Retrospectiva

CPMI do INSS: O desmonte da fraude e as conexões políticas com o bolsonarismo

Senadores petistas tiveram participação fundamental para demonstrar a estrutura do esquema criminoso

Alessandro Dantas

CPMI do INSS: O desmonte da fraude e as conexões políticas com o bolsonarismo

Trabalho dos senadores petistas ajudou a comprovar esquema criminoso no INSS

A CPMI do INSS, instaurada em agosto para investigar um esquema bilionário de descontos indevidos em benefícios de aposentados e pensionistas, encerrou os trabalhos de 2025 com revelações que apontam para o coração do governo Bolsonaro. Uma medida provisória foi editada, abrindo a possibilidade da assinatura de acordos de cooperação técnica com entidades que funcionavam apenas para lesar milhões de beneficiários do INSS, sem contrapartida em serviços.

Ao longo dos meses de depoimentos e quebras de sigilo, a comissão não apenas identificou os operadores do esquema, mas também como a estrutura do Estado foi utilizada para facilitar desvios.

A Origem

Um dos marcos da CPMI foi o depoimento de personagens centrais que ficaram conhecidos pelo envolvimento direto na operacionalização dos descontos. A figura chave é Antônio Carlos Camilo, conhecido como o ‘Careca do INSS’. Seu depoimento foi decisivo para estabelecer a linha do tempo: as fraudes, que eram pontuais, ganharam escala e método durante a gestão de Jair Bolsonaro. Segundo as investigações e depoimentos, o esquema de associações de fachada, que realizavam descontos sem autorização, floresceu a partir de brechas e facilidades criadas no período entre 2019 e 2022.

Fábrica de associados

A comissão escancarou que entidades supostamente representativas de aposentados funcionavam, na verdade, como ferramentas de captação ilícita de recursos. Depoimentos revelaram conexões estreitas entre essas associações e integrantes do alto escalão do governo anterior, abrigados no INSS, na Secretaria (depois Ministério) da Previdência e até nos poderosos Ministérios da Economia e da Fazenda, comandados respectivamente por Paulo Guedes e Sérgio Moro. Embora tenha havido alertas de órgãos como o Procon e a Controladoria Geral da União, nenhuma medida de apuração foi tomada.

Entidades sem histórico de prestação de serviços ganharam o direito de realizar descontos em folha. Sem sede física compatível com o número de associadas, muitas vezes era eram geridas por laranjas ligados a empresários do setor financeiro. Algumas associações específicas, que mantinham apenas estruturas de “papel”, registraram aumentos de receita superiores a 1.000% após a assinatura de convênios durante a gestão 2019-2022.

Acesso a Dados

As investigações da CGU e da Polícia Federal na Operação Sem Desconto demonstraram que o vazamento de dados de beneficiários permitia que as associações filiassem milhares de pessoas sem consentimento. Além disso, expuseram manobras financeiras e contábeis para ocultar recursos ilícitos por meio de empresas de fachadas e revelaram um grupo de empresários que levavam uma vida nababesca, ostentando itens de luxos, como joias, coleções de carros e vinhos extremamente caros.

Os trabalhos da CPMI deixaram claro que o esquema não era apenas externo, mas dependia de falhas ou facilidades no fluxo de dados do INSS. As entidades de fachada tinham acesso a dados sensíveis de novos aposentados quase em tempo real, permitindo que os descontos fossem aplicados antes mesmo de a vítima receber o primeiro benefício. As filiações eram feitas em massa, utilizando bases de dados obtidas de forma obscura, sem que houvesse qualquer assinatura ou autorização real do segurado.

A CPMI revelou que o INSS dificultava o cancelamento desses descontos pelo aplicativo ou por telefone, obrigando o idoso a processos burocráticos enquanto o dinheiro continuava a ser desviado.

Documentos e mensagens analisados pela CPMI apontaram para reuniões frequentes entre diretores dessas entidades e gestores do INSS na época, evidenciando uma porta aberta para interesses privados dentro da autarquia.

Atuação da bancada petista

Senadores e deputados petistas trabalharam para esclarecer os fatos, completando as investigações determinadas pelo governo Lula, que aliás, realiza amplo processo de ressarcimento dos aposentados e pensionistas lesados pelo esquema. Já foram devolvidos mais de R$ 2,7 bilhões para cerca de 4 milhões de beneficiários.

 O líder do Governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (PT-AP) apresentou documentos e provas técnicas que mostrando que as autorizações fundamentais para o funcionamento do esquema foram assinadas em anos anteriores.

“A base bolsonarista mente para tentar esconder que o corroeu o INSS foi plantado por eles mesmos”, destacou o senador durante as sessões de acareação. O senador os atos administrativos assinados durante a gestão anterior que permitiram a entrada das associações suspeitas no sistema de pagamentos. Ele provou que os contratos em vigor e o modus operandi foram estabelecidos anos antes, entre 2019 e 2022, restando à gestão atual o trabalho de auditoria e cancelamento dos convênios fraudulentos.

O senador Fabiano Contarato (PT-ES) apresentou evidências documentais da omissão do governo Bolsonaro. Ele listou diversos alertas que teriam sido ignorados pelas instituições federais entre 2018 e 2019. Entre as comunicações citadas estão um ofício de 2018 da Procuradoria da República a José Carlos Oliveira (ex-ministro da Previdência); denúncias de servidores do INSS e peritos médicos feitas ao então presidente eleito Jair Bolsonaro, em dezembro de 2018; pedidos de informação da Câmara ao ex-Ministro da Economia, Paulo Guedes, e ao atual senador Rogério Marinho (ex-Secretário da Previdência), sobre a inação em relação a descontos não autorizados; e um ofício de 2019 do Procon-SP ao Ministério da Justiça, que registrava mais de 16 mil queixas sobre descontos abusivos.

Estimativa de Valores e Danos ao Erário

A CPMI trabalhou com números que dão a dimensão do prejuízo causado aos segurados e aos cofres públicos.  Estima-se que as associações de fachada tenham movimentado mais de R$ 2 bilhões em descontos indevidos nos últimos anos, lesando mais de 5 milhões de pessoas.

A comissão dividiu os alvos de indiciamento em três núcleos principais, conforme revelado nos debates e documentos analisados. Os alvos das investigações podem ser divididos em três grupos: o político e administrativo, os operadores das entidades e o núcleo financeiro.  O primeiro é encabeçado por José Carlos Oliveira, que foi superintendente do INSS e ministro da Previdência. Ele assinou e facilitou os atos que permitiram a entrada das associações no sistema sem a devida fiscalização.

O próprio Jair Bolsonaro assinou medidas provisórias que facilitaram a farra. A MP 871/2019 impediu a revalidação anual obrigatória das entidades, o que teria estancado os desvios. E a MP 1006/2020 ampliou a margem dos empréstimos consignados, outra fonte de descontos fraudulentos.

Entre os operadores do esquema estão presidentes e prepostos de entidades que apresentavam crescimentos anômalos no número de filiados.

Por fim, um grupo de empresários donos de empresas de tecnologia, consultoria e escritórios de advocacia que lavavam o dinheiro dos descontos indevidos para devolver parte do montante aos articuladores políticos.

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