O relator designado para a diligência a Atalaia do Norte (AM), na semana passada, Fabiano Contarato (PT-ES), teve suas conclusões aprovadas pela Comissão Externa criada pelo Senado para acompanhar as investigações do duplo homicídio de Bruno Pereira e Dom Phillips para averiguar as causas do aumento da criminalidade na região. Após audiências públicas no oeste do Amazonas, Contarato acolheu pedido unânime de lideranças indígenas, inconformadas como desvio de função da Fundação Nacional do Índio (Funai), e pregou o afastamento do presidente do órgão, Marcelo Xavier.
“A atual política do órgão tem transformado indígenas e ativistas em verdadeiros alvos de criminosos que realizam operações ilegais em Terras Indígenas. Dom e Bruno, brutalmente assassinados, são duas das numerosas vítimas de um modus operandi que conta com deliberada omissão estatal para desmatar e poluir biomas protegidos e constranger, aliciar ou matar pessoas que resistem e se opõem ao rastro destrutivo dessas atividades”, justificou o senador do PT.
Também a Defensoria Pública da União (DPU) está contrariada com a inércia da Funai e cobra o cumprimento de determinação judicial de proteção a lideranças locais e servidores do órgão. Segundo Eliesio Marubo, procurador jurídico da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), mais de um mês depois do assassinato do jornalista e do indigenista, a região continua sob situação de insegurança.
Para desenrolar esse novelo, a comissão aprovou requerimentos que fazem uma devassa na estrutura da autarquia. O presidente do colegiado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), requereu uma série de informações ao ministro da Justiça, Anderson Torres, a quem é subordinada a Funai. Ele quer saber como funciona a jornada de trabalho, o pagamento de diárias do pessoal de campo, além de detalhes sobre lotação e quantitativo desses servidores nas bases que deveriam servir a comunidades indígenas e a logística disponibilizada para sua atuação na floresta.
“Ficou mais evidente a relação dos homicídios com o crime organizado na região, que atua em detrimento dos direitos indígenas e do meio ambiente em área de fronteira, evidenciando, portanto, graves lacunas de atuação estatal na região”, justificou o senador em seu pedido.
Na mesma linha, Fabiano Contarato solicitou o aumento do número de servidores de carreira e de profissionais terceirizados de apoio, especialmente nas frentes de proteção etnoambiental, além de segurança para os colaboradores. Hoje, acusa o senador, quem ocupa postos-chave na Funai são pessoas sem experiência ou qualificação técnica na área indigenista.
Providências
A Comissão decidiu enviar ofício ao ministro da Justiça pedindo a lista de providências adotadas pela Funai após o assassinato de outro colaborador, Maxciel Santos, ocorrido em 2019, e sobre denúncias feitas dali em diante, dando conta de ataques a tiros em bases de vigilância e outras unidades do órgão. Pede, ainda, que a Funai compartilhe todas as denúncias enviadas, desde então, à Polícia Federal (PF) para apurar possíveis irregularidades cometidas por servidores da Funai e lideranças indígenas.
A Funai igualmente terá que entregar à comissão processos relacionados à carreira de Bruno Pereira e a sua substituição no cargo de coordenador geral de Índios Isolados e Recém-Contatados Povos Isolados. Os senadores querem saber o que justificou a saída de Bruno, se ele respondia a algum processo interno, e o motivo da nomeação e permanência, nos quadros da autarquia, de Henry Charlles Lima da Silva, que teria ameaçado atirar contra indígenas isolados.
A violência cada vez maior na fronteira, com o crescente ingresso de grupos criminosos, principalmente ligados ao narcotráfico, preocupa a comissão, que aprovou pedido de Contarato e de Randolfe para que o Ministério das Relações Exteriores (MRE) solicite aos governos do Peru e da Colômbia o aumento da fiscalização e da segurança na região. Os senadores colheram evidências de que esses grupos organizados têm relação com outros crimes, como pesca, caça, garimpo ilegal e violência contra indígenas.
Além dessas respostas oficiais, a comissão aprovou a vinda de depoentes ao Senado. Um deles é Jader Marubo, que deve ser ouvido já na próxima semana. Líder indígena e ex-coordenador da Univaja, Jader vai falar sobre a crescente criminalidade na região do Vale do Javari e a atuação da Funai.
Competência
A comissão decidiu, ainda, dirimir eventuais dúvidas quanto à competência sobre ainvestigação dos assassinatos de Bruno e Dom. Por isso, foi aprovado requerimento que pede manifestação do Ministério Público Estadual, do Ministério Público Federal, do Conselho Nacional do Ministério Público e do Juízo Estadual de Atalaia do Norte. O objetivo é reduzir o risco de nulidade do processo criminal. Fabiano Contarato e Randolfe Rodrigues não têm dúvidas de que a esfera para julgar o caso é a federal, porque veem relação entre crimes ambientais, ameaças a indígenas e a execução de Dom e Bruno.
“Antes desses homicídios, havia a denúncia, feita em abril, de um crime ambiental cuja competência é da justiça federal, praticado por um dos executores do crime mais recente. Houve também uma denúncia de ameaça, que também teria sido feita por um dos executores. E essa ameaça se transformou numa execução de duplo homicídio. Há um liame subjetivo, uma conexão entre esses crimes. Não podemos separar esses fatos. Porque a prova de um interfere na prova de outro”, sustentou Contarato.
Mas, como lembra Randolfe, o inquérito em andamento está na esfera estadual. Por isso, a necessidade de manifestação dos órgãos federais. “Está cada vez mais evidente a relação dos homicídios do indigenista Bruno Araújo e do jornalista Dom Phillips com o crime organizado na região, que atua em detrimento dos direitos indígenas e do meio ambiente em área de fronteira — bens públicos federais”, sublinhou Randolfe.