O deputado federal Luis Miranda (DEM-DF) e seu irmão, Luis Ricardo Miranda, chefe de importação do Departamento de Logística em Saúde do Ministério da Saúde, confirmaram à CPI da Covid nesta sexta (25) que comunicaram pessoalmente a Jair Bolsonaro as suspeitas de corrupção no processo fraudulento de compra da vacina indiana Covaxin.
De acordo com o relato feito aos senadores, ao tomar conhecimento da pressão que o servidor vinha sofrendo de seus superiores hierárquicos, Bolsonaro teria afirmado aos irmãos que “isso é muito grave” e acionaria o diretor-geral da Polícia Federal para apurar o caso.
O contato teria ocorrido em 20 de março deste ano, quase um mês depois da assinatura do contrato para aquisição de 20 milhões de doses do imunizante, ao custo final de R$ 1,6 bilhão.
Luis Miranda ainda contou aos senadores que Bolsonaro teria sugerido o vínculo de um deputado federal com o escândalo da Covaxin.
Inicialmente, ele disse não se recordar o nome do deputado citado por Bolsonaro na conversa. “‘Isso é coisa de fulano’. Não me recordo o nome”, disse. Após pressão de diversos senadores, Miranda afirmou se tratar do líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR). “Eu sei o que vai acontecer comigo. A senhora também sabe que é o Ricardo Barros que o presidente falou”, em resposta ao questionamento da senadora Simone Tebet (MDB-MS).
O deputado Ricardo Barros, ex-ministro da Saúde, também é autor de uma emenda incluída em uma medida provisória aprovada na Câmara que teria facilitado a importação da Covaxin.
Mais cedo, Luis Miranda afirmou que, ao relatar as irregularidades detectadas nos trâmites processuais para aquisição da vacina Covaxin no Ministério da Saúde, o presidente Bolsonaro teria dito que entendia a gravidade do caso. Ainda de acordo com Miranda, o presidente da República teria se comprometido a pedir ao diretor-geral da Polícia Federal que iniciasse uma investigação.
Apesar da promessa de Bolsonaro, a Polícia Federal informou à CPI na quinta (24) que não encontrou nenhum registro de investigação aberta para apurar a compra das vacinas da Covaxin. Parlamentares apontam que a omissão de Bolsonaro no caso caracteriza crime de prevaricação.
“Num governo que é presidido por alguém que é contra a corrupção, se eu recebesse um deputado federal da minha base e um servidor público com documento dizendo que havia possibilidade de corrupção num processo, eu teria tomado uma medida. Eu teria chamado a Polícia Federal para abrir um inquérito. Ele disse que ia fazer, mas não fez. Ao contrário, ele está punindo quem denunciou. É esse o governo imaculado que temos no nosso país”, disse o senador Humberto Costa (PT-PE).
“Ele [Bolsonaro] foi informado, foi um deputado da sua base, foi um servidor e ele não adotou nenhuma medida. Ele prevaricou. Esse governo, esse presidente nunca interferiram por vacina nenhuma. Ele negou a vacina. Mas ele interferiu pela cloroquina e interferiu especificamente junto ao primeiro-ministro [da Índia] por esta vacina. Portanto, ao ser procurado pelo deputado, ao invés de tomar medidas que impedissem o pagamento dos 45 milhões de dólares, ele não tomou medida nenhuma”, enfatizou o senador Rogério Carvalho (PT-SE).
Pressões dentro do Ministério da Saúde
O servidor do Ministério da Saúde reforçou os erros anteriormente apresentados à imprensa nos documentos analisados pelo Ministério da Saúde e relatou aos senadores ao menos três nomes de superiores hierárquicos que exerceram pressão para que a importação da vacina fosse liberada mesmo com erros no processo.
Alex Lial Marinho, à época coordenador-geral de Aquisições de Insumos Estratégicos para Saúde; Marcelo Bento Pires, diretor de Programa do Ministério da Saúde; e Roberto Ferreira Lima, diretor do Departamento de Logística em Saúde da Secretaria-Executiva do Ministério da Saúde.
Luis Ricardo identificou a colega Regina Célia de Oliveira como a fiscal do contrato responsável por autorizar a importação das vacinas mesmo diante das divergências em relação ao contrato original. O senador Humberto Costa anunciou que protocolou requerimento de convocação da servidora para esclarecer os motivos para liberação do contrato.
Uma das divergências apontadas pelo servidor era a nota fiscal prever um pagamento antecipado de US$ 45 milhões e apenas 300 mil doses de entrega, o que contrariava o documento oficial entregue ao Ministério da Saúde. O servidor também relatou, aos senadores, incômodo com o fato de o pagamento estar previsto para ser realizado à empresa Madison Biotech, que seria ligada ao laboratório indiano Bharat Biotech, e não diretamente ao laboratório e nem à empresa Precisa, sua representante no Brasil.
Atravessadora da Covaxin é o caminho da corrupção
O senador Humberto Costa apontou que os depoimentos dos irmãos Miranda mostraram à CPI a necessidade de aprofundar as investigações sobre a Precisa Medicamentos, empresa responsável por intermediar o contrato entre Bharat Biotech e o Ministério da Saúde.
Para o senador, é preciso investigar quem foi o responsável por fazer a conexão entre a empresa marcada por diversas irregularidades, inclusive, junto ao próprio Ministério, e o laboratório indiano.
“O Ministério da Saúde usou como intermediário para comprar vacina para salvar a vida do povo brasileiro uma empresa que roubou o dinheiro do SUS no Distrito Federal. O problema é essa empresa”, disse o senador Humberto. A Precisa é parte de um processo do Tribunal de Contas do DF (TCDF) que apura problemas na aquisição de 150 mil testes rápidos de Covid pelo governo local.
Além disso, relatou o senador, a Precisa Medicamentos ganhou uma licitação para vender preservativo feminino no valor de R$ 15,7 milhões ao Ministério da Saúde. Em fevereiro, a empresa atualizou o contrato para R$ 31,5 milhões. Nesta semana, após a imprensa divulgar o aditivo contratual, o valor voltou para os R$ 15,7 milhões.
“Foi outro ‘se colar, colou’. Eu vou representar junto ao TCU para avaliar esse contrato dos preservativos. Onde tem essa Precisa [Medicamentos], tem coisa”, disse o senador.
Propina para aquisição de vacinas
A CPI também deve convocar servidor mencionado por Luis Ricardo Miranda que teria relatado cobrança de propina em negociação de compra da vacina Covaxin. O servidor alertou que um colega, de nome Rodrigo, mencionou “um rapaz” que estaria cobrando propina na venda de vacina.
“O ministério estava sem vacina e um colega de trabalho, Rodrigo, servidor, me disse que tinha um rapaz que vendia vacina e que esse rapaz disse que estavam cobrando propina”, disse Luís Ricardo, na mensagem de WhatsApp com o irmão apresentada à CPI.
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