Combate à aporofobia

Comissão aprova criação do Estatuto da População em Situação de Rua

Projeto relatado pela senadora Teresa Leitão agrava penas previstas no Código Penal para crimes praticados por ódio à condição de pobreza da vítima

Alessandro Dantas

Comissão aprova criação do Estatuto da População em Situação de Rua

Texto relatado pela senadora Teresa Leitão também proíbe o recolhimento forçado dos bens e pertences e a remoção e o transporte compulsório das populações em situação de rua

A Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) aprovou nesta terça-feira (12/9) o projeto de lei (PL 1.635/2022), que cria o Estatuto da População em Situação de Rua. O projeto do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) recebeu relatório favorável da senadora Teresa Leitão (PT-PE) e segue para a Comissão de Direitos Humanos (CDH).

O projeto também agrava penas previstas no Código Penal (Decreto-Lei 2.848, de 1940) para crimes praticados por ódio à condição de pobreza da vítima. No caso de homicídio, a punição é de 12 a 30 anos de reclusão. A lesão corporal praticada nas mesmas condições pode ser punida com 1 a 4 anos de reclusão. A pena para injúria envolvendo a circunstância de pobreza é de 1 a 3 anos de reclusão.

O texto também inscreve na lei o termo “aporofobia”. Segundo Randolfe Rodrigues, trata-se de um neologismo criado pela filósofa Adela Cortina, professora catedrática de Ética e Filosofia Política da Universidade de Valência, na Espanha. “Aporofobia vem do grego áporos, sem recursos, indigente, pobre; e fobos, medo; refere-se à rejeição, hostilidade e repulsa às pessoas pobres e à pobreza”, disse Randolfe.

Direitos básicos

O PL 1.635/2022 considera população em situação de rua o grupo que tem em comum a pobreza extrema, os vínculos familiares interrompidos ou fragilizados e a inexistência de moradia convencional regular. Também considera assim aqueles que utilizam os logradouros públicos e as áreas degradadas como espaço de moradia e de sustento, de forma temporária ou permanente, bem como os que usam as unidades de acolhimento para pernoite temporário ou como moradia provisória.

O Estatuto veda o recolhimento forçado dos bens e pertences e a remoção e o transporte compulsório das populações em situação de rua, estabelecendo a responsabilização civil, administrativa, penal e por improbidade dos agentes públicos que violarem essas proibições. Para garantir a dignidade básica das pessoas, o texto assegura o acesso à alimentação gratuita, à água potável, a itens de higiene básica e a banheiros públicos. O projeto também prevê o direito ao ingresso e à permanência dos animais de estimação da população em situação de rua em espaços específicos das unidades de acolhimento.

Poder público

O projeto determina que o Poder Executivo realize a contagem da população em situação de rua em censo oficial, desenvolva ações educativas para promover o respeito e a solidariedade e implemente programas de qualificação profissional das pessoas em situação de rua. Todo esse público também deve ser inscrito no CadÚnico e no Bolsa Família.

Em situações de caráter emergencial e nas localidades onde houver carência de vagas em abrigos institucionais já existentes, o poder público deve firmar convênios com a rede hoteleira local para garantir a destinação imediata de quartos vagos para a população em situação de rua, garantindo o ressarcimento dos custos ao estabelecimento. Se essas ações não forem suficientes, poderão ser usadas emergencialmente para acolhimento escolas, ginásios, galpões e prédios da administração pública.

O texto também prevê que o poder público terá um prazo de seis meses para apresentar um plano para acabar com a falta de abrigos institucionais permanentes e para realizar estudo sobre como reduzir a demanda habitacional. Além disso, a administração pública, nos editais de licitação para a contratação de serviços, poderá exigir, da empresa contratada, que um percentual mínimo de sua mão de obra seja de composto por moradores e ex-moradores de rua, na forma estabelecida em regulamento.

Monitoramento

O projeto prevê a criação de centros de defesa dos direitos humanos para a população em situação de rua, que devem produzir e divulgar conhecimento sobre o tema, pesquisar e acompanhar processos judiciais instaurados para punir a discriminação de pessoas em situação de rua.

Também é criado o Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política Nacional para a População em Situação de Rua, composto por representantes do governo e da sociedade civil com mandatos de dois anos. O comitê deve acompanhar a implantação das medidas previstas no estatuto e avaliar seus resultados.

Financiamento

O texto original previa a criação de um fundo específico para financiar as ações relacionadas à população em situação de rua. Mas a relatora, Teresa Leitão, observou que um fundo desse tipo só pode ser criado por projeto de iniciativa da presidência da República. Ela optou por apenas especificar, em emenda, que poderão ser destinados a ações da área os recursos do Fundo Nacional de Assistência Social, além de dotações orçamentárias, doações e acordos firmados com entidades nacionais, internacionais ou estrangeiras.

Além disso, o projeto prevê que indenizações pagas em função de acordos ou condenações relacionados a ações civis públicas com fundamento em dano causado por violência ou discriminação contra a população em situação de rua podem ser usadas para financiar ações de combate à violação dos direitos desse público.

Para a relatora, o projeto está alinhado tanto às necessidades reais das pessoas em situação de rua como às políticas do Poder Executivos e aos posicionamentos do judiciário. “Essa unidade de propósitos entre os Poderes da República parece criar condições para reverter a invisibilidade a que essas pessoas foram historicamente relegadas na atuação do Estado brasileiro”, disse.

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