O deputado federal Osmar Terra (MDB-RS), apontado como idealizador do gabinete paralelo, agiu como todos os demais aliados de Bolsonaro que foram confrontados com os fatos diante da CPI da Covid e negou tudo aquilo que havia dito anteriormente.
Em seu depoimento, Osmar Terra afirmou nunca ter defendido a tese de imunidade de rebanho, disse ser um defensor da vacina, afirmou desconhecer o gabinete paralelo de aconselhamento do presidente e, mesmo diante da coincidência de datas e posturas suas e do presidente em relação à pandemia, o deputado afirmou ter “influência zero” sobre Bolsonaro.
“Vossa excelência é um grande influenciador. Influenciou o presidente. E basta olhar as previsões que o senhor fez e as previsões do presidente vão acompanhando isso. O presidente, inclusive, quando ignorou as tentativas da Pfizer de vender vacina, do Butantan, ele estava baseado nessas previsões”, destacou o senador Humberto Costa (PT-PE). “No mínimo, o senhor é autor intelectual de boa parte dos problemas que estamos vivendo porque influenciou o cidadão que está no Palácio do Planalto”, emendou.
Osmar Terra aparece em diversos vídeos, desde o início da pandemia, fazendo previsões erradas sobre os destinos da pandemia no Brasil. Questionado acerca de seus erros, o parlamentar tentou justificar afirmando que seu otimismo se baseava nos dados que existiam no início da pandemia. Mas, o deputado se manteve aos lados dos negacionistas ao ignorar a maioria dos cientistas que alertavam para variantes do novo coronavírus que fariam o ciclo da Covid-19 se alongar.
O relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL) classificou Osmar Terra como “um dos líderes do negacionismo”.
O deputado também chegou a afirmar em seu depoimento que o distanciamento social no Brasil não havia surtido grande efeito no controle da pandemia, sugerindo que o isolamento social aumenta o número de contaminações dentro de casa, já que as pessoas em seus domicílios não utilizam máscaras, e defendeu a estratégia utilizada pela Suécia como exemplo. O país escandinavo, ao contrário dos vizinhos, não adotou medidos de distanciamento social para controle da pandemia no primeiro momento da pandemia e depois teve de recuar. A Suécia, inclusive, era utilizada como exemplo por Bolsonaro para combater as medidas restritivas no Brasil.
“A Suécia teve uma comissão de investigação para apurar a condução que o governo tomou no início da pandemia. Depois eles mudaram completamente a orientação. Essa comissão e investigação chegou à conclusão de que o governo demorou em fazer testes, falhou em proteger idosos e não adotou uma estratégia coordenada. A Suécia não é uma boa referência”, disse o senador Humberto.
O senador Rogério Carvalho (PT-SE) destacou que o governo Bolsonaro defendeu durante a pandemia a tese da imunidade de rebanho ao ignorar as ofertas de vacinas feitas ainda no ano passado e adotar a estratégia de ofertas de medicamentos sem eficácia comprovada para a população como único método de controle de contaminação da Covid-19.
“No Brasil foi defendida, sim, uma teoria de imunidade naturalmente adquirida, coletiva. Coisa que jamais se alcançaria. Com 200 milhões de brasileiros, esse caminho levaria a outras cepas. O que precisávamos ter era a vacina. E testamos a vacina Moderna, a Coronavac, a Astrazeneca, a Pfizer. Foram feitas ofertas de vacinas desde maio de 2020, propostas de o governo antecipar a compra para garantir lotes sem ter o sofrimento que estamos vendo. Imunização coletiva no caso de um vírus tão contagioso nós só vamos alcançar com imunização rápida. Se a gente demorar [a vacinar], surgem outras variantes”, enfatizou o senador.
Estudo do Centro Brasil-Reino Unido para Descoberta, Diagnóstico, Genômica e Epidemiologia de Arbovírus sugere que até 31% dos indivíduos que contraíram Covid-19 em Manaus após janeiro de 2021 correspondem a casos de reinfecção.
“Essa ideia da imunidade de rebanho é muito equivocada. Ou seja, essa imunidade por transmissão é muito falha. O indivíduo, em muitos casos, em pouquíssimo tempo não tem mais os anticorpos. Ou seja, ou é a vacina, ou é nada. E esse governo irresponsável não investiu na vacina”, criticou Humberto.
Mentira sobre o STF
Durante o depoimento, Osmar Terra repetiu uma mentira dita pelos apoiadores de Bolsonaro durante a pandemia e acusou o Supremo Tribunal Federal (STF) e os governadores pelas mais de 500 mil mortes. Com o objetivo de isentar Bolsonaro, o parlamentar afirmou que o presidente não teve poder de ação nenhum durante a pandemia. “Nosso presidente não teve poder de fazer nada na pandemia”, disse.
Vários senadores, dentre eles Humberto Costa, rebateram a mentira contada por Osmar Terra. O STF apenas definiu que União, estados e municípios têm competência concorrente na área da saúde pública. Logo, segundo Humberto, o STF apenas impediu que Bolsonaro impusesse a tese da imunidade de rebanho e atropelasse as estratégias de estados e municípios no enfrentamento à pandemia.
“Vamos acabar com essa discussão de que o STF proibiu o presidente de fazer o que devia. O STF decidiu é que o presidente não podia desmontar aquilo que os estados e municípios estavam fazendo concorrencialmente para enfrentar a pandemia. O que o presidente queria fazer era passar por cima dos governos e das prefeituras para adotar a estratégia da imunidade de rebanho”, destacou.
Gabinete paralelo
O deputado negou a existência do gabinete paralelo e disse apenas que Bolsonaro “de vez em quando” lhe pergunta “alguma coisa”. “Quando de vez em quando o presidente me pergunta alguma coisa e eu acho que eu posso responder, eu respondo”, declarou Terra. “Não tenho poder sobre o presidente ou eu seria o presidente e ele, o deputado”, disse.
Sobre o vídeo que viralizou e que seria uma das provas da existência do gabinete paralelo na qual é possível verificar diversos médicos, com Osmar Terra ao lado de Bolsonaro e em posição de destaque, defendendo tratamentos comprovadamente ineficazes, o deputado afirmou à CPI que o encontro foi realizado de “última hora”.
“Na verdade, era para ser uma reunião menor, apareceu um monte de gente, aquilo foi de última hora. São opiniões pessoais, o presidente julga as coisas do jeito que ele quer”, disse.
Ele também disse não lembrar se tratou sobre assuntos específicos, como a questão da imunidade de rebanho sem vacinas com Bolsonaro, nem quando foi a primeira vez que conversou com o presidente sobre a pandemia.
Efeito Bolsonaro
O senador Rogério Carvalho destacou o efeito negativo que Bolsonaro teve na população durante a pandemia. Estudo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) aponta uma correlação entre a votação no presidente Bolsonaro e a expansão da Covid-19. Segundo a pesquisa, para cada 10 pontos percentuais a mais de votos para Bolsonaro, há um acréscimo de 11% no número de casos e de 12% no número de mortos.
“O número de mortos e infectados é maior na população que acredita mais em Bolsonaro, que votou mais em Bolsonaro. Significa que tem um efeito direto de Bolsonaro na expansão da pandemia. Isso significa desinformação. A orientação de quem tem alguma fé púbica sendo colocada como desserviço à preservação da vida. Se não fosse a resistência de governadores e prefeitos, teríamos mais de um milhão de mortos”, enfatizou o senador.