Legado do PT

Criado pelo PT, Samu revolucionou atendimento de urgência no país

Serviço popularizou primeiros socorros, mas está comprometido, hoje, pela defasagem nos repasses
Criado pelo PT, Samu revolucionou atendimento de urgência no país

Foto: Reprodução

Até 2003, na maior cidade no Brasil, demorava-se 40 minutos, em média, para resgatar uma pessoa acidentada, por exemplo, e levá-la ao hospital. A partir de abril de 2004, esse prazo baixou para 10 minutos. A mudança atende pelo nome de Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), mas significa muito mais que uma ambulância e está longe de apenas reduzir o tempo de resgate de um paciente.

O serviço oferecido pelo n° 192 parece simples porque é eficiente. Mas por trás dessas verdadeiras UTIs móveis há um sistema complexo. Primeiro, um técnico atende à ligação de emergência e preenche a ficha do paciente; em seguida, um médico faz a triagem por telefone para saber o tipo de demanda hospitalar; a partir daí, envia ao local a viatura correta para atendimento – são três tipos de veículo disponíveis. Enquanto isso, o profissional continua a orientar o paciente ou seu acompanhante enquanto a ambulância não chega. A engenharia garante o melhor encaminhamento de cada caso, inclusive ao hospital de referência.

Criado no primeiro mandato do ex-presidente Lula, o Samu está presente em 3.848 municípios, cobrindo quase 86% da população, ou 179 milhões de brasileiros. O serviço se popularizou de tal forma que hoje em dia as pessoas se referem a ele mais ou menos como se fala do celular: “como a gente vivia antes dele?”

Bem, antes do Samu já havia serviços de transporte em ambulâncias em algumas capitais e cidades maiores. Os serviços, então terceirizados, na maioria dos casos, não contavam com uma central multidisciplinar que gerenciasse cada demanda. O resultado, muitas vezes, era uma mesma unidade de emergência lotada e desorganizada. Foi quando o governo Lula, inspirado no modelo francês de atendimento de urgência, criado na década de 1960, instituiu o Samu, que com o tempo passou a contar até com helicópteros, “motolancias” e “ambulanchas”.

Foto: Alessandro Dantas

Ministro da Saúde na época, o hoje senador Humberto Costa (PT-PE) recorda que a criação do Samu foi uma prioridade dada a ele pelo então presidente Lula.

“Hoje, muita gente pensa que o Samu sempre existiu, de tão presente que ele é nos nossos dias. Às vezes, nem lembra que ele surgiu nos primeiros anos das nossas gestões. Ao longo de quase duas décadas, esse foi um serviço que salvou a vida de milhões brasileiros. Em uma pesquisa realizada pela UFMG, foi apontado como o programa público mais bem avaliado pela população. O Samu 192, assim como o SUS que o abriga, é um orgulho do Brasil”, comemora.

Realidade, hoje
Mas o tempo passou. E os investimentos caíram após 2016. Sistema tripartite, o Samu deveria ser financiado com recursos da União (50%), dos estados e do Distrito Federal (25%) e dos municípios (25%). Mas os repasses federais estão cada vez mais defasados. O último reajuste para o custeio do Samu aconteceu ainda no governo Dilma Rousseff, em 2013.

De lá para cá, quem mais segura as pontas da manutenção da estrutura são os municípios. Se considerar a inflação do período, a defasagem para o custeio do serviço passa de R$ 646 milhões, atualmente, segundo o Consórcio Intermunicipal da Rede de Urgência. Números completamente diferentes do período de 2003 a 2011, quando a tabela de serviços foi reajustada 15% acima da inflação. Para 2022, o orçamento aprovado para o Samu foi de R$ 1,22 bilhão, o que representa insuficientes R$ 0,56 mensais por pessoa coberta pelo serviço.

Também conta, e muito, contra o Samu a Emenda Constitucional (EC 95/2016) do Teto de Gastos. Nos últimos seis anos, ela funciona como um sinal vermelho atrapalhando o tráfego das ambulâncias. Também paralisou todo o financiamento da Saúde, ao congelar os recursos do orçamento por 20 anos. De acordo com o Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS), o teto de gastos fez o Brasil perder R$ 36.9 bilhões em recursos para a Saúde entre 2018 e 2022. Estima-se que em 20 anos o prejuízo a quem depende do SUS ultrapasse os R$ 651 bilhões.

Nos últimos anos, foram várias reuniões com diferentes ministros da Saúde de Bolsonaro para cobrar ao menos os repasses para a manutenção do Samu pelos municípios, que hoje chegam a arcar com 66% do custeio do serviço. É como se o próprio Samu ligasse para o 192 em busca de socorro. Mas, como afirmou o presidente da Rede Nacional de Consórcios Públicos, Victor Borges, em recente reunião da Comissão Mista de Orçamento do Congresso, até o momento não houve resposta positiva.

Tudo indica que ela não virá, a julgar pelo comportamento do Planalto durante a fase mais aguda da pandemia, quando o Samu foi o único componente do setor de assistência à saúde que não recebeu recursos emergenciais, mesmo tendo sido um dos mais demandados no período. Tampouco o Ministério da Saúde convocou estados e municípios, nos últimos anos, para pactuar funcionamento e custeio do sistema.

Sem poder contar com a sensibilidade governamental, os “samuzeiros”, como se autodenominam os profissionais do setor, tentam manter o atendimento, mesmo precarizado. No Distrito Federal, por exemplo, comandado por aliado bolsonarista, governo local e Ministério da Saúde passaram quase quatro anos sem acordo para corrigir problemas no serviço, apontados pela Controladoria-Geral da União (CGU). E o Samu se arrasta todo esse tempo sem repasses federais. Nessa semana, o Ministério Público Federal (MPU) entrou na justiça exigindo a regularização do serviço. Longe da burocracia e da falta de vontade política, muitos moradores da capital federal têm feito do próprio carro a ambulância na hora do aperto.

Humberto Costa confirma esse drama: “infelizmente, o Samu vem passando por cortes severos e um sucateamento sem precedentes, como, de resto, todo o Sistema Único de Saúde. Restaurar o Samu e devolvê-lo a um patamar de atendimento de excelência faz parte do nosso compromisso com o bem-estar e a vida do povo do nosso país”.

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