Miséria, fome, indignidade. A situação nas aldeias em Roraima foi testemunhada neste sábado (21) pelo presidente Lula, que visitou a Casa de Saúde Indígena (Casai) Yanomami ao lado de oito ministros, numa demonstração da importância dada ao caso pelo novo governo: Sônia Guajajara (Povos Indígenas), Wellington Dias (Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome), Nísia Trindade (Saúde), Flávio Dino (Justiça), José Múcio (Defesa), Silvio Almeida (Direitos Humanos), Márcio Macedo (Secretaria-Geral da Presidência) e general Gonçalves Dias (Gabinete de Segurança Institucional), além do comandante da Aeronáutica, Marcelo Kanitz Damasceno.
São crianças e idosos esqueléticos, em quadro grave de desnutrição e doenças. O Ministério da Saúde decretou emergência de saúde pública nas terras Yanomami. “Definimos que essa situação é emergência sanitária de importância nacional semelhante a uma epidemia. Isso significa que, com isso, teremos mais condições de agir rapidamente frente à situação”, afirmou Nísia Trindade.
Numa rede social, Lula relatou nesse domingo o quadro que encontrou: “Mais que uma crise humanitária, o que vi em Roraima foi um genocídio. Um crime premeditado contra os Yanomami, cometido por um governo insensível ao sofrimento do povo brasileiro”. O presidente se disse chocado com a desumanidade.
“Adultos com peso de crianças, crianças morrendo por desnutrição, malária, diarréia e outras doenças. Os poucos dados disponíveis apontam que ao menos 570 crianças menores de 5 anos perderam a vida no território Yanomami nos últimos 4 anos, com doenças que poderiam ser evitadas”, informou Lula, lembrando que a principal causa desse genocídio é a invasão de garimpeiros ilegais, “cuja presença foi incentivada pelo ex-presidente”.
Representação
A culpa pelo genocídio indígena deverá ser apurada. Uma representação criminal foi apresentada por deputados do PT ao Ministério Público Federal (MPU). A petição busca apurar os responsáveis pela desassistência sanitária e desnutrição severa da população yanomami. O senador Paulo Rocha (PT-PA), que se despede neste mês da Liderança do PT, afirmou que a situação dos indígenas brasileiros é estarrecedora e o desprezo de Bolsonaro, “criminoso”.
“É desolador o que foi visto na Terra Yanomami, em Roraima, onde centenas de indígenas, boa parte composta por crianças, morreram nos últimos anos em razão da falta de assistência, por doenças, por desnutrição e pelo avanço do garimpo ilegal. Bolsonaro, Marcelo Queiroga (Saúde), Damares Alves (Direitos Humanos), Marcelo Xavier (Funai): como vocês são maléficos. O governo Bolsonaro usou métodos nazistas com os yanomamis”, desabafou o senador diante da crueldade das imagens que mostram crianças em pele e osso.
O senador Fabiano Contarato (ES), escolhido novo líder do PT, também se manifestou. “Nosso mandato está ao lado do governo Lula no socorro imediato do Estado brasileiro ao povo Yanomami, resgatado de cenário de genocídio promovido por Bolsonaro. Ministra Sônia Guajajara e presidente da Funai, Joênia Wapichana, contem conosco integralmente em todas as frentes!”
Fim do garimpo ilegal
É ponto pacífico que a fome e as doenças vieram junto com os garimpeiros. Ao invadirem as Terras Indígenas (TI) Yanomami, eles trouxeram não apenas doenças fatais para os povos originários, mas envenenaram os rios com mercúrio, adoecendo indígenas e matando os peixes, fonte de alimento nas aldeias.
“Uma das lideranças com quem conversei resumiu a tragédia: ‘O peixe come o mercúrio, a gente come o peixe, a gente morre’. Por isso, repito o que disse durante a campanha, e digo novamente agora ainda com mais convicção: não haverá garimpo ilegal em terra indígena”, indignou-se o presidente Lula.
A presença invasora também afugentou outros animais e enfraqueceu a caça. E, como tudo o que é ruim pode piorar, os garimpeiros poluíram também o cotidiano indígena, seja pelo vício em álcool, seja pela prostituição.
O fim do garimpo ilegal na região é inegociável, garantiu Lula. “Não posso dizer as medidas, mas não vai mais existir garimpo ilegal. Sei da dificuldade de tirar garimpo ilegal. Se tentou outras vezes, eles voltam, mas nós vamos tirar”.
A lógica de atendimento aos povos indígenas também vai mudar. Depois de ouvir relatos sobre a dificuldade dessa população para ir e voltar da capital do Estado atrás de consulta, o presidente anunciou: “Vamos aumentar o número de voos e melhorar pistas de pouso nas comunidades, para que aviões de grande porte consigam pousar. E quero mudar a lógica atual: em vez de as pessoas saírem de suas comunidades para buscar tratamento em Boa Vista, vamos levar equipes médicas permanentes”.
Sem anistia para genocida
As redes sociais foram inundadas por cobrança quanto à apuração e punição dos responsáveis pelo genocídio indígena. A ex-ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, foi uma das mais citadas. Ao ser questionada sobre as centenas de crianças yanomami dizimadas pela fome, chegou a dizer que não havia recebido denúncias, e se esquivou, alegando que essa política não estava na alçada de sua pasta.
Matéria do Intercept Brasil publicada no dia 17 de janeiro mostra que é mentira de Damares. A publicação revela que foram ao menos 21 ofícios enviados a órgãos como Funai, Exército, Polícia Federal e MPF com pedidos de reforço na segurança da população yanomami e de ajuda material aos indígenas.
Para deixar ainda mais patética a postura da ex-ministra, bem antes disso, em julho de 2019, o jornal Le Monde publicava denúncia de que os yanomami estavam ameaçados por doenças e outros problemas levados por garimpeiros invasores. A reportagem informava que epidemias mortais e vícios tinham sido introduzidos no universo das aldeias por ao menos 20 mil garimpeiros, nas contas do cacique Davi Kopenawa.
“Eles vêm de avião, de barco e mesmo a pé. Nos ameaçam com armas, poluem nossos rios com mercúrio, trazem malária e pneumonia”, afirmou ao veículo, na época, o cacique yanomami, que acrescentou outra denúncia: o governo brasileiro não protege os indígenas e, ao contrário, quer autorizar a mineração em seus territórios.
Na representação ao MPF, o PT reescreve a denúncia feita há mais de 3 anos pelo cacique Kopenawa e derruba as mentiras contadas por Damares, outros ex-ministros e o ex-chefe deles, Bolsonaro.
“Os povos indígenas Yanomami foram vítimas de ações e omissões criminosas, numa política de Estado orquestrada e conduzida para levar à dizimação daquela comunidade em especial e de outros povos indígenas na região, visando abrir caminho para a exploração garimpeira, madeireira e outras ocupações econômica deletérias das referidas terras. Os responsáveis por esse genocídio não podem ficar impunes”, sintetiza a petição.