Debatedores pedem rejeição do projeto que promete igualdade entre religiões

Convidados relatam que texto apenas criaria
um cartel de controle das práticas religiosas

Sugerida a rejeição do projeto. Essa foi a posição unânime dos convidados que participaram da audiência pública realizada pela Comissão de Assuntos Sociais (CAS), nesta quinta-feira (23), para discutir o Projeto de Lei da Câmara (PLC 160/2009), que trata do livre exercício de crenças e cultos religiosos. Para entidades ligadas a diversos segmentos, não há tratamento isonômico entre as crenças. O debate foi solicitado pelo senador Eduardo Suplicy (PT-SP), relator da matéria na Casa.

O depoimento mais veemente partiu de Luis Antônio Rodrigues da Cunha, professor da UFRJ, que ressaltou que o Brasil vive atualmente um intenso embate entre católicos e protestantes, os dois ramos que mais tem influencia no setor político brasileiro. Para ele, essa lei não deve seguir adiante, já que a Constituição Federal já garante a laicidade do Estado e o tratamento igualitário entre todas as crenças e religiões. “No panorama internacional o Brasil dispõe de uma posição privilegiada em relação à prática religiosa e considero que esse projeto é indecente e pueril por resultar de uma adaptação apressada entre a Santa Sé e o Brasil”, argumentou.

A proposta entrou em tramitação no Congresso Nacional por iniciativa da bancada evangélica após o acordo, aprovado pelo Senado no final de 2009, que reafirma a personalidade jurídica da Igreja Católica e de suas instituições, como a conferência episcopal, as dioceses, as paróquias e os institutos religiosos. Sob a forma do Projeto de Decreto Legislativo (PDS) 716/2009, o texto também reconhece às instituições assistenciais religiosas igual tratamento tributário e previdenciário assegurado a entidades civis congêneres e estabelece a colaboração da igreja com o Estado na tutela do patrimônio cultural do país. Além disso, reafirma o compromisso da igreja com a assistência religiosa a pessoas que a requeiram, no âmbito familiar, em hospitais ou presídios.

Para os evangélicos, o chamado o acordo Brasil – Santa Sé privilegia a doutrina católica.

Cartel
Na opinião do juiz de direito, Roberto Arriada Lorea, o PLC 160/2009 não apenas cria um cartel de controle da prática religiosa como coíbe a liberdade religiosas.

Na mesma linha, Francisco Aires Afonso Filho, representante do Candomblé, afirma que proposta traz ainda mais dificuldades para as religiões de matriz africana ao condicionar às religiões uma organização de estrutura nacional. “Nós não nos reconhecemos nesse projeto por não termos uma estrutura nacional. Uma casa de Candomblé pode ser desvinculada de todas as outras e ser ligada apenas a seus ancestrais”, explicou. “Na nossa Constituição já temos a nossa liberdade de prática religiosa e de culto. Não se fala em estrutura religiosa na Constituição, mas no projeto sim. Quando institucionalizo isso, criam-se dificuldades para a prática da fé. A fé não pode ser institucionalizada”, argumentou.

Flamarion Vidal, assessor jurídico da Federação Espírita Brasileira, também criticou alguns pontos do projeto em que considera a redação confusa. A redação truncada da matéria pode abrir brecha para diversas interpretações jurídicas. “Quando não se sabe o que quer com um artigo de projeto, aí surgem os atos de preconceito”, disse.

Hugo Sarubbi, representante da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), foi além ao afirmar que o texto alija a pessoa que é agnóstica. Sua preocupação é que a aprovação do projeto nem atende também a diversidade das religiões. “Esse texto é uma adaptação do acordo entre Brasil e a Santa Sé e que foi apresentado de forma atravessada no Parlamento”, disse. Ao defender o acordo com o Vaticano, ele afirmou que ele não retira o direito à prática de qualquer fé nem privilegia a Igreja Católica. “Peço para que esse debate não seja tratado de forma desonesta. O projeto é inadequado para a diversidade religiosa brasileira”, disse.

Para Cassilene Nobre, representante da Igreja Presbiteriana Unida, o teor do projeto é preocupante, pois, pode acabar impondo um conflito ainda maior entre as religiões e acabar gerando o sentido contrário ao que se propõe. “Temos de ter cuidado com o que a gente aprova para que direitos coletivos não sejam sobrepostos aos direitos individuais. Temos de ter cuidado para que o que seja aprovado não gere ainda mais conflitos do que aqueles que ocorrem agora”, disse.

Suplicy deve apresentar o relatório para a matéria na próxima semana. “Todos estão a par de que pedimos aos representantes de diversas religiões que pudessem dar seu parecer em relação ao projeto para saber se as religiões não cristãs se reconhecem nesse projeto, se existe alteração na característica do estado laico, se haveria necessidade de uma regulação para cada uma delas”, comentou.

Ensino de religião nas escolas
Outro tema levantado pelos convidados durante a audiência pública da CAS foi a aplicação do ensino religioso nas escolas públicas brasileiras. Para Marga Janete, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SEDH), essa matéria deveria ser excluída da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). “Esse ensino é sempre direcionado, interesseiro e sempre focado no ensino cristão. Não pode haver ensino religioso, porque nas escolas é que apresentam os maiores focos de intolerância”, disse. 

Também preocupado com a influência religiosa no ensino, Flamarion Vidal, da Federação Espírita Brasileira, defendeu a manutenção uma mudança de foco com a apresentação da diversidade de crença no País. “Ensino religioso nas escolas deve trazer a diversidade religiosa e não o proselitismo religioso. É importante que se coloque para o aluno, que queira, um posicionamento de cada uma das religiões e cada aluno vai tirar as suas conclusões”, apontou.

O acordo Brasil – Santa Sé
O ensino religioso católico em instituições públicas de ensino fundamental também é tema do acordo, que assegura ainda o ensino de outras confissões religiosas nesses estabelecimentos. O acordo ainda confirma a atribuição de efeitos civis ao casamento religioso e estabelece o princípio do respeito ao espaço religioso nos instrumentos de planejamento urbano.

Conheça a íntegra do Projeto de Lei da Câmara (PLC 160/2009)

Leia a íntegra do acordo Brasil – Santa Sé

Rafael Noronha 

To top