No Brasil, o tema da educação sexual nas escolas sempre suscitou debates na sociedade e entre educadores. Os motivos vão desde o momento ideal para apresentação do conteúdo, se ele deveria ou não abordar aspectos sociais até se deveria limitar-se a questões biológicas. A idade com que as crianças devem ter acesso a tal conteúdo no ambiente escolar também é outro foco de debates.
E como não poderia deixar de ser, o tema da educação sexual dos jovens brasileiros foi alvo das chamadas fake news nos últimos dois meses com a divulgação de uma série de conteúdos mentirosos que envolveram, dentre outras coisas, a divulgação do chamado “kit gay” nas escolas do País.
Em 2011, durante o primeiro mandato da ex-presidenta Dilma Rousseff, foi produzido um material chamado ”Escola sem homofobia”. Mas setores conservadores do Congresso Nacional protestaram e o material sequer chegou a ser entregue nas escolas.
Na oportunidade, a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados fez a proposta de elaboração do conteúdo e o Ministério Público cobrou do Ministério da Educação, à época comandado por Fernando Haddad, providências cabíveis para a confecção do material. Assim, o MEC contratou uma ONG especializada no assunto para produzir o material. O material produzido em 2011 seria distribuído para adolescentes e pré-adolescentes, alunos de ensino médio e segunda etapa do fundamental. O objetivo era ensinar o respeito e combater a homofobia nas escolas brasileiras.
Em Portugal, por exemplo, o Estado define um ponto de partida para o início da educação sexual, mas confia às próprias escolas a decisão sobre o início da aprendizagem do conteúdo. De acordo com reportagem publicada no site português “Observador”, as escolas tendem a iniciar o conteúdo, em média, quando os alunos estão entre os 11 e 12 anos de idade.
No Brasil, a ausência de reflexão e discussões mais amplas acerca do tema acabam, na avaliação da senadora Regina Sousa (PT-PI), sendo um ambiente propício para a permanência e manutenção da intolerância e da violência, enfraquecendo o combate ao preconceito, ao abuso sexual infantil e à violência contra a população LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros) e, principalmente, contra a mulher.
“O menino cresce vendo o pai bater na mãe e acha que isso é normal; que crime é só bater na mulher dos outros. Nós precisamos ensinar a esse menino que violência contra todas as mulheres é crime, antes que ele cometa a primeira agressão”, apontou a senadora.
Foi homologada, em dezembro de 2017, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) – instrumento norteador dos estudantes da educação básica do País. Com a justificativa de que a temática de gênero provocara muita controvérsia – tanto na tramitação do Plano Nacional de Educação, quanto da BNCC – o Ministério da Educação (MEC) decidiu suprimir os termos “gênero” e “orientação sexual” do documento.
A decisão do MEC contrasta com o resultado de pesquisa realizada pelo Ibope encomendada pela ONG Católicas pelo Direito de Decidir. No levantamento, realizado em fevereiro de 2017, 68% dos entrevistados concordam com a discussão da igualdade entre homens e mulheres na escola. Somados aos que concordam parcialmente, este número cresce para 84%. Na mesma pesquisa, a abordagem da sexualidade no ambiente escolar é totalmente aprovada por 54% dos entrevistados. Se somados aqueles cujo apoio é parcial à iniciativa, chega-se a 62% do total. Apenas 9% acreditam que a escola não deve ministrar aulas de educação sexual.
“A gente tem uma sociedade bastante conservadora na representação, mas o que se vê na pesquisa é o contrário – a maioria da população acha que as crianças devem ter informações sobre o exercício da sua sexualidade, sobre uso de anticoncepcionais, sobre a violência contra a mulher e sobre a questão LGBT. E o que é apresentado pelos nossos representantes é uma visão retrógrada e contrária a tudo isso. A gente vê que a população avança e no Congresso não se consegue pautar esses temas”, aponta Rosangela Talib, coordenadora da ONG Católicas Pelo Direito de Decidir.
Já a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (Pense), realizada em 2015, com adolescentes do 9° ano do Ensino Fundamental sexualmente ativos, revelou a importância do aprofundamento da educação sexual no ambiente escolar nacional. No levantamento 33,8% dos alunos disseram não ter usado camisinha na última relação sexual. Apesar disso, sete em cada dez afirmaram ter recebido informação a respeito na escola.
Para a psiquiatra e criadora do Programa de Estudos em Sexualidade da Universidade de São Paulo (USP), Carmita Abdo, os ensinamentos sobre o tema devem começar em casa, de forma gradativa. “A melhor educação é aquela que se desenvolve na família e que consegue acompanhar o interesse da criança pela sexualidade e as respostas devem ser as mais acessíveis possíveis para cada faixa etária”, diz.
A Organização das Nações Unidas (ONU) tem, há quase dez anos, um guia técnico para apoiar as políticas públicas dos países no desenho de currículos precisos e apropriados à idade correspondente, envolvendo crianças e jovens de 5 a 18 anos.
Com base em uma análise das melhores práticas no mundo, o guia mostra que a educação em sexualidade ajuda os jovens a se tornar mais responsáveis em sua atitude e comportamento no que se refere à saúde sexual e reprodutiva. Também é essencial no combate à evasão escolar de meninas provocada por gravidez ou casamento precoce.
De acordo com a UNESCO, a educação em sexualidade é necessária uma vez que, em algumas partes do mundo, duas em cada três meninas dizem não ter ideia do que acontece com seu corpo quando começam a menstruar, e as complicações no parto são a segunda causa de morte entre meninas de 15 a 19 anos.
Com informações de agências de notícias
*Gráficos originalmente publicados no site observador.pt
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