Agora só falta a assinatura da presidenta Dilma Rousseff para que a Comissão Nacional da Verdade se torne realidade. Isto porque, na sessão dessa quarta-feira (26/10), o plenário do Senado Federal aprovou por unanimidade o projeto que institui o grupo de estudos que deverá lançar luz sobre os acontecimentos ocorridos durante a ditadura militar.
Na opinião dos senadores da bancada petista Jorge Viana (PT-AC), Walter Pinheiro (PT-BA), Aníbal Diniz (PT-AC) e Delcídio do Amaral (PT-MS) este é um passo suplementar ao projeto aprovado na noite anterior, a Lei de Acesso à Informação – que regula a publicação de todos os documentos oficiais. Segundo os parlamentares, as duas proposições fortalecem a democracia brasileira e contribuem significativamente para a consolidação da transparência e da cidadania.
“Ontem o Senado abriu o sigilo eterno no Brasil. Estabeleceu uma página nova e muito bonita da história da democracia brasileira fazendo com que a transparência do passado possa iluminar o futuro desse País. Hoje, esse mesmo Senado traz um tema que faz completar, quando vem e aprova a Comissão da Verdade. Essa matéria tem origem no coração da sociedade brasileira, das famílias daqueles que sofreram a parte mais dura do autoritarismo que atravessou décadas no Brasil”, afirmou Viana.
A dor das famílias também foi lembrada pelo senador Eduardo Suplicy (PT-SP). Para ele, o trabalho a ser desenvolvido irá por fim a uma lacuna inquietante na história do País e fechar uma chaga existencial na vida dos familiares de perseguidos do regime militar, para finalmente prosseguirem com a vida. “É preciso que esse processo de resgate da memória coletiva tenha continuidade para que, junto com os corpos dos desaparecidos, esse período traumático da nossa história recente possa ser também definitivamente enterrado”, defendeu.
Funcionamento da Comissão – A Comissão Nacional da Verdade deverá esclarecer e tornar público os casos de tortura, mortes, desaparecimentos forçados, ocultação de cadáveres e a autoria, ainda que fora do País, ocorridos durante o período da ditadura militar brasileira. Essas informações deverão auxiliar na localização e identificação de corpos e restos mortais de desaparecidos políticos e colaborar para a adoção de medidas e políticas públicas para prevenir a violação de direitos humanos. Tudo isso, para evitar a repetição desses acontecimentos e superar essa parte da história para dar um passo adiante.
O grupo terá sete integrantes, indicados pela presidenta Dilma, e 14 cargos de confiança para compor a equipe. Os nomeados deverão ser brasileiros de reconhecida idoneidade e conduta ética e identificados com a defesa da democracia e dos direitos humanos.
Com duração de dois anos, a comissão apresentará, ao fim das atividades, um relatório do trabalho desempenhado onde serão detalhados os fatos examinados, as conclusões e recomendações. Além disso, todo o acervo documental e de multimídia resultante dos trabalhos será encaminhado ao Arquivo Nacional para integrar o projeto Memórias Reveladas.
O trabalho será consubstanciado por testemunhos, informações, dados e documentos, tanto encaminhados voluntariamente quanto solicitados junto ao Estado. Também serão promovidas audiências públicas e parcerias com órgãos e entidades, públicos ou privadas, nacionais ou internacionais, para o intercâmbio de informações, dados e documentos.
E por não ter o “caráter jurisdicional ou persecutório”, na conclusão das tarefas não haverá processo nem serão fixadas indenizações, já que o objetivo não é punir e sim resgatar a verdade sobre um período histórico do Brasil.
Reivindicações dos familiares – Modificações ao projeto foram sugeridas pelos parentes dos perseguidos políticos, Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e Confederação Nacional de Bispos do Brasil (CNBB), em uma audiência pública promovida pelos senadores Paulo Paim (PT-RS) e Ana Rita (PT-ES) no último dia 18 de outubro. Para eles, seria imprescindível:
– ampliar o prazo de dois anos de funcionamento da comissão;
– aumentar o número de membros;
– alterar o período das investigações para 1964 a1988;
– excluir a possibilidade de indicar militares como membros do colegiado;
– retirar a referência a Lei da Anistia; e
– penalizar os culpados.
O relator da matéria, senador Aloysio Nunes (PSDB-SP), centrou seu relatório em comentar cada uma dessas sugestões. Segundo ele:
– a duração de dois anos é suficiente porque a Comissão terá a seu dispor um vasto Baco de dados oriundo de trabalhos realizados anteriormente, como a Comissão Especial dos Mortos e de Desaparecidos e a Comissão de Anistia;
– a estrutura tem a dimensão adequada para um órgão que vai coordenar uma série de órgãos, visto que ela vai firmar parcerias com outras entidades nacionais e internacionais, faculdades e órgãos de Governo;
– existem períodos de luz e sombra antes e depois de 1964 que precisam ser investigados. Além disso, nada impede que a comissão foque o trabalho nos crimes de direitos humanos cometidos durante a ditadura militar;
– a hipótese de participação dos militares não é correta, porque a presidenta da República deverá indicar pessoas do mais absoluto histórico de comprometimento;
– não se deve desprezar a Lei da Anistia, porque foi ela que permitiu a reintegração do processo político brasileiro;
– esta comissão não pode ter o papel de julgamento, porque esta é uma função inerente ao Poder Judiciário.
No encaminhamento da votação, o senador Randolfe Rodrigues (PSol-AP) afirmou que havia preparado diversas emendas que atendesse a cada uma das preocupações dos familiares de vítimas do regime militar. Entretanto, ponderou que as justificativas do senador Aloysio Nunes o convenceram da qualidade do projeto a ponto de fazê-lo desistir de apresentá-las.
Tramitação- No Senado desde o dia 27 de setembro, o PLC 88 recebeu parecer favorável da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) no último dia 19 de outubro. Seguindo o rito previsto, a matéria ainda deveria passar nas comissões de Direitos Humanos (CDH) e Defesa Nacional (CRE), mas um requerimento de urgência apresentado no dia 25 de outubro, pelo senador Romero Jucá (PMDB-RR), agilizou a tramitação.
No plenário, antes de encerrar a sessão, a senadora Marta Suplicy (PT-SP) afirmou que aquela noite era “muito feliz” para a presidenta Dilma, uma das vítimas do regime militar.
Catharine Rocha
Saiba mais:
Assista ao aparte do senador Jorge Viana (PT-AC).
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Veja o que disse o senador Eduardo Suplicy (PT-SP) sobre a criação da Comissão da Verdade.
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Conheça o projeto que institui a Comissão Nacional da Verdade (PLC 88/2011)
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