O plenário do Senado aprovou, na madrugada desta quinta-feira (11), em votação simbólica, projeto que cria o Sistema de Prevenção e Combate à Tortura (PLC 11/2013). A proposta foi apresentada em 2001 pelos deputados Nilmário Miranda e Nelson Pelegrino, ambos do PT e propõe o fortalecimento, a prevenção e o combate à tortura, mediante a integração de órgãos e entidades públicas e privadas, por meio do monitoramento, da supervisão e do controle de estabelecimentos e unidades onde se encontram pessoas privadas da liberdade. Objetiva, também, prestar a essas pessoas assistência na defesa de seus direitos e interesses. A proposta já passou pela Câmara e segue agora sanção da presidenta Dilma Rousseff.
O plenário do Senado Federal já tinha tentado aprovar a matéria na última sexta-feira (05), mas a iniciativa foi barrada pelo tucano Aloysio Nunes Ferreira (SP), que exigiu que ele passasse por análise em Comissão.
Na terça-feira (9), a matéria foi aprovada sem qualquer problema pela Comissão de Direitos Humanos (CDH). O relator, João Capiberibe (PSB-AP) defendeu a aprovação do texto exatamente como ele veio da Câmara. Em seguida, foi votado e aprovado um requerimento para levar o projeto diretamente à apreciação do Senado.
A negociação pela agilização da votação foi capitaneada pela presidenta da CDH, senadora Ana Rita (PT-ES), que apressou a inclusão na pauta da Comissão e garantiu a votação do relatório.
Especialistas na área de direitos humanos avaliam que o Brasil está atrasado em mais de quatro anos na implantação de sistema de monitoramento dos centros de detenção como forma de combater a tortura. O alerta foi feito em uma audiência pública realizada pela CDH ainda no ano passado. Isso porque o Brasil assumiu, perante a comunidade internacional, o compromisso de criar o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura. 62 países, 14 dos quais na América Latina, já ratificaram o protocolo facultativo da Convenção da Organização das Nações Unidas (ONU) contra a Tortura. O documento instituiu o mecanismo de controle dessa prática.
O sistema
O sistema de prevenção e combate à tortura deve englobar dois órgãos: o Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura e o Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, composto por representantes do Governo Federal, de conselhos de classe profissionais e de organizações da sociedade civil. Algumas das atribuições do comitê serão propor aperfeiçoamentos aos programas relacionados ao tema, recomendar a elaboração de estudos e pesquisas, apoiar a criação de comitês ou comissões semelhantes na esfera estadual, subsidiar o mecanismo com dados e informações e manter cadastro de alegações, denúncias criminais e decisões judiciais.
Já o mecanismo de prevenção será integrado por peritos escolhidos pelo comitê entre especialistas e pessoas com experiência na área. Com independência de atuação, suas atribuições serão realizar visitas regulares às pessoas privadas de liberdade, em todo o território nacional, a fim de verificar as condições em que se encontram. Os peritos poderão fazer recomendações às autoridades responsáveis pela custódia e também, caso constatarem indícios de tortura e outros tratamentos cruéis, requerer instauração de inquérito administrativo ou criminal.
O projeto garante aos peritos, liberdade de escolha dos locais a serem visitados e das pessoas a serem entrevistadas. Ainda segundo o texto aprovado pelo plenário da Câmara, os estados também poderão criar mecanismos estaduais de prevenção, para realizar as visitas conjuntamente com o mecanismo nacional.
Giselle Chassot
Veja a história do projeto:
• No âmbito das Nações Unidas, a proibição de submeter pessoas a torturas, tratamentos ou castigos cruéis, desumanos ou degradantes foi feita no artigo 5° da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, e na Convenção Contra Tortura, em 1984.
•A criação desses instrumentos internacionais e o fortalecimento de órgãos de monitoramento internacionais foram, particularmente, importantes para o combate à tortura no contexto das ditaduras militares na América Latina.
•Apesar da mudança no contexto internacional no final da década de 1980 e início da década de 1990, as práticas de tortura e maus tratos persistem, principalmente, em locais de privação de liberdade, em descumprimento aos documentos internacionais, já citados e às Regras Mínimas de Tratamento aos Presos, estabelecidas em 1955 na Assembleia Geral das Nações Unidas.
•Na Segunda Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, em 1993, em Viena, a comunidade internacional se comprometeu a realizar todos os esforços para prevenir e combater a tortura e os maus tratos, incluindo a criação de um protocolo adicional à Convenção Contra Tortura com objetivo de criar um sistema não-judicial de visitas regulares aos locais de detenção.
