Em carta para Dilma, Suplicy lamenta veto ao projeto da linha de pobreza

Suplicy: não entendo a falta de atenção dos ministrosO senador Eduardo Suplicy (PT-SP), ao final de seus três mandatos consecutivos, não teve um de seus mais acalentados projetos aprovados pela Presidência da República. Seu Projeto de Lei nº 66, de 1999, que institui a linha oficial de pobreza e dá outras providências, foi desaprovado por três ministérios – Fazenda, Planejamento e Desenvolvimento Social – levando ao consequente veto pela presidenta Dilma Rousseff.

“O projeto é inteiramente consistente com o fim maior de seu governo de erradicar a miséria e a pobreza absoluta”, escreveu o senador, em mensagem enviada por e-mail ao Palácio do Planalto, acrescentando, ainda, que o projeto de lei, que durante 16 anos tramitou no Congresso, “é também compatível com o inciso III do Artigo 3º da Constituição que explicita: ‘Constitui objetivo fundamental da República Federativa do Brasil erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais’”.

O duplo acolhimento ao projeto, diz ainda o senador na mensagem, “de maneira alguma, contraria o interesse público, como foi mencionado na Mensagem Nº 467, de 30 de dezembro de 2014”.

Ao contrário dos argumentos apresentados pelos ministérios, prossegue Suplicy, os dispositivos do projeto considera, sim, políticas públicas voltadas à erradicação da pobreza, como o Programa Bolsa Família e o Plano Brasil Sem Miséria, as quais consideram linhas oficiais de pobreza para definir quais serão as famílias beneficiárias. “Da mesma forma”, reforça, “que os limites estabelecidos pelo Programa Bolsa Família não causam confusão com a política do salário mínimo, a linha oficial de pobreza definida pelo Governo não vai se constituir ‘em entrave’ à política do salário mínimo, como argumentaram os que apresentaram as razões do veto”.

O senador ainda lembra que seu projeto está condizente com o atual quadro fiscal, por não acarreta qualquer despesa para o governo, mas sim “estabelece o rendimento anual mínimo (que pode ser transformado em mensal ou diário) para a vida digna de uma família ou indivíduo e, o que é mais importante, que o Governo deve determinar metas de erradicação da pobreza ao longo de seu mandato”.

Para ele, faltou atenção aos formuladores do voto em contrário. “Se tivessem lido com maior atenção a justificativa do projeto”, contesta Suplicy, “teriam se deparado com as observações do Prêmio Nobel de Economia, James Tobin, que em 1970, escreveu: ‘A Guerra Federal contra a Pobreza, além de tudo o mais que foi realizado, estabeleceu uma medida oficial de pobreza nos Estados Unidos’”.

Para ele, a adoção de uma medida quantitativa específica, apesar de arbitrária e questionável, “terá consequências políticas duráveis e de longo alcance. As administrações serão julgadas pelo seu sucesso ou falha na redução da prevalência medida oficialmente. Enquanto uma família for encontrada abaixo da linha de pobreza, nenhum político será capaz de anunciar vitória na Guerra contra a Pobreza ou ignorar o conhecimento das obrigações da sociedade para com seus membros mais pobres. Se os ministros observarem outros países hoje, em especial os desenvolvidos, quase todos definem uma linha oficial de pobreza”.

Suplicy lembra ainda em seu protesto à Presidência da República que a própria ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), Tereza Campello, em sua apresentação “Brasil Sem Miséria: superação da extrema pobreza foi acompanhada de maior acesso a serviços e inclusão produtiva”, feita durante a 43ª. Reunião ordinária do Pleno do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), em 5 de junho de 2014, mencionou que o Brasil Sem Miséria “estabeleceu como extremamente pobres as pessoas com renda inferior a R$ 70, o equivalente a um valor de compra diário de US$ 1,25 por pessoa em cada país, seguindo parâmetro internacional definido pelo Banco Mundial, a partir de 2008. Esse valor foi reajustado em junho para R$ 77. Vossa Excelência mesmo tem se referido à linha de pobreza, R$ 154 mensais por pessoa, e de extrema pobreza, R$ 77”.

Outra publicação do mesmo MDS, assinala ainda Suplicy, chamada “A Linha de Extrema Pobreza e o Público-Alvo do Plano Brasil Sem Miséria”, ressalta que “uma das decisões basilares no desenho do Plano Brasil sem Miséria foi a definição da linha de extrema pobreza que nortearia toda a estratégia, com vários usos”.

Nesse trabalho, lembra ele ainda, são mencionadas as relevantes contribuições de Sônia Rocha e Ana Fonseca sobre como definir uma linha de pobreza.

“O bom senso seria que os ministérios ponderassem que o governo, através do Brasil sem Miséria, passou a adotar as recomendações do Projeto que institui a Linha Oficial da Pobreza, apresentado desde 1999, e que a definiu em dois níveis: o de pobreza absoluta e o de pobreza extrema. Poderá o seu governo, em sua próxima Mensagem ao Congresso Nacional, informar (1) qual a previsão de famílias e pessoas que terão superado aquelas duas linhas – feitos os devidos reajustes para levar em conta a variação nos índices de preços – (2) qual a previsão de data para que não haja qualquer família ou pessoa abaixo da linha de pobreza absoluta, e (3) quais os instrumentos de política econômica e social que contribuirão para o objetivo de erradicação da pobreza”.

Outra estranheza manifestada pelo senador à presidenta da República é que nenhum dos ministros que assinam o parecer contrário ao seu projeto “não tenham tido antes a atenção de conversar com o autor do projeto”. Além disso, acrescenta, a longa tramitação do projeto (dezeseis anos) “deu a todos os governos desse período toda a oportunidade de interagir com os congressistas para apresentar sugestões”.

Suplicy aponta ainda o apoio que seu projeto recebeu do Congresso. “Primeiro, o projeto foi aprovado por consenso no Senado. Depois, em sua tramitação na Câmara dos Deputados, o Governo teve a oportunidade de sugerir modificações que o tornaram mais simples. Quando finalmente, em 2014, o projeto modificado na forma de um substitutivo, que levou em conta as sugestões do Governo de Vossa Excelência, foi novamente votado no Senado, tendo sido aprovado por consenso nas Comissões de Constituição e Justiça, com parecer favorável do senador Pedro Simon (PMDB-RS), de Direitos Humanos, com parecer favorável do senador Anibal Diniz (PT-AC) e, finalmente, no Plenário em dezembro último, sem que a assessoria dos três ministérios tivesse apresentado qualquer objeção à forma mais simples que foi aprovada pela Câmara e que teve a minha concordância”.

O senador antecipa em sua mensagem que vai trabalhar para que o Congresso derrube o veto presidencial e não deixou de apontar que, durante a cerimônia de diplomação da presidenta Dilma Rousseff, reeleita, “ponderou achar justo” que fosse recebido na audiência que vem solicitando desde 2013, não desistindo de ser recebido até o final de seu mandato como senador, em 31 de janeiro próximo.

“Vossa Excelência disse a mim ‘é mais do que justo’ e assegurou-me que ela vai acontecer. Agora, além de tratar da sugestão para que crie um Grupo de Trabalho para estudar as etapas de como chegaremos um dia à Renda Básica de Cidadania, prevista em Lei, também quero conversar sobre a possibilidade de indicar aos líderes no Congresso a derrubada do veto ao projeto da linha oficial da pobreza”.

Colocando-se à disposição “no aguardo de seu chamado”, Suplicy despede-se com um “abraço amigo”, desejando à presidenta “um 2015 muito feliz e cheio de realizações para o bem do povo brasileiro”.

To top