Cerca de 6 milhões de trabalhadores e trabalhadoras perderam o emprego no Brasil há mais de um ano. Destes, 3,8 milhões já estão sem trabalho há mais de dois anos.
O total de trabalhadores em busca de colocação há mais de um ano subiu de 6,7% para 15,1%. E o total daqueles que buscam há mais de dois anos subiu de 23,9% para 26,1%. Ou seja, quanto mais tempo o trabalhador fica desempregado, menor é a chance de recolocação no mercado de trabalho.
Manchetes de alguns jornais, baseadas em análises de consultorias econômicas, dizem que esse quadro é uma das consequência da pandemia do novo coronavírus. Isso é uma falácia, diz o presidente nacional da CUT, Sérgio Nobre. Para ele, a necessária paralisação das atividades econômicas para conter a disseminação da Covid-19 não é a principal causa do alto índice de desemprego no país, como afirma o presidente Jair Bolsonaro (ex-PSL).
“Desde que assumiu o governo, Bolsonaro não apresentou nenhuma proposta efetiva para geração de emprego e renda. Suas escolhas erradas na política econômica resultaram em desemprego recorde e aumento da fome”, afirma o dirigente, acrescentando que somente com investimento do Estado é possível enfrentar de forma eficaz o desemprego.
“O governo Bolsonaro desmontou instrumentos de desenvolvimento do país e a iniciativa privada não tem, historicamente, condições de exercer o papel de indutor da economia, como quer [Paulo] Guedes [ministro da Economia] e Bolsonaro”.
Para Sérgio Nobre, os números de hoje seriam melhores se o governo não tivesse reduzido investimentos e quadro de pessoal para privatizar estatais como Eletrobras e tentado vender os Correios e a Petrobras, além de desmontar o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que abandonou o financiamento industrial.
“Sem as estatais, o BNDES e os bancos públicos fazendo investimentos não tem Ministério do Trabalho que consiga promover mais empregos”, diz o presidente da CUT.
Desemprego de longa duração
O cenário atual é de desemprego prolongado, que tem consequências trágicas para a classe trabalhadora e para a economia do país, de acordo com o diretor-técnico do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Fausto Augusto Jr.
“Uma pessoa que fica dois anos sem emprego sofre algumas consequências. Ela vai mais rápido ao desalento porque procurar trabalho significa também ter custos”, diz Fausto, lembrando que o número dos já desalentados, ou seja, aqueles que desistiram de procurar emprego por não conseguir uma oportunidade depois de muito tentar, já é alto.
Ele explica ainda que é mais difícil o retorno ao mercado de trabalho por diversos motivos, entre eles, a dificuldade de o trabalhador se manter tanto atualizado na questão profissional como manter sua capacidade de relações.
“A qualificação profissional se altera. Vai aumentando a dificuldade em se manter atualizado para as demandas dos empregos. Isso faz com que ou ele não consiga emprego ou tenha de se sujeitar a trabalhos aquém de sua qualificação, de sua experiência e de sua trajetória”, afirma o diretor-técnico do Dieese.
Para a economia como um todo também há prejuízos porque o país “perde sua capacidade produtiva porque perde a competência desses profissionais por incapacidade do próprio mercado de trabalho”, diz Fausto Augusto Jr.
“É perigoso do ponto de vista do futuro. Isso sinaliza a necessidade de políticas ativas de emprego – uma política econômica voltada para a geração de emprego. A situação já estava ruim antes e piorou com a pandemia”, acrescenta.
Os números de desemprego prolongado, que se referem ao primeiro trimestre deste ano, são de levantamento da consultoria Idados, que fez uma análise com exclusividade para o jornal Valor Econômico, baseada na Pesquisa Nacional Por Amostra de Domicílios (Pnad-Contínua), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O desemprego prolongado atinge trabalhadores que mesmo antes da pandemia já vinham sofrendo as consequências da crise econômica, que foi aprofundada pela crise sanitária e pela falta de política econômica e social do governo Bolsonaro e seu ministro da Economia, Paulo Guedes.
Além de não ter política de geração de emprego, este governo não tem política de requalificação.
Segundo o diretor-técnico do Dieese, para a atender a necessidade constante de atualização profissional e assim permitir que trabalhadores se adaptem às novas realidades impostas pelo avanço da tecnologia, e consigam uma recolocação no mercado de trabalho, é essencial haver qualificação profissional. “É necessário haver um programa”, diz.
Mas, para além disso, é também necessário um sistema de regulação pelo poder público que possibilite equilibrar as taxas de desemprego. Não pode deixar para o mercado definir, de acordo com Fausto.
Significa que o Estado brasileiro tem que qualificar, gerar oportunidades e promover intermediação entre o desempregado e o empregador. Exemplo clássico é o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), criado em 2011 para capacitar os jovens brasileiros.
Iniciativas como Pronatec e outras ações dos governos Lula e Dilma como acordos com o Sistema S (Sesc, Sesi, Senai, Senast e Senac) garantiram a criação de 20 milhões das vagas de trabalho.
Esses ‘sistemas’, que não são prioridade para o atual governo, vêm sendo desmontados desde 2016 e contribuem de forma severa para o desemprego. O Sistema Nacional de de Emprego (SINE), por exemplo, desde o governo de Michel Temer (MDB-SP) já vem sofrendo cortes no orçamento. Em 2019, foram R$ 9,6 milhões que seriam destinados à ampliação da rede de atendimento do programa do seguro-desemprego.