Ao mesmo tempo em que o caso ganhou repercussão internacional, com inclusão de reportagem na revista The Economist que chega às bancas da Europa e Estados Unidos nesta quinta-feira (05/04), o STJ (Superior Tribunal de Justiça) divulgou nota defendo-se das acusações que favorece a exploração sexual de menores de idade. Os dois eventos têm a ver com a decisão recente da Terceira seção do tribunal – especializada pela análise de casos criminais – que absolveu, dia 27 de abril passado, um homem acusado de estuprar meninas menores de 12 anos de idade. Segundo a relatora do processo, ministra Maria Thereza de Assis Moura, não se pode considerar crime o ato que não viola a liberdade sexual. Isso porque, argumenta ela, as menores a que se referia o processo julgado se prostituíam havia tempos.
A decisão causou indignação não só entre as ONG que defendem direitos de crianças, mas dentro do próprio governo – como, por exemplo, da Secretaria de Direitos Humanos e do próprio Ministério da Justiça. No Senado, todas as senadores do PT subiram à tribuna para condenar a decisão – e pedir sua imediata revisão.
Diante do clamor contra a decisão judicial, o presidente do STJ, Ari Pargendler, há cerca de uma semana, admitiu que a decisão será revista, argumentando que a decisão da Corte não institucionaliza a prostituição infantil nem incentiva a pedofilia. O tribunal apenas concluiu que a presunção de violência no crime de estupro pode ser afastada em algumas circunstâncias. Como as meninas foram qualificadas como prostitutas, o STJ interpretou que elas consentiram com o ato sexual. “A exploração sexual de crianças e adolescentes não foi discutida no caso submetido ao STJ, nem mesmo contra o réu na condição de ‘cliente’”, disse o STJ em sua primeira nota. “A prática de estupro com violência real, contra vítima em qualquer condição, não foi discutida”.
A justificativa e a previsão de que a decisão poderá ser revista não foram suficientes. Com o título de “Sinal errado”, a Economist, apontada como a revista mais influente do mundo, indica que o caso poderá exigir a interferência do STF (Supremo Tribunal Federal) e critica claramente a decisão judicial. “O presidente do STJ ofereceu-se para ter um outro olhar, mas alertou que o julgamento foi técnico e com base na lei tal como se apresentava”, diz a publicação. Átila Roque, da Anistia Internacional, é um dos entrevistados e corrobora a interpretação da revista: “A prostituição infantil em geral, começa com estupro. A criança muitas vezes é forçada a entrar no trabalho. Os juízes decidiram que uma criança que foi brutalizada torna-se mais livres para fazer escolhas sexuais. Assim, uma prostituta infantil, de alguma forma, deixou de ser uma criança.”
Na nota divulgada ontem à noite, o STJ apresenta mais detalhes técnicos da ação em sua justificativa. Diz, por exemplo, que a ação penal tratava apenas do crime de estupro, que é o sexo obtido mediante violência ou grave ameaça, o que não ocorreu no caso. O tribunal também afirma que, em nenhum momento do processo, foi abordada a questão da exploração sexual de crianças e adolescentes. “Se houver violência ou grave ameaça, o réu deve ser punido. Se há exploração sexual, o réu deve ser punido. O STJ apenas permitiu que o acusado possa produzir prova de que a conjunção ocorreu com consentimento da suposta vítima”, ressalta.
A nota nega ainda que o presidente do STJ tenha admitido rever a decisão “em razão da má repercussão” e diz que o recurso apresentado pelo Ministério Público na semana passada não deverá mudar o resultado. No entanto, a corte admite que o assunto pode voltar a ser discutido no futuro, caso o tribunal seja provocado novamente a se posicionar sobre o tema.
Para a Economist, a decisão do tribunal apega-se a tecnicalidades e desconhece a realidade brasileira. Os dois últimos parágrafos da reportagem explicam porque a decisão configura o “sinal errado” de seu título:
“A Universidade de Brasília, o governo federal e Unicef ??descobriram que crianças e adolescentes vendem sexo em aproximadamente 1.000 municípios, quase um sexto de total de municípios do Brasil. Cidades litorâneas, como Fortaleza, Recife e Rio de Janeiro são fortes núcleos de prostituição infantil, assim como são outros portos e cidades fronteiriças. Em 2007, a Polícia Rodoviária Federal anunciou que havia quase 2.000 locais de beira de estrada onde o sexo com crianças estava à venda.
“Como trabalho preparatório à Copa do Mundo de futebol 2014 e às Olimpíadas de 2016, o Ministério do Turismo está promovendo praias do Brasil, alimentos e biodiversidade. Ao mesmo tempo, combate sites que estavam promovendo o Brasil como destino de turismo sexual. Em uma de suas ações, enviou comunicado para empresas de web que abrigam perto de 1.770 suspeitos. No mesmo dia, o acórdão do STJ deturpou a iniciativa”.
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