O combate à corrupção interessa demais à sociedade brasileira para ser reduzido à condição de instrumento de destruição de inimigos políticos. “A luta contra a corrupção é essencial à redução das desigualdades, da exclusão social”, lembra o jurista Marcelo Neves, professor de Direito da Universidade de Brasília (UnB). “Esse enfrentamento não pode ser tratado apenas como novo fenômeno do moralismo lacerdista”.
Para estar a serviço da cidadania, o combate à corrupção não pode ser realizado à margem da lei, defende Neves. Nada justifica ações que firam direitos ou a Constituição, alerta ele, para quem esses excessos se explicam pela “pretensão totalitária” que constrói uma situação de exceção em busca do objetivo ilusório de extinguir definitivamente a corrupção. “Isso não vai acontecer. Nem na Dinamarca, nem na Finlândia”.
Marcelo Neves falou, na última segunda-feira (29), sobre “Corrupção, Exclusão e Exceção – Descaminhos da Democracia Brasileira”, durante o seminário “Estado de Direito ou Estado de Exceção?”, promovido pelas bancadas do PT na Câmara e dos Deputados, Fundação Perdeu Abramo e Frente Brasil de Juristas pela Democracia, na UnB.
O professor ressalta que quanto maior o grau de exclusão de uma sociedade, maior será o grau de corrupção e que essa mazela precisa ser compreendida muito além da esfera estritamente penal ou como fenômeno exclusivo da política. Ele cita situações como o dopping no esporte ou a compra de trabalhos científicos como expressões da corrupção.
Nas sociedades desiguais, excludentes, a lei sempre se apresentará como garantia, para uns, e como restrição, para outros. Sempre haverá os “sobrecidadãos”, que têm acesso ao direito, mas não se subordinam a suas injunções. Na outra ponta estão os subcidadãos, para quem a Constituição geralmente só se expressa como restrição: “Eles não têm acesso ao direito, apenas sofrem as restrições e constrangimentos da legislação”.
Essa divisão, lembra Neves, expressa uma sociedade e uma estrutura jurídica que vêm do período colonial e ainda não foram satisfatoriamente modificadas, apesar das mudanças trazidas por movimentos como a Revolução de 1930 ou o processo constituinte que legou ao País a Carta de 1988.
Num contexto de “sobrecidadãos” e “subcidadãos”, sempre haverá margem para que setores privilegiados atuem fora do direto — sejam eles os corruptos ou os que se apropriam do combate à corrupção como instrumento de luta política.
O professor ressalta que as consequências de um Judiciário acima da lei são devastadoras e cita dois exemplos: “Gilmar [Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal], faz o que quer, faz articulação partidária, apesar da Lei Orgânica da Magistratura vedar isso. Moro comete crime, fere o artigo 10 da lei que trata de interceptações, divulgando grampo de autoridade que com prerrogativa de foro [a então presidenta Dilma Rousseff, que, na condição de Chefe do Executivo, só poderia ser investigada pelo STF”.
Marcelo Neves também alertou para a armadilha da judicialização da política, que naturalmente leva à politização do Judiciário — arrasta irremediavelmente o judiciário para o jogo político-partidário.
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