A diretora técnica da Precisa Medicamentos Emanuela Medrades confirmou à CPI da Covid nesta quarta-feira (14) que a invoice (nota fiscal internacional) de compra da vacina indiana Covaxin foi enviada ao Ministério da Saúde com previsão de pagamento antecipado.
A CPI investiga a existência de um pagamento antecipado de US$ 45 milhões à empresa Madison, sediada em Singapura, por fora dos termos contratuais. A antecipação do pagamento, inclusive, foi um dos motivos que levaram o servidor do Ministério, Luis Ricardo Miranda, a denunciar irregularidades no contrato de R$ 1,6 bilhão diretamente a Jair Bolsonaro.
Para o senador Humberto Costa (PT-PE), o depoimento da representante da Precisa confirma o tratamento especial que o governo Bolsonaro deu para a empresa que intermediou, em tempo recorde, a compra da Covaxin, em detrimento das demais farmacêuticas que tentavam negociar com o governo brasileiro sem intermediários.
Humberto lembrou consultas feitas pelos senadores em depoimentos anteriores à CPI se era uma prática comum o pagamento a empresas que não constavam no contrato e Luis Ricardo Miranda, Regina Célia e William Amorim Santana foram categóricos ao afirmar que essa foi a primeira vez que isso aconteceu.
“Essa situação da Covaxin é singular. Aqui foi dito pelos três [servidores] que isso não é comum, que nunca viram isso. Uma empresa que não está no contrato recebe um recurso que deveria ser pago pelo Ministério da Saúde”, disse o senador.
A mesma empresa também havia negociado em novembro do ano passado com o Ministério da Saúde a venda de 20 milhões de preservativos femininos no valor de 15,7 milhões de reais. No dia 18 de fevereiro de 2021, houve um aditivo para corrigir esse valor para 31,5 milhões de reais. “Só voltaram atrás porque a CNN divulgou essa falcatrua e houve um recuo para 15,7 milhões de reais”, destacou o senador Humberto Costa.
Questionada se no caso da venda dos preservativos ocorreu a exigência de pagamento para alguma empresa em paraíso fiscal, como no caso da compra da Covaxin, Emanuela negou.
Para Humberto, o tratamento dispensado pelo governo Bolsonaro à compra da Covaxin difere completamente da tentativa do comportamento adotado diante da Pfizer e do Instituto Butantan, por exemplo. Outro fato que chamou a atenção do senador foi o fato de o Ministério da Saúde ter dado continuidade ao contrato de compra da Covaxin tendo a Precisa Medicamentos como intermediadora, mesmo a empresa já tendo dado calote de R$ 20 milhões ao Ministério em 2017.
“É evidente que essa é uma empresa que tem um tratamento especial, que levou apenas 97 dias para vender uma vacina que não tinha nem registro na Anvisa, não tinha registro no nosso país. Essa é ou não é uma condição especial? É, ou não, um tratamento privilegiado que foi dado a essa empresa? Uma empresa que o próprio relatório do Coaf mostra uma série de movimentações financeiras suspeitas”, questionou Humberto.
Brasil faria contrato adicional se não fosse a CPI
O senador Rogério Carvalho (PT-SE) destacou a importância dos trabalhos de investigação da CPI da Covid na detecção das irregularidades do contrato de R$ 1,6 bilhão para compra da Covaxin. O contrato está suspenso após a divulgação dos problemas encontrados pela CPI.
Mesmo após os problemas detectados no primeiro contrato, houve a realização de um aditivo contratual para compra de mais 50 milhões de doses da Covaxin, destacou Rogério.
“Sabem quem foi o responsável por esse aditivo? O coronel Elcio Franco [então número 2 do Ministério, na gestão Pazuello, e atual assessor da Presidência da República]. Não estava sendo cumprido o contrato de entrega e o senhor Elcio Franco pede mais 50 milhões de doses. Todos os pedidos adicionais foram feitos pelo coronel Elcio Franco. Este contrato bilionário não foi finalizado porque esta CPI descobriu os intermediários dos contratos das vacinas no Brasil”, destacou o senador.
Para Rogério, o governo Bolsonaro foi cruel ao aproveitar a pandemia para “passar várias boiadas”, inclusive, com relação à compra de insumos e vacinas.
“O que me deixa indignado é com a crueldade, com a frieza de tratar uma questão tão importante, ter tido a frieza de dizer que não importava, que não compraria a vacina e, enquanto isso, o povo morrendo”, criticou Rogério Carvalho.
Diretora contesta versão do Ministério da Saúde
Emanuela Medrades negou à CPI que tenha ofertado doses da vacina Covaxin ao Ministério da Saúde por um valor de US$ 10 a dose em novembro de 2020. O Brasil comprou a vacina por US$ 15 a dose.
De acordo com a representante da Precisa, não houve outra proposta além da enviada para o Ministério da Saúde para a venda por US$ 15. Ela também informou que a precificação da vacina é feita pela farmacêutica indiana Bharat Biotech.
Documento enviado pelo Ministério da Saúde à CPI mostra que, em reunião no dia 20 de novembro, a Covaxin foi oferecida por US$ 10 a dose. Ela afirmou que a memória da reunião é “mentirosa” e reafirmou que jamais ofereceu a vacina ao Ministério por US$ 10 a dose.
Diferença de datas para fiscal de contrato
Emanuela Medrades negou que o contrato de compra da Covaxin tenha começado a ser fiscalizado com atraso, e apenas quando as primeiras datas já tinham sido descumpridas. A diretora da Precisa Medicamentos disse que o contrato começou a ser fiscalizado por Regina Célia em 4 de março.
Durante seu depoimento na terça passada (6), Regina admitiu aos senadores que foi designada para fiscalizar os termos do contrato da compra da vacina Covaxin apenas no dia 22 de março, dois dias após a reunião na qual os irmãos Miranda relataram ter com Bolsonaro para denunciar indícios de fraude detectados na negociação pelo servidor.
O contrato foi assinado em fevereiro e previa a entrega das primeiras 4 milhões de doses em 17 de março. Nessa data, o governo sequer tinha começado a analisar os pedidos de licença de importação.
Divergência nas datas dos invoices
A diretora da Precisa deu ainda uma versão diferente dos depoentes anteriores acerca da data de transmissão da primeira versão do invoice ao Ministério da Saúde. De acordo com ela, o envio foi realizado no dia 22 de março e não no dia 18, como foi afirmado anteriormente pelo servidor Luis Ricardo Miranda e pelo consultor William Santana.
Os senadores apresentaram vídeo de 23 de março em que Emanuela aparece em audiência pública do Senado afirmando ter enviado o documento ao Ministério da Saúde no dia 18 de março. Mas ela manteve a versão de que a invoice foi enviada apenas no dia 22.
O senador Rogério Carvalho criticou a postura de Emanuela e disse que, mesmo atuando na iniciativa privada, a postura da funcionária da Precisa Medicamentos se assemelha à da base do governo, na tentativa de provar que Bolsonaro não prevaricou ao deixar de agir quando recebeu as denúncias dos irmãos Miranda.
“Não somente os irmãos Miranda, mas o ministro Onyx [Lorenzoni, secretário-geral da Presidência da República], em coletiva com o coronel Elcio, confirmaram a data e existência da invoice. A própria Emanuela confirma a data em audiência no Senado. Agora, ela tenta confundir numa manobra para impedir as provas de crime de prevaricação de Bolsonaro”, denunciou o senador.