A CPI da Covid ouviu nesta quinta-feira (7) dois relatos comoventes de práticas criminosas praticadas pela rede Prevent Senior ao longo da pandemia. O médico Walter Correa de Souza Neto, ex-funcionário da rede, confirmou a denúncia trazida ao colegiado de que a operadora de saúde havia determinado como norma institucional o uso de medicamentos ineficazes para o tratamento de pacientes de Covid-19, cassando completamente a autonomia dos médicos que atuavam para a rede.
O protocolo institucional passou a valer entre março e abril do ano passado, segundo o médico. O período coincide com o estudo de cloroquina feito pela operadora em pacientes, entre os dias 26 de março e 4 de abril.
Walter relatou, até mesmo, ter sido impedido pelos seus superiores de usar máscara de proteção no começo da pandemia da Covid-19, no início do ano passado.
Segundo ele, a coordenadora que o obrigou a retirar o equipamento de proteção, Paola Werneck, é a mesma que, em conversa de WhatsApp mostrada pela CPI nesta quarta (6), orientou um médico a prescrever cloroquina, mesmo em casos de sintomas leves, como “espirro”. “Espirrou, toma. Os resultados estão ótimos. Bora prescrever”, escreveu.
“O Conselho Federal de Medicina é outro envolvido nessa trágica ocorrência. Passou de uma instituição representativa de classe para um balcão governista de classe que empenhou a saúde do povo para satisfazer a ideologia governante. Está mais do que provado que o argumento da suposta autonomia do médico não existe. Em alguns casos, claramente, o médico era coagido a receitar medicamento sem eficácia desprovido de qualquer suporte de quem deveria protegê-los”, disse o senador Jean Paul Prates (PT-RN).
“O senador Renan [Calheiros (MDB-AL), relator da CPI] já homenageou o presidente do Conselho Federal de Medicina colocando-o como investigado por essa CPI, mas nós temos elementos para indiciá-lo por omissão nesse processo da pandemia”, enfatizou o senador Humberto Costa (PT-PE).
O outro depoente do dia, o senhor Tadeu Frederico de Andrade, sofreu na pele com a política negacionista da empresa. Ele afirmou ter recebido em casa os medicamentos do kit covid após uma consulta de dez minutos por telemedicina. Após alguns dias e com o quadro agravado, procurou o hospital e, com a piora do quadro, acabou sendo internado e intubado.
Na internação, teve administrado em seu organismo medicamentos como a flutamida, indicado para tratamento de câncer de próstata, além dos medicamentos do kit Covid. De acordo com Tadeu, a flutamida foi administrada sem a autorização da família.
“Não foi dito a ele, nem à sua família e foi usado nele a flutamida. Veja a gravidade, estamos confirmando a gravidade de tudo que foi dito por várias pessoas que fizeram denúncias aqui”, disse o senador Humberto Costa.
Após ser intubado, Tadeu informou que integrantes da equipe da Prevent Senior passaram a abordar membros da sua família para tentar convencê-los a desligar os equipamentos da UTI e enviá-lo para uma unidade de cuidados “paliativos”.
“Fiquei 30 dias na UTI. Uma das minhas filhas recebeu um telefonema informando que passaria a ter cuidados paliativos, no leito híbrido. Felizmente, minha filha não concordou. Duas horas depois, a mesma médica iniciou os tratamentos paliativos e recomendou o fim da hemodiálise. No prontuário, ela escreveu que a minha filha concordou. Era mentira”, afirmou.
Tadeu afirmou que a sua família precisou contratar um médico particular para dar sequência ao tratamento e, se não fosse a insistência da sua família, “ele estaria morto”.
O médico Walter Correa relatou ainda que, em determinadas situações, profissionais de enfermagem exerciam funções de médicos e ministravam o “kit Covid” a pacientes em unidades da Prevent Senior. “Havia enfermeiros atendendo os pacientes como se fossem médicos, e os doutores só carimbavam. Virou uma produção em série de distribuição de kit [covid], não havia mais avaliação. Se chegasse com sintoma gripal, tomava o kit e ponto. Uma prática inadequada e até criminosa”, enfatizou.
O presidente Jair Bolsonaro chegou a defender em suas redes sociais os estudos fraudulentos realizados pela Prevent Senior para justificar a eficácia da cloroquina nos pacientes da Covid-19. Bolsonaro chegou a dizer em suas redes sociais que o estudo da Prevent Senior, que seria publicado “em breve”, reduziu a “zero” o número de óbitos em pacientes que optaram pelo tratamento com cloroquina.
“Nós temos, hoje, a materialização de tudo aquilo que a CPI combateu durante cinco meses. A CPI provou que o presidente Bolsonaro se tornou um fator de risco para o povo brasileiro, estimulou as pessoas a se contaminarem”, apontou o senador Rogério Carvalho (PT-SE).
Convocação de Marcelo Queiroga
A CPI aprovou requerimento para a terceira convocação do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga. O depoimento está marcado para o próximo dia 18 de outubro, véspera da leitura do relatório final.
A decisão foi motivada após notícia de que a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (Conitec), órgão do Ministério da Saúde, retirou de pauta a análise de um estudo de especialistas contra o uso de cloroquina, ivermectina e azitromicina em pacientes de Covid-19 por interferência de Jair Bolsonaro.
“É muito preocupante a informação de que o presidente teria pressionado o Ministério da Saúde a retirar de pauta da reunião da Conitec o parecer de um infectologista acerca da utilização da cloroquina. Parafraseando o próprio presidente, ‘não há nada que esteja tão ruim que não possa piorar’”, criticou o senador Humberto Costa.
Queiroga também não respondeu questionamentos enviados pela CPI na última terça-feira (5) que visavam esclarecer, entre outras coisas, qual será a estratégia de vacinação do governo federal para o próximo ano.