Do Palácio do Planalto é possível ver, à noite, nesse início de junho, o facho verde refletido nas cúpulas do Congresso Nacional, um chamado à reflexão sobre a Semana do Meio Ambiente. Mas os três anos e meio de mandato nos informam que não é esse o farol que o barco governista segue. Já se viu, aqui, a lista de ações de Bolsonaro e sua equipe que instalaram o caos no meio ambiente. Do esmagamento orçamentário de órgãos de fiscalização e preservação, com desvio de finalidades que inverteu o papel de autarquias, à política de massacre dos povos indígenas, com garimpeiros oficialmente incensados a invadir e destruir territórios protegidos pela Constituição. É hora de tentar enxergar mais à frente, a partir de 2023, e vislumbrar alternativas para restabelecer políticas sérias nessa pasta para restituir o respeito internacional que o país já teve por sua postura ambiental. E, de quebra, voltar a comemorar de verdade o Dia Mundial do Meio Ambiente, 5 de junho.
Essas alternativas têm sido estudadas. Muitas vêm das universidades — tão atacadas pelo atual governo — e investidores as veem como ouro, não aquele manchado de sangue indígena. É a sociobiodiversidade, que promete emprego, renda, divisas ao país, e tudo isso mantendo a floresta em pé. Um exemplo disso foi destacado em artigo pelo presidente da Comissão de Meio Ambiente (CMA) do Senado, Jaques Wagner (PT-BA). É um estudo apoiado pelo BID, o Banco Interamericano de Desenvolvimento, e tocado pela Nature Conservancy, que listou 30 produtos das cadeias de biodiversidade do Pará que geraram, em 2019, cerca de 224 mil empregos, movimentando mais de R$ 5,4 bilhões em renda. São itens da cultura local, que podem ser trabalhados numa cadeia produtiva que, diferentemente da monocultura, da produção de commodities, multiplica as oportunidades de trabalho de forma sustentável.
“Isso tudo somente em um estado amazônico. Num exercício rápido, imaginem o potencial de explorar a floresta de pé nos outros oito estados do bioma, envolvendo também o Cerrado, a Caatinga, o Pantanal e a Mata Atlântica. Imaginem incluir como beneficiários os povos quilombolas, indígenas e tradicionais, rompendo com preconceitos históricos. Imaginem criar políticas públicas que vão do fomento à pesquisa científica de ponta, atreladas aos conhecimentos tradicionais, focadas em produção inclusiva agroflorestal, criando novos polos industriais baseados na nossa biodiversidade. Trata-se de empregos dignos e renda dessa nova indústria. Falamos de desenvolvimento com o meio ambiente de pé”, anota o senador, com brilho nos olhos.
Essas soluções bioeconômicas, baseadas, por exemplo, em biotecnologia, genética e farmacologia prometem novas divisas para o Brasil, que tem 60% da maior floresta tropical do mundo e praticamente 20% da biodiversidade do planeta.
Novo modelo
Mas, ao mesmo tempo, é preciso arrumar a bagunça, representada não apenas pelo desmonte de toda estrutura de fiscalização e preservação no país. Na opinião do secretário nacional de Meio Ambiente e Desenvolvimento do PT, Penildon Silva, o Brasil deve perceber que o atual modelo está condenado. De um lado, os recursos hídricos dos biomas estão se exaurindo; de outro, as chuvas necessárias ao agronegócio caem menos, em razão da redução dos rios voadores originados na Amazônia. Além disso, lembra o secretário, o país é alvo de boicotes crescentes por conta das queimadas e do uso intensivo de agrotóxicos.
“Precisamos de uma visão de médio e longo prazo para superar a busca de lucro fácil no curto prazo, pois o modelo atual é insustentável ambientalmente e comercialmente”, adverte Penildon, que chama a atenção ainda para a combinação que nada tem de acaso entre a ocupação de áreas, principalmente no Cerrado, para a monocultura e a emissão cada vez maior de gases de efeito estufa pelo Brasil, na contramão do planeta.
Menos chuvas na lavoura, mais enchentes e desastres nas regiões urbanas. Não é uma regra, mas em parte são efeitos das mudanças climáticas. Jaques Wagner ressalta que, além de mortos e desabrigados, essas tragédias provocam crise migratória e abalam a economia.
“Sabemos que o efeito deletério no PIB será devastador, com cerca de 300 bilhões de reais estimados em perdas por conta dos desastres climáticos. Isso vai resultar em alimentos mais caros, luz mais cara, menor capacidade de produção da indústria e do agronegócio. Mais fome e menos emprego. Tudo o que queremos evitar”, avalia.
Ambos, o senador e o secretário, concordam que é necessário trabalhar por uma transição socioecológica, que Jaques Wagner chama de “guinada verde”. Além dos exemplos de geração e emprego e renda na floresta, especialistas convidados pelo PT vêm debatendo desde o ano passado alternativas que vão do modelo agroflorestal, passando pela biomassa na caatinga até parcerias com países da América do Sul para desenvolver produtos combinando tecnologia de ponta com minerais da região. Essas ideias vão se transformar em um caderno de propostas a serem aproveitadas no programa de governo do PT, que tem entre seus eixos “desenvolvimento econômico, sustentabilidade socioambiental e combate à crise climática”.