O secretário de Política Econômica do Ministério da Economia, Adolfo Sachsida, cometeu um sincericídio nesta quarta (28). Em encontro virtual com representantes do banco Safra, ele descortinou o fenômeno estatístico que o presidente Jair Bolsonaro e o ministro-banqueiro da Economia, Paulo Guedes, repetidamente camuflam sob números positivos de criação de vagas de emprego formal do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), divulgado pelo Ministério da Economia.
Segundo o Caged, setembro foi o segundo mês consecutivo com saldo positivo de vagas (249 mil). Já a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad-Covid), criada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para mensurar os efeitos da pandemia sobre o mercado de trabalho e a saúde dos brasileiros, aponta que a taxa de desemprego subiu de 13,6% em agosto para 14% em setembro, maior alta da série histórica.
Para tentar vender a ilusão da “recuperação em V”, Bolsonaro e Guedes exibem os números do Caged enquanto tentam desqualificar os da Pnad-Covid. Com isso, mascaram a realidade de que o número de pessoas sem emprego e sem perspectiva de trabalho cresce a cada dia, mas está represado pela distribuição do auxílio emergencial, que permite às famílias mais pobres irem sobrevivendo, mesmo sem renda própria. Sachsida mostrou, com sua fala, que o rei e seu conselheiro econômico estão nus.
“Muitas pessoas perderam emprego e não estavam procurando porque a cidade estava fechada. Então as pessoas estavam desempregadas, mas não apareciam na pesquisa. No ano que vem vai acontecer o oposto, o desemprego real vai cair, mas as variáveis vão subir”, afirmou o tecnocrata, sem, no entanto, explicar exatamente como o desemprego real vai cair.
“A economia reabre, as pessoas passam a procurar emprego, algumas vão encontrar e, por isso, o desemprego real cai. Mas, como tem mais gente procurando, a variável taxa de desemprego vai aumentar”, acrescentou um dos principais auxiliares de Guedes, atribuindo a distorção estatística à metodologia usada pelo IBGE.
A realidade nos números
Enquanto o Caged considera só os empregos com carteira assinada, por meio dos dados que as empresas enviam ao governo, a Pnad Contínua faz amostra de domicílios com dados de vagas formais e informais, domésticos, empregadores e demais modalidades, e segue recomendações internacionais ao considerar desempregado quem busca uma vaga.
Para o IBGE, uma pessoa desempregada é aquela que não só tem idade para trabalhar (acima de 14 anos) e não está trabalhando, como também está procurando emprego e tem disponibilidade para assumir um posto. Portanto, nem todo mundo que não está trabalhando está tecnicamente desempregado. A pessoa que perde o emprego e não procura trabalho não entra na conta dos desocupados.
Os técnicos do IBGE argumentam que o crescimento do desemprego ocorre em função tanto das pessoas que perderam suas ocupações quanto das pessoas que começam a sair do distanciamento social e voltam a pressionar o mercado de trabalho. Segundo eles, embora a demissão tenha sido massiva, a maioria que perdeu seu emprego caiu na inatividade.
Nessa equação ainda figuram 11 milhões de trabalhadores do mercado formal cujos contratos foram suspensos ou tiveram jornada e salários reduzidos durante a crise do coronavírus. Estes poderão engrossar as estatísticas do desemprego caso o patronato não recupere o fôlego após o fim, em 31 de dezembro, da vigência do estado de calamidade que justifica tanto o auxílio emergencial quanto a suspensão dos contratos de trabalho. Segundo Sachsida, essa foi uma das estratégias do governo para limitar o número de demissões no país.
Desemprego pode chegar a 18,5% em 2021
A expectativa das consultorias econômicas é de que a desocupação encerre este ano em 15% e continue subindo, até chegar a um pico de 18,5% no primeiro trimestre do ano que vem, atingindo 15,5 milhões de pessoas. A estimativa é que o desemprego só volte ao nível dos 11% – em que estava antes da pandemia – em 2022.
“Isso, num cenário em que o Produto Interno Bruto (PIB) do País cresça em um ritmo de 3,5% em 2021 e 2022?, ressalta Bruno Ottoni, da IDados. ”A desocupação ocorria em rimo lento, mas os dados de julho assustam. Uma recuperação antes de 2022 é pouco provável.”
Em julho, o total de pessoas ocupadas no Brasil havia caído para 85,9 milhões, e o de desocupados totalizou 87,6 milhões, piores índices da série histórica da Pnad. Pela primeira vez, os desocupados superaram o número de ocupados. Esse recorde inclui a soma dos desalentados (que desistiram de procurar emprego), número que teve alta de 15,3% no segundo trimestre do ano, chegando a 5,4 milhões de brasileiros e brasileiras.
Em três meses, a taxa de ocupação encolheu 8,3%, ou 7,8 milhões de pessoas. Em um ano, o total de postos extintos superou os 11,5 milhões. Mesmo segundo o Caged, o saldo acumulado de empregos formais até julho ficou negativo em 1,092 milhão de vagas, o pior desempenho para o período na série histórica do ministério, iniciada em 2002.
A informalidade também caiu, de 40,6% para 37,6%, mas isso não foi positivo. “Numericamente, nós temos uma queda da informalidade, mas isso não necessariamente é um bom sinal. Significa que essas pessoas estão perdendo ocupação e não estão se inserindo em outro emprego. Estão ficando fora da força de trabalho”, avaliou Adriana Beringuy, analista de pesquisa do IBGE.
Para a semana de 6 a 12 de setembro, a Pnad-Covid estimou em 82,6 milhões a população ocupada do país, com estabilidade em relação à semana anterior (82,3 milhões de pessoas) e queda em relação à semana de 3 a 9 de maio (83,9 milhões de pessoas).
A população ocupada e não afastada do trabalho, estimada em 77,2 milhões de pessoas, ficou estável em relação à semana anterior (76,8 milhões), mas aumentou frente à semana de 3 a 9 de maio (63,9 milhões). O nível de ocupação (48,4%) ficou estável frente à semana anterior (48,3%) e caiu em relação à semana de 3 a 9 de maio (49,4%). A taxa de informalidade (34,3%) ficou estável em relação à semana anterior (34,6%), mas recuou frente à semana de 3 a 9 de maio (35,7%).