Comissão de Direitos Humanos debate guarda de crianças

Situação de crianças com pais em países diferentes deve ser analisada com cautela diz ministra


“Se não houver um comprometimento e uma
efetiva atuação de todos os órgãos e
instituições, não chegaremos a lugares muito
saudáveis” (Agência Senado)

A ministra da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Maria do Rosário, participou, nesta quarta-feira (13), de audiência conjunta das Comissões de Direitos Humanos (CDH) e de Relações Exteriores (CRE) para discutir a guarda de crianças de pais com nacionalidades diferentes.

As diferenças entre normas internacionais e a legislação brasileira dificultam, em alguns casos, a resolução dos casos e impedem ou adiam demasiadamente o retorno das crianças, envolvidas em sequestros internacionais, para o seu país de origem.

O Brasil é signatário da Convenção de Haia que regulamenta o tema e trata dos aspectos civis da subtração internacional de menores. O objetivo da convenção é combater o sequestro de crianças por um dos pais, por meio da cooperação entre autoridades.

Maria do Rosário explicou que, quando há divergências entre pais de nacionalidades diferentes, a Convenção usa o princípio da residência habitual. Ou seja, a competência para a solução do conflito é do país onde a criança vive habitualmente, com exceção dos casos em que haja violência de uma das partes. Ela entende que deve haver exceção também para os casos de crianças com deficiência mental ou intelectual.

De acordo com o conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Guilherme Calmon, é preciso um olhar diferenciado, inclusive no processo de capacitação daqueles profissionais que lidam com o tema, para que haja uma sensibilidade no procedimento decisório.

“Se não houver um comprometimento e uma efetiva atuação de todos os órgãos e instituições para dar efetivo cumprimento àquilo que deve ser feito, especialmente no que se refere a assegurar o melhor interesse da criança e do adolescente, sem dúvida, não chegaremos a lugares muito saudáveis”, disse.

A ministra ainda explicou que, após adotar os princípios da Convenção de Haia, o Brasil passou a ter uma autoridade central constituída, que foi instituída por decreto presidencial. Assim, é a Autoridade Central Administrativa Federal (Acaf) que atua no Brasil no âmbito da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH) com todas as atribuições, no plano interno, de cooperação e integração com o Itamaraty e consulados para tratar dos casos relacionados a esse tipo de sequestro.

Maria do Rosário também relatou que, com a crise econômica, a partir de 2008, parte dos dois milhões de brasileiros que viviam no exterior passaram a trilhar o caminho inverso, de retorno ao Brasil. Com isso, mais crianças que nasceram fora do País entraram em território brasileiro. A ministra relatou que, com o tempo, pode haver arrependimento de um dos pais ou mesmo, o acordo apresentado na entrada ao Brasil, não ser suficientemente documentado, levando o Estado brasileiro a ter de se manifestar em relação ao tema. De outro lado, um fato positivo, apontado pela ministra, é que o Brasil tem um cuidado muito maior com a saída de crianças, se comparado com outras nações. Isso, segundo ela, dificulta a saída ilegal de crianças do País.

“Para uma criança brasileira sair do País, ela não embarcará em qualquer viagem sem a autorização expressa de ambos os genitores, o que não ocorre, em grande parte dos países. Em grande parte dos países, a guarda possibilita que a mãe ou o pai viajem com seus filhos sem que tenha sido autorizado em cartório ou por um juiz, sem que o outro genitor tenha, realmente, manifestado, expressamente, essa autorização”, disse.

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“Essa é uma luta que ultrapassa e muito aquilo
que rezam as legislações” (Agência Senado)

A senadora Ana Rita (PT-ES), presidenta da Comissão de Direitos Humanos (CDH) atentou para a questão como um tema “muito delicado” e que envolve uma serie de peculiaridades.

“Essa é uma luta que ultrapassa e muito aquilo que rezam as legislações. Se essa questão não estiver recheada com a alma, com a sensibilidade, não se poderá fazer com que as coisas aconteçam. Deve-se ter uma responsabilidade com a vida, com a criança, em primeiro lugar”, argumentou a senadora.

Síndrome de Down
Os senadores ouviram o depoimento da brasileira Eliana Rodrigues, que teve a filha de 12 anos levada para a Alemanha pelo ex-marido em 2012. A disputa começou quando ela veio para o Brasil e decidiu se separar do marido alemão, alegando violência doméstica e abuso sexual contra a filha que tem Síndrome de Down. No Brasil, ela conseguiu ficar com a adolescente; mas, logo depois, o pai ingressou com uma ação na Justiça em São Paulo e obteve o direito de levar a adolescente de volta à Europa num processo, que, segundo Eliana, durou apenas 40 dias.

A brasileira reclama que teve o direito de defesa cerceado e defendeu a aprovação de um projeto para impedir que uma criança no centro de uma disputa internacional seja levada para o exterior somente com a decisão de um juiz de primeiro grau. Na opinião dela, nenhum menor poderia deixar o Brasil sem o posicionamento do Supremo Tribunal Federal (STF).

O senador Eduardo Suplicy (PT-SP) é um dos que apoiam a luta de Eliana Rodrigues para trazer a filha de volta. Emocionado, ele leu a carta de outra mãe brasileira, Maria Célia Vargas, que passou por problema semelhante e obteve sucesso na missão de rever o filho. O garoto foi levado pelo pai para a França e ela só o reencontrou após 14 anos depois de muita luta.

Suplicy também defendeu a necessidade do posicionamento de um tribunal superior para que crianças disputadas pelos pais possam deixar o país.

“Nós devemos continuar com a mesma força que essas mães. Tenho certeza que todas as mães podem documentar a luta que empreenderam para que seus filhos e netos possam saber o quanto foram amados, mesmo com a distância física”, disse a ministra ao final da audiência.

Rafael Noronha

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