Citando o ex-senador Abdias do Nascimento (1914-2011), para quem o racismo no Brasil se caracteriza pela covardia e por ser pouco velado, o senador Paulo Paim (PT-RS) presidiu audiência pública da Comissão de Direitos Humanos (CDH) na qual especialistas condenaram a persistência do racismo estrutural no país, que não poderá ser enfrentado unicamente com os avanços legislativos existentes. A audiência, realizada remotamente, atende a requerimento do próprio Paim.
Ao observar que o racismo afeta a toda a sociedade brasileira, Iraneide Soares da Silva, professora e coordenadora do Consórcio Nacional de Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros (Conneabs), sublinhou que as conquistas legais no enfrentamento ao problema não são suficientes na falta de atitudes práticas antirracistas no cotidiano.
“A ação afirmativa não é só uma política, mas uma ação individual que reverbera em todo um coletivo”, declarou.
Humberto Adami, representando a Comissão Nacional da Verdade da Escravidão Negra, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), cobrou uma legislação mais forte em apoio aos negros. Ele considera inevitável a judicialização das questões raciais diante de uma representação parlamentar “rarefeita”: como exemplo, ele destacou o avanço do Supremo Tribunal Federal (STF) em decisão que equiparou a injúria racial ao racismo.
“Mesmo o Estatuto da Igualdade Racial, muita gente acha que foi pouco, mas foi o que foi possível aprovar com a conformação de forças que havia na época. Se foi ruim, agora vejo com uma dificuldade ainda maior”, lamentou.
Adami disse que as políticas de reparação da escravidão são o caminho do futuro, ampliando as cotas raciais vigentes — que hoje são aplicada em doses que a “escravocracia” entende como reparadoras, segundo ele.
Renato Ferreira, mestre em políticas públicas e especialista em gestão pública e corporativa da diversidade, opinou que as relações de raça são essencialmente relações de poder, e que geram um déficit de poder para as pessoas negras. Ele defendeu a promoção da igualdade racial como política de Estado, alertando que o Brasil não pode passar mais um século com prática raciais contrárias à democracia.
“Houve tempo para dar aos cidadãos não mais escravizados uma cidadania digna. O Brasil não o fez porque adotou a política de democracia racial como ação omissiva, deixando os negros à própria sorte”, disse Renato Ferreira.
Secretária adjunta de Segurança Cidadã de Diadema (SP), a advogada Tamires Sampaio disse que a manutenção da ordem como objetivo de segurança pública resulta na reprodução de práticas racistas estruturais, e.associou a criminalização das drogas à promoção de uma guerra contra a população negra e periférica.
“É combatendo as desigualdades sociais, é garantindo acesso a direitos e a cidadania plena, é que de fato conseguimos construir uma sociedade segura para todos”, resumiu.
Também Renato Ferreira observou que, na inexistência de igualdade para os negros no Brasil, que somente as denúncias do movimento negro teriam poupado essa população do extermínio.
O sistema de cotas raciais, que deverá ser reexaminado pelo Legislativo em 2022, foi elogiado pelos debatedores, que citaram o aumento expressivo da proporção de negros nas universidades; no entanto, cobraram avanços. Entre as manifestações dos especialistas, Iraneide considera que o currículo do sistema educacional segue baseado na “teoria do colonizador”, e Tamires Sampaio pediu medidas para garantir a permanência dos estudantes e sua inclusão no mercado de trabalho.
Paulo Paim disse esperar que, no Mês da Consciência Negra, o debate de hoje influencie o Congresso a avançar com projetos de enfrentamento ao racismo estrutural. Entre as proposições que mencionou, estão a que transforma o dia 20 de novembro em feriado nacional dedicado a Zumbi dos Palmares; a proibição de discriminação racial em abordagens policiais; a que estende a entidades privadas a incumbência de promoção de cotas raciais; e o reconhecimento do sítio arqueológico do Cais do Valongo, no Rio de Janeiro, como patrimônio histórico da cultura afro-brasileira.