tragédia yanomami

Enquanto cuida da saúde indígena, país busca culpados pelo caos

Polícia Federal investiga mercado que lucra com ouro ilegal às custas de vidas yanomami; líder do PT tem projeto para coibir comércio sujo
Enquanto cuida da saúde indígena, país busca culpados pelo caos

Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Um mês depois da decretação de Emergência em Saúde Pública e da criação de um comitê nacional para cuidar dos yanomami em Roraima, o número de atendimentos médicos já passa de 5 mil. Em trabalho coordenado, ministérios como o da Saúde, dos Povos Indígenas, das Forças Armadas, do Meio Ambiente e da Justiça e Segurança Pública têm atuado para salvar crianças e adultos da desnutrição grave e de doenças como a pneumonia e a malária, assim como para restaurar postos de assistência aos indígenas abandonados pelo governo anterior. Esses males, e a omissão governamental dos últimos anos, tiraram a vida 570 crianças yanomami.

Os mais de 28 mil yanomami que habitam aldeias em Roraima, formando a maior Terra Indígena (TI) do país, viveram o inferno com a explosão do garimpo ilegal nos últimos anos. Estima-se que mais de 20 mil garimpeiros invadiram esse território, tomaram pistas de pouso comunitárias, queimaram postos de saúde, roubaram remédios, estupraram e mataram, envenenaram rios com mercúrio e outras substâncias tóxicas, afugentaram a caça e aliciaram indígenas com álcool e prostituição.

Tudo sob a leniência e o apoio do governo Bolsonaro, que estimulou o garimpo ilegal e desmontou as estruturas de proteção ambiental e indígena. O resultado foi que em 2021 essa atividade criminosa teve a maior expansão em 36 anos, conforme a organização Mapbiomas. Os garimpeiros ilegais devoraram 15 mil hectares num único ano; 1.556 deles em terras yanomami.

Respeito à lei
Em janeiro, o presidente Lula afirmou que “é importante as pessoas saberem que esse país mudou de governo e o governo agora vai agir com a seriedade no tratamento do povo que esse país tinha esquecido”. Isso inclui respeito a determinações do Ministério Público, que há mais de ano pediu ações contra o garimpo ilegal nas terras yanomami. Também significa apurar a responsabilidade sobre o caos. O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, determinou a abertura de inquérito para investigar crimes ambientais e de genocídio na TI Yanomami. E a Procuradoria-Geral da República analisa representação criminal protocolada por parlamentares do PT contra Bolsonaro e Damares Alves.

Em entrevista ao canal Opera Mundi, nesta quinta-feira (23), Flávio Dino afirmou que a indústria que lucra com o ouro ilegal das terras yanomami existe há muito tempo, e que o Estado agora está cumprindo seu papel de combater o crime na região.

“Não havia operação contra ouro ilegal no Brasil, e isso levou ao crescimento criminoso do garimpo ilegal na Amazônia. Porque a PF estava de mãos amarradas, uma vez que o discurso do governo [Bolsonaro] era exatamente de destruir, contaminar, matar, exterminar os indígenas. Então esse exemplo mostra o quanto a mudança estrutural já produz resultados”, explicou, sustentando que o governo Lula está corrigindo e ampliando a eficiência das polícias. Ainda segundo o ministro, as investigações vão mostrar quem são os financiadores desse crime que lavam o ouro ilegal no mercado financeiro.

Algumas dessas denúncias foram feitas pela Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado, que esteve em Roraima em maio do ano passado. Para o presidente do colegiado, Humberto Costa (PT-PE), falta reunir as provas para apontar quem são esses criminosos.

“Quando estivemos em Roraima se dizia à boca pequena quem eram os grandes beneficiários e os grandes financiadores daquelas atividades ilegais. Tem que encontrar as provas para confirmar, mas é evidente que há participação de empresários, é evidente que há participação de políticos e é evidente que existe a participação do crime organizado”, afirmou o senador.

Combate à lavagem
Afora a ação policial, é possível esmagar esse comércio pela mudança na legislação. É o que prega o líder do PT no Senado, Fabiano Contarato (ES), autor de projeto de lei (PL n° 836/2021) que cria um sistema de controle público sobre o comércio de ouro, hoje feito praticamente sem fiscalização, um incentivo a práticas criminosas.

Entre outras mudanças, a proposta obriga o vendedor a apresentar documento sobre a origem legal do minério, impedindo o comércio de ouro originário de terras indígenas, e proíbe instituições do Sistema Financeiro Nacional de adquirir ouro sem essa comprovação. Além disso, o texto torna transparentes e acessíveis à sociedade essas transações.

Com o novo governo e a pressão social contra o crime que subtrai vidas indígenas, o líder do PT espera que seu projeto, que já tem quase dois anos, seja logo analisado.

“Faço um apelo público para que o Senado vote meu projeto de lei que combate a cadeia de venda de ouro ilegal extraído em garimpos. Como disse Victor Hugo, nada é mais poderoso do que uma ideia que chegou no tempo certo. A hora é agora”, reforçou Contarato.

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