (Sindifisco), Lemos apontou a suposta prática de acesso ilegal a dados fiscais.
Em julho, segundo o jornal, Lemos se reuniu com o presidente e Flávio. No entanto, o secretário-especial da Receita, José Barroso Tostes Neto, resistiu ao nome e indicou o auditor Guilherme Bibiani para o cargo, que não assumiu. O posto está vago há três meses, quando encerrou o mandato de três anos do antigo corregedor, José Pereira de Barros Neto.
(Com informações do site Consultor Jurídico e da Folha de S.Paulo)