Sob Bolsonaro, os sistemas de prevenção e controle dos biomas caíram feito árvores cortadas por motosserra. E programas que serviam para separar produtores responsáveis de predadores do meio ambiente foram transformados em molas para destruir ainda mais a floresta. Um a um, os participantes da audiência na Comissão de Meio Ambiente (CMA) forneceram dados que confirmam essa preocupação. O Vice-presidente do Conselho Diretor do Instituto de Desenvolvimento Sustentável (IDS), João Paulo Ribeiro Capobianco, denunciou a subversão do Cadastro Ambiental Rural (CAR), instrumento criado há dez anos para regularizar o uso de terras. Segundo ele, quase 30% das florestas públicas não destinadas à agricultura estão cadastradas ilegalmente.
“O CAR, ao contrário de uma ferramenta de controle e monitoramento, está gerando estímulo à grilagem. O Brasil está utilizando ferramentas do próprio poder público para legitimar o avanço do desmatamento”, detalhou Capobianco, que pediu a intervenção do Senado no assunto.
Presidente da CMA, o senador Jaques Wagner (PT-BA) anunciou que vai preparar requerimento de audiência sobre o cadastro rural “para colocar luz sobre esse problema que considero gravíssimo. É como se o Estado, o poder público estivesse incentivando ou acobertando a ilegalidade”.
Esses e outros problemas considerados alarmantes no debate fizeram o autor do pedido da audiência desta quarta (9), senador Fabiano Contarato (PT-ES), pregar mais altivez ao Senado: “não basta sermos reativos, temos que ser proativos. Como nós, parlamentares, que assumimos um compromisso sobre o artigo 225 da Constituição (todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado), ficamos inertes, pecamos por omissão? Temos que lutar para efetivar esse direito constitucional. É um ecocídio o que está acontecendo”.
Falando em nome do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Samuel Vieira de Souza, que é diretor de Proteção Ambiental, admitiu que a falta de controle no CAR prejudica a atuação do órgão. O gestor listou ações do Ibama no ano passado – um total de 11.445 atos de fiscalização, 30% deles na Amazônia – e reclamou da falta de pessoal. “Em 2005, havia mil agentes em campo; em 2022, o Ibama tem 248 agentes em campo”. Depois de dez anos sem concurso público, o Ibama espera agora contratar mais gente.
Assim como Samuel, outra representante do governo, a secretária da Amazônia e Serviços Ambientais do Ministério do Meio Ambiente, Martha Giannichi, garantiu que o Planalto trabalha para quebrar a cadeia do crime organizado por trás do desmatamento. Mas os dados apresentados por Anne Alencar, diretora de Ciências do Instituto de Pesquisas da Amazônia, a contradizem.
Segundo Anne, é alarmante o avanço da pecuária especulativa em florestas públicas, com maioria da área registrada no CAR, e também o ataque a terras indígenas por garimpeiros e madeireiros: “A terra indígena Ituna-Itatá (no sudoeste do Pará) está entre as dez mais atacadas pelo desmatamento no Brasil, e cerca de 97% da área está cadastrada ilegalmente no CAR”.
Além disso, não há notícia de apoio do governo a projetos, em tramitação no Congresso, que buscam proibir o registro do CAR em terras públicas e suspender a validade desses registros em áreas onde houve desmatamento. E, como lembra Anne Alencar, mais da metade (51%) do desmatamento acontece em terras públicas.
A audiência teve apelos da classe artística, que está em Brasília para o Ato pela Terra e Contra o Pacote da Destruição, que acontece na tarde desta quarta na Esplanada dos Ministérios. A atriz Maria Paula avançou contra a liberação indiscriminada de veneno na comida: “as pesquisas associam ambientes em que o uso de agrotóxicos é abusivo à incidência maior de câncer. Ou seja, precisamos tomar alguma providência, juntos, para garantir alimentação saudável e garantir que as próximas gerações tenham segurança. Todo mundo merece ter alimento saudável, todo mundo merece ter a possibilidade de criar filhos com um futuro pela frente”.
O pedido de Maria Paula foi complementado pela também atriz Letícia Sabatella, que enxerga “ganância” nas propostas contidas no Pacote da Destruição, que ainda é composto de incentivo à grilagem, ao garimpo e à invasão de terras indígenas. Seu pedido para que o Brasil aprenda mais com os ensinamentos dos povos indígenas foi emocionado.
“Estamos vivendo um momento em que temos diversas contaminações. Por vírus, por violência, pela desigualdade, por injustiças. A gente fala de várias contaminações causadas por um grande desequilíbrio. A gente só vai conseguir um mundo em paz se a gente usar essa palavra muito bem colocada por nossos povos originários: a gente precisa ter um equilíbrio com a natureza, com os outros povos, com as outras espécies”, disse.
Um equilíbrio que nunca esteve tão ameaçado, segundo a liderança indígena Txai Suruí, que, presente à audiência, confirmou as fraudes no CAR e alertou que o Pacote da Destruição pretende assassinar povos da floresta.
“A gente está vivendo uma guerra. Uma guerra dentro dos territórios indígenas. A pergunta é: quando vão tirar os 20 mil garimpeiros das terras yanomami? Quando vão tirar as seis mil cabeças de gado de dentro da terra indígena Uru-eu-uau-uau (em Rondônia), onde existem mais de mil cadastros ambientais rurais ilegais? A gente sabe, todos sabem o que está acontecendo. Todo mundo sabe que os garimpeiros estão nas terras indígenas, que o desmatamento está aumentando e que isso está afetando diretamente a nossa vida, que isso está levando à morte nossas populações. Então, por que não estamos fazendo nada? Tudo isso está ligado, são projetos de lei que querem acabar com nossas vidas, que visam somente o lucro”, destacou.
Barbárie x Esperança
Ao responder à Txai Suruí, que citou o lucro por trás do Pacote da destruição, e à Letícia Sabatella, que mirou na ganância e no acúmulo de riqueza, Jaques Wagner alertou que o mundo vive uma grande subversão, “em que a economia manda na política, quando a política deveria mandar na economia, entendendo a política como a arte de organizar os seres humanos no Planeta Terra. Então esta deveria ser a primazia da ordem. Mas o reinado é do sistema financeiro e da economia e os seres humanos que se submetam para se ajustar ao que o dragão financeiro determina”.
Se Jaques Wagner assinalou que “estamos vivendo uma crise civilizatória”, coube a Paulo Rocha (PT-PA) reforçar a importância da arte no enfrentamento da barbárie. O líder da bancada lembrou de outra conquista para a qual a parceria com a classe artística foi essencial.
“Quando eu era deputado federal, foi a presença desses artistas que nos permitiram aprovar uma lei contra o trabalho escravo, foi a visibilidade de artistas como Letícia Sabatella, Dira Paes, Camila Pitanga, Osmar Prado, que ficaram aqui nos corredores do Congresso, e essa mobilização fez com que aprovássemos esse projeto que hoje liberta milhares de trabalhadores. Então a presença dos artistas nesse ato contra o Pacote da Destruição é importante, não só porque emprestam sua consciência e sua mobilização, mas pela visibilidade que têm na sociedade para pressionar congresso a derrubar esse tipo de projeto. O nosso país precisa de outras leis no caminho do humanismo e da solidariedade e não da pregação do ódio e do envenenamento de nossa população”.