Embora o número de contratações com carteira assinada tenha superado o de demissões pelo segundo mês consecutivo em agosto, puxado pela indústria e construção civil, o país ainda registra perdas acumuladas desde o início da pandemia do coronavírus. A maioria delas no setor de serviços e no comércio.
Para especialistas, o mercado pode até parar de destruir vagas, mas não vai ter força para reabsorver todos os que foram demitidos nos últimos meses, já que a recuperação econômica vai ser lenta. E ainda preveem um aumento da taxa de desemprego quando o auxílio emergencial chegar ao fim. Por isso, dizem que o saldo do emprego ainda será negativo no fim do ano e poderá alcançar níveis históricos no início de 2021.
“As atividades que estão demitindo ainda estão muito ligadas aos serviços, que foram muito impactados pela pandemia. Pensa nos restaurantes e nos pequenos comércios que não têm como voltar totalmente. Tentaram se segurar até onde dava, começam a abrir, mas ainda têm que demitir”, disse Sergio Vale, da MB Associados, ao Portal ‘G1’.
O economista também cita a perspectiva de aumento do número de pessoas que passaram a disputar uma vaga de emprego com a redução e encerramento do auxílio emergencial. Ele prevê que a taxa de desemprego, atualmente no patamar de 13,8%, deverá chegar nos próximos meses à casa dos 17%.
“O desemprego deve crescer até o começo do ano que vem e aí tende a começar a cair. Mas eu diria que uma queda mais consistente só deverá ocorrer no segundo semestre do ano que vem”, avalia Vale.
“O resultado acumulado no primeiro semestre é o pior da história”, lembrou a economista da Compagnie Française d’Assurance pour le Commerce Extérieur (Coface) para a América Latina, Patrícia Krause.
Segundo Patrícia, apesar do alívio observado em alguns indicadores econômicos, a recuperação deve ser lenta e rodeada de incertezas. E isso não estimulará contratações nos próximos meses. Ela também vê o fim do auxílio emergencial pressionando a taxa de desemprego. “Quando isso acabar, as pessoas vão voltar a procurar trabalho, o que vai manter a taxa de desemprego em alta nos próximos meses”, explicou a economista.
“O mercado de trabalho é o último a se acomodar em uma crise. Por isso, o problema ainda não está resolvido”, reforçou o economista do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), Fábio Astrauskas.
Ainda há a preocupação com o fim dos 15 milhões de acordos de suspensão e redução salarial possibilitados pela Media Provisória nº 936, que hoje atinge um em cada quatro profissionais com carteira assinada. “Com o fim das reduções salariais, os empresários terão que adequar a folha salarial para um nível de faturamento menor. Então, haverá demissões”, previu Astrauskas.
Adriana Beringuy, analista do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), explica que a recuperação do mercado de trabalho formal tem sido desigual entre os setores. Nos últimos meses, a criação de empregos formais tem sido puxada pela indústria e pela construção, com mais de 60% do saldo de vagas. Mas o setor de serviços, responsável por cerca de 45% da geração de empregos formais no país, respondeu por apenas pouco mais de 10% do saldo de julho e agosto.
“É uma retomada desigual, com os serviços ainda com o freio de mão puxado”, resume o economista Thiago Xavier, da Tendências Consultoria. Segundo ele, mesmo com a perspectiva de novos resultados positivos em setembro, outubro e novembro, há ainda muitos “limitantes” para uma recuperação mais firme do mercado de trabalho, como as incertezas sobre a trajetória da dívida do governo.
“Ainda temos praticamente 30% das empresas dizendo que têm um impacto negativo no faturamento por conta da pandemia. O que vai ser um dos fatores-chave é se a velocidade de normalização do faturamento das empresas vai acontecer de forma compatível com a retirada dos estímulos financeiros que forem dados”, destaca.
Já Vale aponta os riscos associados à evolução da pandemia e as preocupações em torno da aceleração da inflação e possíveis impactos na taxa de juros. “Estamos falando de uma recuperação lenta da economia e tem um cenário de longo prazo que começa a ficar tumultuado”, diz.
Na avaliação dos analistas, o estoque de empregos com carteira assinada só deverá retomar o nível pré-pandemia, no melhor das hipóteses, a partir do fim de 2021, a depender sobretudo do horizonte de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), do andamento da agenda de reformas estruturais e da retomada dos investimentos.
Para o economista-chefe da gestora JF Trust, Eduardo Velho, o Brasil só conseguirá zerar as perdas da pandemia se conseguir crescer a uma taxa acima de 3% em 2021. “Agora, se a alta da economia ficar na faixa de 1% a 2%, como foi nos últimos três anos, só vamos recuperar o nível de emprego pré-pandemia em 2022, bem próximo da eleição presidencial”, afirma.
Entre os informais, a situação é bem pior
Dados do Painel de Informações do Novo Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), do Ministério da Economia, mostram que o país encerrou agosto com 37,9 milhões de postos de trabalho com carteira assinada, contra 39,1 milhões em fevereiro. Mas esses números refletem apenas o emprego formal. Levantamentos do IBGE apontam que, no emprego informal, o fechamento total foi de 7,2 milhões de postos de trabalho em apenas três meses.
A perda de ocupação entre os trabalhadores informais em meio à pandemia é mais que o dobro da registrada entre empregados formais, aponta estudo do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre- FGV).
Segundo o estudo, a população ocupada brasileira somava 83,4 milhões de pessoas em maio, ante 93,5 milhões no mesmo mês de 2019, uma queda de 10,7%, recorde na série histórica iniciada em 2012. Entre os informais, a redução da ocupação foi de 15,1% em maio, comparada a recuo de 6,7% entre os formais.
O número de informais despencou de 44,9 milhões em maio de 2019, para 38,1 milhões em maio deste ano, com 6,7 milhões a menos de trabalhadores informais ocupados. Já os formais diminuíram de 48,7 milhões para 45,4 milhões, uma perda de 3,3 milhões de ocupações.
Os pesquisadores Paulo Peruchetti, Tiago Martins e Daniel Duque, do Ibre-FGV, analisaram a variação da população ocupada para mensurar os efeitos da crise sobre o emprego. No levantamento, são considerados informais os trabalhadores privados e domésticos sem carteira assinada, empregadores sem CNPJ, trabalhadores por conta própria e trabalhadores que auxiliam familiares sem remuneração.
Ao fim de 2019, enquanto um empregado do setor privado com carteira assinada tinha renda média de R$ 2.226, o informal ganhava R$ 1.462, a doméstica sem carteira recebia R$ 773 e o trabalhador por conta própria, R$ 1.734.
Na crise iniciada em 2015, a informalidade funcionou como uma espécie de “colchão” para o mercado de trabalho, absorvendo parte dos trabalhadores que perderam vagas no mercado formal. Em meio ao isolamento social, o emprego informal não consegue cumprir essa função, ao ser o mais afetado pelas medidas de distanciamento.
“O governo tem pouca capacidade de agir sobre o mercado de trabalho informal, esse é um grande problema em termos de política pública”, observa Duque. “Outro fator problemático é que muitos desses trabalhadores estão no setor de serviços e comércio, em atividades que, para serem viáveis economicamente, dependem de aglomeração de pessoas –e seria até imprudente mantê-las funcionando.”
Com a crise do coronavírus, a taxa de participação na força de trabalho atingiu a mínima histórica de 55% em maio, conta 61,6% em fevereiro, antes das medidas de isolamento. A força de trabalho é a soma de pessoas em idade de trabalhar ocupadas e em busca de emprego. A população fora da força de trabalho cresceu 21,5% em maio, um recorde.