O ex-assessor do Ministério da Saúde Marcelo Blanco expôs em seu depoimento à CPI da Covid nesta quarta-feira (4) o completo conflito de interesses que permeava diversos setores da pasta durante negociações para compra de vacinas enquanto a sociedade aguardava soluções para a pandemia.
O nome de Blanco, coronel reformado do Exército, entrou na mira da CPI depois que o policial militar Luis Paulo Dominguetti, que se apresentava como intermediador de vacinas e representante da Davatti Medical, relatou pedido de propina feito pelo então diretor de Logística do Ministério, Roberto Dias.
Marcelo Blanco era subordinado de Roberto Dias e admitiu aos senadores ter não só participado como articulado o encontro no restaurante em que Dominguetti diz ter recebido de Roberto Dias a proposta de propina de um dólar por dose da vacina – estavam sendo negociadas 400 milhões de doses da AstraZeneca. Blanco foi exonerado do Ministério da Saúde em janeiro, e o encontro no restaurante aconteceu no final de fevereiro.
“Não houve pedido. Eu saí antes, mas não houve pedido. No momento que eu estava lá não houve pedido”, disse Blanco, ao ser questionado sobre a propina.
Blanco afirmou que manteve contato por aproximadamente um mês com Dominguetti após ser exonerado do Ministério da Saúde com o intuito de negociar vacinas com o mercado privado. Apesar da explicação, os senadores questionaram o fato de Blanco ter facilitado o acesso de um lobista ao então diretor de Logística do Ministério.
“Vossa senhoria não pode se limitar a dizer que abriu um contato para que ali fosse feita a reunião para tratar do assunto. Foram inúmeras ligações entre o senhor e Dominguetti. É melhor admitir que participou das tratativas. Houve sim uma participação do senhor em vários momentos. Se o intuito foi ajudar o país a atravessar a pandemia, assume que foi isso. Mas o senhor cometeu alguns equívocos como participar dessas tratativas, levar um lobista de última categoria [Dominguetti] para se encontrar com um agente público da relevância do diretor de Logística do Ministério da Saúde. O senhor poderia não ter nenhum ganho com isso, mas participou, acompanhou e conversou sobre propostas com Dominguetti”, disse o senador Humberto Costa (PT-PE).
Segundo Humberto Costa, a operação envolvendo a empresa Davati e integrantes do Ministério da Saúde resume bem o que é o governo Bolsonaro. Enquanto centenas de milhares de brasileiros sofriam pelo país com a pandemia, meia dúzia de “oportunistas” tentavam se locupletar com negociações espúrias.
“De um lado, um grupo de estelionatários comandados por um estelionatário dos Estados Unidos que tentaram vender terreno no céu, porque não tinham vacinas. Do outro lado do balcão, uma meia dúzia de maus funcionários, de pessoas que nem são funcionários do Ministério da Saúde, mas viram um espaço para se locupletar. E fazem um pedido de propina sobre algo que não existia. É trágico porque, diante do sofrimento de tanta gente alguém querer ter uma vantagem em cima, é algo trágico. E é cômico porque mostra uma série de pessoas que se deixaram enganar e atuaram para enganar”, afirmou o senador.
Senadores desconfiam de informações privilegiadas
O ex-assessor do Ministério da Saúde apresentou logo no início do seu depoimento uma série de mensagens trocadas com Dominguetti no início do ano para tentar justificar a aproximação com o policial militar. A explicação de Marcelo Blanco foi a de que, na verdade, ele fazia uma prospecção para compra de vacinas visando o mercado privado.
As conversas apresentadas por Blanco ocorreram nos dias 9 e 22 de fevereiro deste ano, período em que o coronel já havia sido exonerado do cargo de assessor do Departamento de Logística do Ministério da Saúde.