•O Estado brasileiro assinou e ratificou a Convenção Contra Tortura em 1985 e 1989, respectivamente. Além de indicar a responsabilidade internacional do Estado em relação à tortura, a Convenção estabeleceu o Comitê Contra a Tortura, o qual acompanha a implementação do instrumento e também recebe denúncias de indivíduos contra Estados por supostas violações ao tratado.
•Em 2002, a Assembleia Geral aprovou o Protocolo Adicional, que sugere a criação de mecanismos nacionais para a prevenção de tortura por meio de inspeções regulares com metodologia adequada e sem aviso prévio aos locais de privação de liberdade. Ademais, estabelece o Subcomitê de Prevenção da Tortura (SPT), que realiza inspeções em locais de privação de liberdade nos Estados signatários do Protocolo Adicional desde 2007.
•Em relação ao Protocolo Adicional à Convenção Contra Tortura, o Brasil assinou e ratificou o referido tratado em 2003 e em 2006, respectivamente. Para incorporar o Protocolo Adicional, o Governo Federal encaminhou o Projeto de Lei n°. 2.442, em 2011, que tramitou em regime de prioridade na Câmara Federal, sendo aprovado, em 2/4/2013, por unanimidade e remetido para o Senado Federal – PLC n.º 11/2013.
•O Brasil recebeu a visita do Subcomitê de Prevenção da Tortura, em 2011. Em seu relatório final, o SPT apresentou seus comentários e recomendações em relação ao PL para a criação do mecanismo nacional, reforçando que o mecanismo brasileiro deveria ser criado de acordo com Protocolo Adicional e com os Princípios de Paris.
•Os países que compõem o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas apresentaram 170 recomendações após análise de relatório do Estado brasileiro ao Mecanismo de Revisão Periódica Universal. Entre elas, cinco sugerem que o mecanismo preventivo nacional deve ser implementado seguindo o Protocolo Adicional, conforme havia sido indicado pelo próprio SPT.
•Atualmente, o Brasil tem 514.582 adultos presos em 1.312 estabelecimentos penais (DEPEN, 2011), 3.921 adultos internados em hospitais psiquiátricos, os quais a rede pública disponibiliza 35.426 leitos (MS, 2010) e 17.703 adolescentes internados em 435 instituições socioeducativas (SDH/PR, 2010).
•A realização de inspeções periódicas em locais de privação de liberdade, sem aviso prévio e seguindo uma metodologia adequada, é um dos melhores mecanismos para prevenção e combate à tortura. Certamente, as inspeções devem ser alinhadas a ações de conscientização sobre o crime de tortura e de capacitação de agentes públicos para o combate à tortura, que têm sido desenvolvidas pela Secretaria de Direitos Humanos em cooperação com outros órgãos federais e estaduais.
•A Associação de Prevenção da Tortura indica que, em alguns casos, as visitas dão mais legitimidade às autoridades locais e conferem mais confiança à administração dos locais de privação de liberdade. É necessário esclarecer que a tendência das visitas é estreitar os laços e reforçar o diálogo entre os atores do sistema prisional, excluindo-se, assim, qualquer suspeita de violações ou desconfiança em relação aos gestores.
•Especificamente no Brasil, conforme verificado por especialistas internacionais e representantes da sociedade civil, observa-se que o crime de tortura é um crime de oportunidade, ou seja, “as oportunidades desempenham um papel importante para que a tortura ocorra.Há, ao menos, quatro casos emblemáticos que envolvem tortura e maus tratos em locais de privação no Brasil que tramitam em órgãos internacionais, os quais, com a aprovação e implementação do PLC n°. 11/2013, a defesa do Estado brasileiro nesses casos seria beneficiada.
•Em maio de 2013, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República realizou o I Encontro Nacional de Comitês e Mecanismos Estaduais de Prevenção e Combate à Tortura com participação de 20 estados. Como resultado do evento, os participantes produziram diretrizes, ainda não publicadas, que apresentam dentre as prioridades a criação do Mecanismo Nacional.
•É importante mencionar, por fim, que, dentre os principais pontos inovadores, o projeto de lei institui o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, que vai articular a rede já existente com o Mecanismo Nacional. Especificamente sobre o Mecanismo Nacional, destacam-se a sua possibilidade de inspecionar locais de privação de liberdade sem aviso prévio e sua independência institucional e financeira.
•No Brasil, já foram criados 4 Mecanismos Estaduais no Rio de Janeiro, Alagoas, Paraíba e Pernambuco. Além destes, Maranhão, Roraima, Minas Gerais e Rio Grande do Sul estão elaborando os instrumentos normativos para criação dos seus respectivos mecanismos.
Com informações da Coordenadoria Geral de Combate à Tortura
Leia mais:
CDH aprova criação do Sistema de Combate à Tortura