Com o placar de 9 votos a 2, o Supremo Tribunal Federal (STF) anulou a tese do Marco Temporal. Ela foi considerada inconstitucional pela maioria dos ministros que entenderam que o direito dos povos originários aos territórios tradicionalmente ocupados independe da presença deles antes de 1988. Mesmo assim, o Senado Federal deve analisar na próxima quarta-feira (27/9) o Projeto de Lei (PL 2903/2023) estabelecendo um marco para a demarcação de terras indígenas no país.
Relatado pelo senador Marcos Rogério (PL-RO) na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a proposta já entrou na pauta de votações da última quarta (20/9). Mas um pedido de vista adiou a análise em uma semana. Parlamentares da oposição também derrotaram um requerimento de audiência pública que seria realizado na próxima terça-feira (26/9), véspera da análise no colegiado. Depois da CCJ, o projeto segue para análise do Plenário.
Na avaliação do senador Humberto Costa (PT-PE), o projeto é inconstitucional, já que um grupo de parlamentares, ligados ao agronegócio, pretendem alterar um direito fundamental dos povos originários por meio de projeto de lei.
Além disso, Humberto Costa também pontua o fato de a proposta aviltar o “espírito cidadão” da Constituição de 1988.
“É uma matéria que agride a Constituição Federal e o seu espírito cidadão; é preconceituosa, porque é dirigida sob medida contra os povos indígenas; é um erro histórico, no momento em que falamos da Amazônia e combate à desigualdade”, ressaltou.
O líder do governo Lula no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), disse não ser razoável que o Congresso Nacional marche em sentido oposto ao decidido pelo Judiciário, ainda mais em um tema tão polêmico.
“Não me parece de bom tom nós confrontarmos uma declaração de inconstitucionalidade do Supremo Tribunal Federal com um projeto de lei que flagrantemente será inconstitucional”, apontou.
O relatório apresentado pelo senador Marcos Rogério na CCJ confirma o texto aprovado anteriormente na Comissão de Agricultura e Reforma (CRA) fixando a data da promulgação da Constituição Federal, de 5 de outubro de 1988, como parâmetro de marco temporal para limitar o direito dos povos indígenas: somente teriam direito à terra as comunidades que ocupavam o território no período.
De acordo com a proposta, para que uma área seja considerada “terra indígena tradicionalmente ocupada”, será preciso comprovar que, na data de promulgação da Constituição Federal, ela vinha sendo habitada pela comunidade indígena em caráter permanente e utilizada para atividades produtivas.
Também será preciso demonstrar que essas terras eram necessárias para a reprodução física e cultural dos indígenas e para a preservação dos recursos ambientais necessários ao seu bem-estar.
O texto ainda proíbe a ampliação das terras indígenas já demarcadas, declara nulas as demarcações que não atenderem aos preceitos previstos no projeto e concede indenização aos ocupantes não indígenas que terão que abandonar o território, pelas benfeitorias erguidas na área até a conclusão do procedimento demarcatório.
No caso de o local pretendido para demarcação não estar habitado por comunidade indígena em 5 de outubro de 1988, fica descaracterizada a ocupação permanente exigida em lei, exceto se houver “renitente esbulho” na mesma data, isto é, conflito pela posse da terra. Assim, terras não ocupadas por indígenas e que não eram objeto de disputa na data do marco temporal não poderão ser demarcadas.
“Esse projeto está sendo analisado de forma atropelada. Os direitos dos povos indígenas estão sendo violados e não estamos sendo escutados. O parlamento não está ouvindo a opinião pública, o que beneficia apenas os interesses do agronegócio”, alertou Dinamam Tuxá, coordenador-executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).
Além do marco temporal, a Apib alerta para outros pontos do projeto de lei que são danosos aos povos indígenas, como a construção de rodovias e hidrelétricas em territórios indígenas sem consulta livre, prévia e informada das comunidades afetadas.
A proposta ainda permite que fazendeiros assinem contratos de produção com indígenas, o que viola o direito dos povos originários ao usufruto exclusivo dos territórios demarcados.
Também fica autorizada a qualquer pessoa a questionar o processo demarcatório, inclusive de terras indígenas já demarcadas, e favorece a grilagem de terras, pois reconhece títulos de terras que estão sob áreas de ocupação tradicional.
Proposta vai na contramão do governo Lula
No Dia da Amazônia, comemorado em 5 de setembro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou a demarcação de duas novas terras indígenas no país, última etapa antes da regularização final das áreas. Foram homologados pelo presidente os territórios de Rio Gregório, em Tarauacá, no Acre, área de ocupação tradicional dos povos Katukina e Yawanawá, com mais de 187,1 mil hectares, e de Acapuri de Cima, em Fonte Boa, no Amazonas, caracterizado como de ocupação do povo Kokama, que tem mais de 18,3 mil hectares.
Paralisada ao longo do governo do Bolsonaro, a demarcação de terras indígenas foi retomada no atual do governo. O presidente Lula já havia assinado a demarcação de seis territórios em abril deste ano. Na ocasião, foram homologados os territórios de Arara do Rio Amônia, no Acre; Kariri-Xocó, em Alagoas; Rio dos Índios, no Rio Grande do Sul; Tremembé da Barra do Mundaú, no Ceará; Avá-Canoeiro, em Goiás; e Uneiuxi, no Amazonas.
Atualmente, constam dos registros da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) 761 terras indígenas. Essas áreas representam aproximadamente 13,75% do território brasileiro, localizadas em todos os biomas, sobretudo na Amazônia Legal. Desse total, 475 estão regularizadas, 8 homologadas e 73 declaradas. Há 44 áreas delimitadas e há 137 em estudo para demarcação. Além disso, há cerca de 478 reivindicações de povos indígenas em análise prévia na Funai, ainda sem processos em curso.
Com informações de agências de notícias