A reunião da Comissão de Direitos Humanos (CDH) nesta terça-feira (18) foi dominada pela indignação. E o relato do convidado da comissão, o deputado distrital Leandro Grass, ajuda a entender o alcance desse sentimento.
“Imagina um senhor de 67 anos parar sua moto numa esquina, olhar adolescentes de 14, 15 anos, perceber, entre aspas, que pintou um clima e entrar na casa dessas meninas. Imagina isso acontecer em qualquer outro lugar, qualquer outra situação: o escândalo seria o mesmo. Depois, ele diz que se equivocou, mas afirma que elas estariam ali para ‘ganhar a vida’, isso é horripilante” – afirmou Grass, parlamentar da Câmara Legislativa do Distrito Federal que vem acompanhando os desdobramentos do caso, confessado por Bolsonaro, e que motivou a aprovação de audiência pública na CDH.
O episódio foi admitido pelo próprio Bolsonaro, em entrevista no dia 14. Ele afirmou que andava de moto numa manhã de sábado, em 2021, em São Sebastião (DF), distante 21 quilômetros do centro de Brasília, quando viu as meninas venezuelanas, disse que “pintou um clima”, e chegou a entrar na casa delas. Um mês antes da entrevista, em 12 de setembro, Bolsonaro já tinha tocado no assunto em outra transmissão, dizendo que as meninas estavam ‘arrumadinhas’ para fazer programa. Tudo isso aconteceu quando Bolsonaro já era presidente.
“O chefe do Executivo, mesmo que tenha prejulgado um fato criminal, deve explicar o que tomou de providências para garantir proteção àquelas crianças e adolescentes que estariam em situação de vulnerabilidade”, sintetizou Fabiano Contarato (PT-ES), autor do requerimento de audiência pública, que também vai discutir possível intimidação praticada por Michele Bolsonaro e Damares Alves. A primeira-dama e a ex-ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos tiveram um encontro com as adolescentes há poucos dias, depois que o caso assumiu o noticiário nacional.
Com a repercussão negativa, Bolsonaro passou a remendar o caso com versões diferentes. “Num primeiro momento, fala que pintou um clima; num segundo momento, fala que foi mal interpretado, mas que era caso de prostituição. Agora, hoje, vem com uma nova versão” – anotou o senador Carlos Fávaro (PSD-MT), lembrando que uma das venezuelanas desmentiu Bolsonaro nessa semana, ao afirmar que no local funciona uma ação social, e que as meninas passavam por um treinamento de corte de cabelo e design de sobrancelha.
“Quando a gente pensa que não vai se surpreender com o que o presidente da República faz, essa de tirar o capacete, olhar para meninas bonitas, pintar um clima, e seguir as meninas até a casa delas, isso é uma indignação. Eu fico pensando em mães, pais, avós desse Brasil. Isso é uma monstruosidade. Tem que vir aqui sim se explicar, embora acho que isso não tem muita explicação, porque foi ele mesmo quem admitiu isso”, analisou Zenaide Maia (Pros).
Crimes contra crianças
A sessão de horror dos membros do governo teve mais um capítulo na CDH. Senadores aprovaram requerimento que convida Damares Alves a explicar denúncia sem provas que fez no dia 9, durante participação em um culto na igreja Assembleia de Deus, em Goiânia (GO), na presença de várias crianças. Na oportunidade, a ex-ministra detalhou o que seriam casos de abusos sexuais cometidos contra crianças na Ilha de Marajó (PA).
Entre outros detalhes macabros, falou que crianças de 3 e 4 anos têm seus dentes arrancados para a prática de sexo oral e que são alimentadas com comida pastosa para facilitar a prática de sexo anal. Espalhou, ainda, que nos últimos 7 anos explodiu o número de estupros de recém-nascidos e que possuía imagens, guardadas no Ministério, de crianças de 8 dias sendo estupradas.
Apoiado pelos demais senadores, o autor do pedido de audiência, Carlos Fávaro, se disse com estômago embrulhado pelas palavras usadas pela ex-ministra num templo evangélico. No documento, ele quer saber se a então ministra prevaricou ao não tomar providências para investigar os casos citados.
Humberto Costa (PT-PE) apoiou o requerimento e disse estranhar que o caso relatado por Damares não tenha sido aprofundado por qualquer veículo sério de imprensa, um sinal de que deve se tratar de denúncia falsa, disparada em período eleitoral para alarmar o eleitorado.
“Ela própria afirma que quando recebeu essas supostas informações, estava no Ministério da Cidadania, então é pertinente que ela atenda a esse convite e venha aqui explicar se ela estava divulgando tão somente mais uma mentira, uma notícia falsa, ou se por outro lado tem qualquer evidência de que esses fatos existiram e ela deixou de cumprir seu papel como autoridade ao não tomar qualquer medida contra isso”, acentuou o presidente da CDH.