Os senadores estranharam a justificativa dada por Blanco e chegaram a questionar se ele estaria recebendo algum tipo de informação privilegiada acerca da tramitação de propostas sobre o tema, já que não havia ainda legislação que regulamentasse esse tipo de mercado no Brasil.
“Essa atividade de venda de vacinas para o setor privado era uma oportunidade irregular, absolutamente irregular. Sequer havia lei autorizando, aprovada no Congresso Nacional”, lembrou o senador Renan Calheiros (MDB-AL), relator da CPI.
Bolsonaro sancionou apenas no dia 11 de março a lei que determina que a aquisição de vacinas pelo setor privado poderá ser feita somente após a vacinação de todos os grupos prioritários pelo Programa Nacional de Imunização (PNI). O projeto de lei que facilitava a compra e a aplicação de vacinas contra o coronavírus por empresas privadas foi rejeitado pelo Senado.
Blanco ainda relatou aos senadores ter recebido no final do ano passado, ainda quando trabalhava no Ministério da Saúde, proposta para assumir uma função da empresa VTCLog, que mantém contratos com o governo Bolsonaro e está na mira da CPI. A oferta, segundo ele, foi feita pelo consultor da empresa, o general Roberto Severo Ramos.
Na avaliação do senador Omar Aziz (PSD-AM), presidente da CPI, houve um oferecimento de “vantagem indevida” a servidor público por parte do general, que já ocupou cargo na Secretaria Geral da Presidência.
Rogério Carvalho denuncia manobra da PF
O senador Rogério Carvalho (PT-SE) apresentou uma questão de ordem à CPI motivada pelo envio incompleto de informações por parte de Polícia Federal ao colegiado. De acordo com o senador, a CPI recebeu do órgão um vídeo com depoimento do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello com cortes nas citações feitas ao presidente Jair Bolsonaro e ao deputado federal Luis Miranda (DEM-DF).
A CPI, lembra Rogério, tem enfrentado diversos obstáculos impostos pelo governo Bolsonaro. Documentos e informações requisitados não têm sido apresentados e, quando apresentados, são entregues com dados incompletos ou falhas.
“Esse fato é gravíssimo e pode sinalizar a utilização de instituições do Estado brasileiro para aparelhamento de grupos cujos interesses não se coadunam com os objetivos da Nação. O envio de informações incompletas pela Polícia Federal, órgão de Estado, a esta comissão não é aceitável e configura tentativa concreta de interferir nos nossos trabalhos”, alertou o senador.
O senador solicitou o imediato esclarecimento dos fatos e o envio ao colegiado, na íntegra, do depoimento de Pazuello à PF.
Vacinação avança apesar de Bolsonaro
O senador Humberto Costa destaca o fato de a CPI da Covid já ter dado resultados para o Brasil, principalmente em relação à resposta do governo Bolsonaro no sentido de comprar vacinas contra a Covid-19, uma demanda da sociedade diante da inércia e do negacionismo apresentados pelo governo.
“Essa CPI já colocou um governo incompetente, preguiçoso, irresponsável e indiferente para correr atrás de vacina. Apesar de [Marcelo] Queiroga e de Bolsonaro, nós estamos conseguindo vacinar, a passos de tartaruga, a nossa população”, disse.
Para Humberto, os trabalhos do colegiado serão fundamentais para desvendar os desmandos e os crimes cometidos durante o período a pandemia e os motivos pelos quais o Brasil teve mais de 550 mil mortos pela Covid-19.
“Ainda bem que existe essa CPI. Se dependesse da maldade do cidadão que está no Palácio do Planalto, o número de mortos seria muito maior. Os depoimentos na CPI agregam pouca coisa, mas no final eu tenho convicção de que o relator há de fazer um trabalho que vai orgulhar todos nós e vai dar ao povo o alívio de dizer: ‘alguém trouxe a verdade dos fatos e disse quem é o responsável por esse morticínio’. E eles ficarão na história com seus nomes marcados, como criminosos”, enfatizou.