O depoimento mais aguardado da semana, o do líder do governo Bolsonaro na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR), seguiu o mesmo roteiro das oitivas anteriores prestadas por governistas. Um discurso carregado de mentiras que irritou os integrantes da CPI.
Somado a isso, a cada vez que se tentava desenvolver uma resposta concreta acerca dos diversos temas nebulosos que cercam o líder bolsonarista, a bancada do governo fazia questão de tumultuar a sessão e garantir que a resposta não fosse concluída.
Ricardo Barros entrou na mira da CPI após o deputado Luis Miranda (DEM-DF) relatar em depoimento à comissão que Bolsonaro teria dito que o escândalo da compra de 20 milhões de doses da vacina indiana Covaxin seriam um “rolo do Ricardo Barros”.
Barros chegou a dizer que o “combate a corrupção está no DNA do governo Bolsonaro”, mas a gota d’água das declarações fantasiosas aos senadores na sessão desta quinta (12) foi a afirmação de que os trabalhos da CPI teriam afastado empresas fabricantes de vacinas do Brasil.
A comissão reagiu com veemência: “Nós impedimos que houvesse roubo. Que ganhassem dinheiro com vacina. Foi isso que nós impedimos”, enfatizou o senador Humberto Costa (PT-PE).
“A CPI atrapalhou negociatas, a CPI atrapalhou a relação entre trambiqueiros da Davatti com o Ministério da Saúde, atrapalhou a venda da Covaxin pela Precisa, atrapalhou a Belcher que foi descredenciada pelo próprio laboratório. Tudo intermediado pelo deputado Ricardo Barros, líder do governo Bolsonaro. Portanto, tem a digital do presidente Bolsonaro”, resumiu o senador Rogério Carvalho (PT-SE).
Logo após o ataque do líder bolsonarista, houve bate-boca e o presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM), decidiu suspender a sessão. Na retomada, Omar acatou questão de ordem para que a CPI consulte o Supremo Tribunal Federal (STF) acerca dos limites do colegiado no caso de um depoente, sendo parlamentar, mentir à CPI. Após a consulta, Ricardo Barros deve retornar ao colegiado para prestar novo depoimento, mas na condição de convocado.
Deputado é desmentido por laboratório
Ricardo Barros foi questionado sobre suas relações com a empresa Belcher, sediada em Maringá, sua cidade natal, e que representava a Cansino, vacina chinesa desenvolvida pela farmacêutica Convidencia.
O advogado de Barros, Flávio Pansieri, chegou a atuar como representante legal da vacina no Brasil. Pansieri já foi sócio do genro de Ricardo Barros num escritório de advocacia, até o mês de março.
A fabricante chinesa desistiu da representação da empresa de Maringá no Brasil ao saber que a Belcher é investigada pela Polícia Federal por suspeita de fazer parte de um esquema que superfaturou testes de Covid-19 adquiridos pelo Governo do Distrito Federal.
O líder do governo Bolsonaro tentou justificar a sua proximidade com a negociação pelo custo da vacina, 17 dólares por dose, segundo ele baixo por ser de dose única. Mas Barros não explicou os problemas envolvendo a intermediária escolhida para a transação. Pelo contrário, tentou culpar a CPI pela decisão da farmacêutica em retirar a Belcher da transação suspeita.
“A CanSino descredenciou o representante do Brasil e não colocou outro no lugar, portanto mostra que não tem mais interesse em vender para o Brasil”, disse o deputado, irritando os senadores.
Logo depois, a própria farmacêutica chinesa desmentiu Ricardo Barros ao afirmar que continua interessada em vender seu imunizante contra a Covid-19 para o Ministério da Saúde e que segue em busca de um representante “confiável” no Brasil.
Barros nega relação com escândalo Covaxin
Ricardo Barros também foi questionado pelo relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL), sobre sua relação com Francisco Maximiano, dono das empresas Global e Precisa Medicamentos.
A Precisa é a intermediária na compra da vacina Covaxin pelo Ministério da Saúde. Já a Global havia tido problemas no Ministério quando Ricardo Barros era ministro da Saúde (2016 a 2018), por ter dado o calote no governo federal ao receber o pagamento antecipado e jamais ter entregue os remédios para pessoas com doenças raras contratados.
Foi justamente na compra das vacinas da Covaxin, intermediada pela Precisa Medicamentos, que o irmão do deputado Luis Miranda, o servidor Luis Ricardo Miranda, detectou a tentativa de pagamento antecipado no valor de US$ 45 milhões (cerca de R$ 236 milhões) a uma empresa sediada em paraíso fiscal que não constava do contrato. Essa denúncia foi levada por Miranda ao conhecimento Bolsonaro, que teria afirmado ser um “rolo” de Ricardo Barros.
Para completar, o líder do governo também foi autor de uma emenda à MP 1.026/2021 que dava autorização para a importação e distribuição de “quaisquer vacinas” e medicamentos não registrados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), contanto que fosses aprovados por autoridades sanitárias de outros países. A emenda do líder do governo Bolsonaro tratava especificamente da Central Drugs Standard Control Organization (CDSCO), órgão da Índia, o que beneficiaria diretamente a importação da vacina Covaxin.
Questionado por Renan Calheiros, Barros afirmou que sua emenda não tinha nenhuma relação com a Covaxin e alegou que apresentou a emenda porque a Índia é a maior produtora de vacinas do mundo.