Em debate no Senado, Paim condena adoções-relâmpago na Bahia

“O caso das cinco crianças de Monte Santo, retiradas à força de seus pais e entregues à adoção imediatamente acontecem todos os dias”. Assim a representante do Grupo de Apoio à Adoção Aconchego de Brasília Fabiana Gadelha resumiu a realidade das adoções suspeitas no Brasil. Juntamente com outros representantes de grupos de adoção e advogados especializados nesse tipo de causa, Gadelha participou de audiência pública promovida nesta terça-feira (06/11) pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) do Senado para debater processos suspeitos de adoção de cinco crianças na Bahia.

A reunião foi proposta pelo presidente da CDH, senador Paulo Paim (PT-RS). Dezoito pessoas foram convidadas para o debate, mas nem a metade delas compareceu, o que provocou estranheza no senador gaúcho. “Parece que parte da nossa sociedade não quer olhar para os filhos do Brasil”, disse.

Para Fabiana Gadelha, o que aconteceu com os filhos da lavradora Silvânia Mota da Silva – mãe das cinco crianças entregues para adoção em tempo recorde – apenas revela o imediatismo que cerca as pessoas que decidem adotar uma criança. “Crianças são vendidas, trocadas por reformas e outras coisas todos os dias porque as pessoas não querem esperar”, alertou. Ela acredita que só modificando a forma como as pessoas compreendem a adoção de uma criança, ilícitos como o que ocorreu na Bahia deixarão de ocorrer.

8160968593_feced1a4a3Para Sandra Amaral, do Grupo “de Volta para Casa”, a forma como as crianças foram arrancadas de suas casas é um crime. “Sinto nojo e vergonha de um agente da lei que age dessa maneira, porque tirar uma criança à força de um casal é um crime”, declarou.

Edilson Teodoro, advogado especializado no tema, acredita que é preciso haver uma fiscalização maior sobre os processos de adoção. “Há profissionais que não são humanos, que dirigem suas atitudes e seu trabalho por outros motivos que não são a promessa de lutar por justiça”, disse, referindo-se ao juiz da comarca de Monte Santo, que sequer determinou a destituição do pátrio poder dos pais da criança antes de determinar que as crianças fossem retiradas de sua casa.

“Tudo isso é muito estranho, porque de um lado temos esses processos-relâmpago de adoção, como o que ocorreu na Bahia e, de outro, processos que se arrastam por dez ou doze anos”, estranhou Paulo Paim.

Adoção- relâmpago
Os cinco filhos da lavradora Silvânia Mota da Silva foram levados irregularmente para adoção no município baiano de Monte Santo. Os pais das crianças só foram informados de que perderam a guarda dos filhos e que eles haviam sido entregue a outras famílias quando representantes do Conselho Tutelar tiraram dela as crianças.

A corregedoria do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) investiga se um juiz do interior baiano cometeu irregularidade ao autorizar que cinco crianças de uma mesma família de lavradores fossem retiradas da guarda dos pais e entregues para adoção a quatro casais de São Paulo. A investigação foi motivada pela suspeita de que uma quadrilha de traficantes de crianças estaria atuando no sertão da Bahia.

O juiz substituto da Vara Criminal do Fórum da Comarca de Monte Santo, Luiz Roberto Cappio Guedes Pereira, informou que anunciará, até o início de dezembro, sua decisão sobre o caso das cinco crianças. De acordo com o juiz, há irregularidades no processo, mas, antes de decidir, é precisos ouvir todas as partes, inclusive as crianças.

Na semana passada, Silvânia esteve na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara dos Deputados que investiga o tráfico de pessoas. Ela relatou como ficou sabendo que  os filhos foram levados: “Eu estava na rua e chegaram umas pessoas com um papel, dizendo que eu estava perdendo a guarda dos cinco meninos. Eles me pararam na rua e mandaram descer para o fórum. Aí, um casal chegou com uma carta e com a minha filha nos braços. Eu e meu pai ficamos do lado de fora da sala do fórum, acompanhados por um policial, para não entrar”, disse a lavradora, chorando. “Saí e, quando cheguei em casa, minha filha não estava mais. Comecei a chorar. Depois procurei a delegacia para fazer um atestado de pobreza. Fui ao Conselho Tutelar e ninguém me informava nada. Fui, falei com a promotora e ela disse que eu precisava de um advogado para ter informação sobre meus filhos”, acrescentou Silvânia.

O filho mais velho, que na época tinha 7 anos, chegou a fugir da casa do pai para não ser levado por representantes do Estado, lembrou a lavradora. “No dia 1º de junho de 2010, eu estava em casa e, quando abri a porta, chegaram carros do Conselho Tutelar. Eles entraram na minha casa e informaram que iam buscar meus filhos porque o juiz tinha autorizado a guarda provisória. Foram à casa do pai deles. Meu filho fugiu e chegou em casa correndo, pedindo para que eu escondesse ele.”

 

Acompanhamento

A Secretaria de Direitos Humanos da Presidência acompanha de perto o caso.
De acordo com a secretaria, além do tempo recorde em que todo o processo foi concluído, as crianças não chegaram a ser inscritas nos cadastros estadual ou nacional de adoção. Além disso, ao autorizar que as crianças fossem entregues a famílias paulistas, o ex-juiz da Comarca de Monte Santo (BA), Vitor Xavier Bizerra, não teria respeitado a ordem de inscrição, nestes mesmos cadastros, das famílias interessadas em adotar um filho. A secretaria ainda está apurando se as quatro famílias constam das relações de interessados na adoção de crianças.

Em uma nota técnica divulgada no dia 18 de outubro, a Secretaria de Direitos Humanos lembra que, além de estabelecer que o fato de uma família ser pobre não justifica a perda da guarda, a legislação brasileira determina que, em casos extremos, todos os recursos possíveis para garantir a manutenção das crianças junto de suas famílias devem ser esgotados antes que a retirada da guarda seja autorizada.

Mesmo quando a perda ou a suspensão do poder familiar é necessária, a adoção depende do consentimento dos pais ou representante legal e a própria criança com mais de 12 anos tem que ser consultada. No caso de Monte Santo, o juiz não só não ouviu os pais, como não consultou nenhum outro parente das crianças, impossibilitando com isso que elas permanecessem junto a sua família natural, conforme a lei. O Ministério Público também não foi ouvido durante o processo.

Ao autorizar a adoção por quatro diferentes famílias, Bizerra também violou o artigo do ECA que veda a separação de irmãos por serem os vínculos entre grupos de irmãos protegidos por lei.

O juiz, que não tem concedido entrevistas sobre o caso, chegou a afirmar ter se baseado em um parecer técnico de uma assistente social que teria alegado que os pais das crianças eram negligentes, deixando de encaminhá-las à escola. De acordo com a secretaria, os conselheiros tutelares do município já informaram não ter encontrado nenhuma irregularidade ao visitar a família.

Giselle Chassot, com informações de agências de noticias

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