A CPI da Covid ouviu nesta quarta-feira (7) o depoimento do ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Ferreira Dias. Ele foi exonerado logo após se tornar pública a denúncia de que teria pedido propina de um dólar para a compra da vacina AstraZeneca.
Durante seu depoimento, Roberto Ferreira Dias tentou se desvencilhar de todas as acusações que pesaram sobre si durante as últimas semanas e, basicamente, transferiu responsabilidades para o coronel Élcio Franco, considerado braço direito do ex-ministro Eduardo Pazuello.
Segundo Dias, foi Elcio Franco quem coordenou todo o processo de negociação do governo Bolsonaro para aquisição da Covaxin. Dias contou aos parlamentares que Elcio centralizou as negociações de vacinas contra Covid-19 no início deste ano.
Diversos questionamentos direcionados a Roberto que seriam de responsabilidade do Departamento de Logística foram atribuídos pelo depoente como responsabilidades do ex-secretário-executivo. O fato, aliás, chamou a atenção do relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL), para a necessidade de uma acareação entre ambos.
Roberto Dias não soube explicar, nem mesmo, quem foi o responsável por apresentar a Precisa Medicamentos para a Bharat Biotech, farmacêutica indiana responsável pela Covaxin. Precisa é a empresa responsável pela intermediação do negócio entre a farmacêutica e o governo brasileiro e, considerada pela CPI, o foco da tentativa de corrupção no contrato de R$ 1,6 bilhão na compra das vacinas indianas.
“Quem indicou a Precisa para ser a intermediária da Bharat Biotech no Brasil”, questionou o senador Humberto Costa (PT-PE).
“O senhor precisa perguntar para a secretaria-executiva, que é quem trata desse assunto”, respondeu Roberto Ferreira Dias.
“O secretário-executivo sai muito complicado dessa reunião. Muito complicado. Ele é responsável por tudo isso. O depoente dá uma demonstração de que não cumpriu o seu papel, a sua responsabilidade. Ele deveria ter alertado que isso aqui [a Precisa Medicamentos] era uma laranja da Global, empresa que já roubou o Ministério da Saúde. Deveria ter dito isso. Tratava-se de uma dispensa de licitação. Qualquer outra empresa poderia ter sido a intermediária desse processo. E não é, porque a Precisa é a queridinha do governo Bolsonaro”, enfatizou o senador Humberto Costa.
O senador Rogério Carvalho (PT-SE) apresentou provas de que o depoente mentiu à CPI. De acordo com Rogério, Roberto Ferreira Dias se envolveu diretamente no processo de importação da Covaxin.
“O senhor quando diz que não negociou vacinas. No dia 23 de março de 2021, o senhor enviou um e-mail para o presidente da Anvisa solicitando a autorização para importação em caráter excepcional de 20 milhões de doses da Covaxin. O senhor diz que age de forma correta. Então, por que autorizou o andamento de invoices [termo em inglês equivalente a uma nota fiscal] da Covaxin com indícios de fraude?”, questionou o senador.
Governo não fez levantamento de preços de vacinas
Durante o depoimento, Roberto Ferreira Dias afirmou que não caberia ao departamento do qual era responsável fazer levantamento de preços sobre vacinas contra Covid-19. O governo Bolsonaro fechou contrato por 15 dólares a unidade, valor 50% maior do que a proposta inicial da farmacêutica indiana. De acordo com o depoente, caberia a Elcio Franco a verificação dos valores.
A informação de Roberto, segundo Renan Calheiros, mostra claramente que o Ministério Saúde mentiu à Controladoria-Geral da União (CGU) e ao Tribunal de Contas da União (TCU).
A informação foi repassada aos órgãos de controle pela diretoria de imunizações e doenças transmissíveis do Ministério da Saúde. “A informação do departamento de imunização é mentirosa, porque foi feita alusão ao TCU e à CGU que o seu departamento fez o levantamento de preço”, criticou o senador Renan Calheiros.
O Tribunal de Contas da União (TCU) cobrou na última segunda-feira (5) do Ministério da Saúde uma série de explicações sobre a compra da Covaxin, entre elas o motivo do aumento no preço e a ausência de tentativas de negociação.
“A cada dia que passa nós estamos destampando uma verdadeira latrina de fatos. Esse governo é uma excrescência. É um governo sem comando, sem competência administrativa, sem sentimento pelo seu povo. Lamento que ainda tenha gente que defenda uma situação como essa. 527 mil mortos e ainda tem quem defenda o que fizeram à frente do Ministério da Saúde”, criticou o senador Humberto Costa.
Tratativas com a Davati
Roberto Ferreira Dias também apresentou sua versão acerca da denúncia do pedido de propina de um dólar por dose feito pelo policial militar Dominguetti na semana passada.
Dominguetti relatou à CPI que Roberto Ferreira Dias pediu a propina durante um encontro em um restaurante em Brasília. Dias, hoje, contou aos senadores que estava no restaurante com um amigo quando Dominguetti apareceu, levado pelo coronel Blanco, assessor de Logística do Ministério da Saúde.
Dias disse que o encontro foi “incidental”. “Nunca houve nenhum pedido meu a esse senhor, além de documentos que nunca foram apresentados”, disse.
Roberto relatou à CPI que pediu para que Dominguetti enviasse ao Ministério da Saúde documentos provando que tinha oferta de vacina.
Os senadores estranharam o fato de Roberto ter dito que não era o responsável pela negociação de vacinas no âmbito do ministério, mas, ainda assim, marcar uma reunião com Dominguetti para tratar das 400 milhões de doses da AstraZeneca. Ele afirmou que não fez nenhuma negociação, apenas estava verificando se os ditos representantes da Davati teriam as vacinas.
Roberto também relatou à CPI que ficou sabendo de uma eventual oferta de 400 milhões de doses da AstraZeneca inicialmente por meio do coronel Marcelo Blanco.
Apadrinhado por Ricardo Barros
Outro fato que causou estranhamento à CPI foi o fato de Roberto Ferreira Dias ter se mantido no cargo mesmo com sucessivas mudanças de ministros da Saúde durante a pandemia. Ele chegou durante a gestão de Luiz Henrique Mandetta, teve sua demissão solicitada por Pazuello, mesmo assim, permaneceu no cargo, e só foi exonerado após a denúncia de propina no caso Davati.
Roberto é apontado como indicação do apontado como indicação política do deputado Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo Bolsonaro na Câmara. O depoente negou o fato e disse que sua indicação se deu pelo ex-deputado Abelardo Lupion.
Para o senador Rogério Carvalho, ficou evidente a ingerência política no caso. “Por que ele se manteve no cargo? Mesmo o ministro Pazuello pedindo a demissão dele? Foi por pressão política. Ele já respondeu que não, mas quem nomeou ele e quem indicou ele foi Ricardo Barros. A gente está diante de mais uma pessoa que vem aqui para tentar confundir e confundir a opinião pública”, destacou o senador.
Requerimentos aprovados
A CPI aprovou, antes do depoimento, três requerimentos de convocação. Dentre eles, do reverendo Amilton Gomes de Paula, apontado pelo diretor do departamento de Imunização do Ministério da Saúde, Lauricio Monteiro Cruz, como quem abriu as portas da pasta para a empresa Davati Medical Supply e Dominghetti.
Também estão convocados Andreia Lima, CEO da VTC Operadora Logística e William Amorim Santana, servidor da divisão de importação do Ministério da Saúde.