A violência contra a população negra, os perigos contidos no “pacote anticrime” de Sérgio Moro e os obstáculos decorrentes do racismo no mercado de trabalho e nas relações sociais foram os principais temas em debate em uma sessão solene do senado, na última sexta-feira (22) para lembrar o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro—data da morte do líder do Quilombo dos Palmares, em 1695.
A sessão solene foi presidida pelo senador Paulo Paim (PT-RS), um dos propositores do debate.
Fatos x mitos
O Dia Nacional da Consciência Negra “é fundamentalmente voltado para os não-negros, entre os quais prevalece um déficit de consciência” sobre o processo de escravização dos africanos no Brasil e as consequências que se arrastam por nosso História, 131 anos após a Abolição da Escravatura, registrou a subprocuradora-geral do Trabalho, Edelamare Barbosa Melo.
Para além do mito da “democracia racial”, lembra a subprocuradora do Trabalho, “os fatos desmentem o imaginário de alguns”. O preconceito, o racismo, a intolerância e a discriminação persistem como uma marca da sociedade brasileira e se expressam de maneira evidente em todas as relações.
Praticante do Candomblé, filha de Oiá (deusa da tempestade e das batalhas) e de Xangô (deus da Justiça), Edelamare lembrou ainda a intolerância religiosa contra as religiões de matriz africana como expressão desse racismo e como instrumento de discriminação.
Espaços de resistência
O ódio a essas religiões ancestrais nada mais é do que o ódio a espaços de resistência a um processo histórico que se estende há pelo menos 519 anos e que não pode ser descrito em tons amenos, defende o professor de Filosofia e Bioética da Universidade de Brasília, Wanderson Flor Nascimento.
Os terreiros das religiões africanas, explica o professor, são muito mais do que espaços apenas religiosos, “são espaços de resistência ao processo que trouxe para o Brasil milhões de pessoas, sequestradas e submetidas ao trabalho forçado para construir esse País”.
Nesse trabalho desumanizante, essas pessoas foram forçadas, também, a abandonar sua identidade — idioma, relação com o território, modos de organização, saberes, valores e crenças. “É nos terreiros que podemos relembrar o que fomos no passado, antes de chegar aqui”.
Nascimento destacou a importância das alianças construídas pelos africanos escravizados e os povos indígenas, com quem aprenderam a se relacionar com o território.
Exemplo e ameaças
Por mais de um século, ainda no Brasil Colônia, o Quilombo dos Palmares resistiu à escravização dos africanos no Brasil. A luta de seu último líder, Zumbi, permanece como exemplo para o enfrentamento à violência e à censura contra o povo negro ao negro, acredita o diretor-executivo da ONG Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes (Educafro), frei David dos Santos.
Para ele, a ameaça mais recente vem das propostas de mudança da legislação que, a pretexto de facilitar o combate ao crime, reforçam uma realidade já alarmante, como o alto índice de mortes de jovens negros. Ele defendeu que o Senado faça uma avaliação do Sistema Único de Segurança Pública.
Frei David também anunciou que a Educafro apresentou uma queixa crime ao Conselho de Ética da Câmara dos Deputados contra o parlamentar Coronel Tadeu (PSL-SP), que, na véspera do 20 de Novembro, quebrou uma placa que integrava a exposição comemorativa do Dia da Consciência Negra naquela Casa.