A PEC 86, que amplia os benefícios trabalhistas dos empregados domésticos, ainda gera dúvidas entre os principais beneficiados, os empregados domésticos, e também entre os empregadores, que temem o peso das mudanças nas contas da casa. Para entender melhor o impacto dessas mudanças, a Agência Senado ouviu o consultor legislativo Eduardo Modena, que falou sobre o que, na prática, significa o texto. “Vai representar pouco em termos de remuneração e não vai melhorar o problema principal, que é o da informalidade. Não dá para dourar a pílula nesse aspecto”, afirma.
Como questão mais polêmica, o consultor cita o controle da jornada de trabalho. Se antes os empregados domésticos não tinham duração do trabalho definida, agora passam a ter direito a uma jornada máxima de 44 horas semanais e não superior a oito horas diárias. Além disso, passam a receber horas extras, que devem ser remuneradas com valor pelo menos 50% superior ao normal.
FGTS
Outro ponto que gera dúvidas entre empregadores e empregados é o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), que deve gerar o maior aumento de custo para o empregador. O valor a ser recolhido mensalmente é de 8% do salário do empregado, que poderá receber o valor acumulado nas hipóteses previstas em lei.
Apesar de o texto condicionar o pagamento do FGTS a regulamentação, Eduardo Modena diz considerar que a aplicação é imediata. O assunto, para ele, já está regulamentado porque o pagamento do FGTS ao empregado doméstico hoje é uma opção prevista em lei e tem a sistemática estabelecida. A diferença, com a PEC, é que o recolhimento passa a ser obrigatório. No entendimento do consultor, os depósitos devem começar a ser feitos assim que as mudanças entrarem em vigor, se a PEC for aprovada.
O depósito do FGTS se relaciona diretamente a outros direitos, como o seguro-desemprego, pago a quem tem inscrição no fundo em caso de demissão involuntária (contra a vontade do trabalhador). Há, ainda, a multa paga pelo empregador que demitir sem justa causa o empregado. Atualmente, os domésticos não têm direito ao recebimento. Com as mudanças, poderão receber o equivalente a 40% do valor acumulado na conta do FGTS, valor pago pelo empregador.
Outras mudanças
Apesar de algumas mudanças trazerem resultados práticos ao trabalhador, outras alterações, na opinião do consultor, não devem ser sentidas. É o caso, por exemplo, das que dependem de acordos coletivos. Segundo Modena, há poucas entidades representativas dos empregados domésticos e ainda menos entidades que representam os empregadores.
Outros direitos, de acordo com o consultor, também não devem ser sentidos porque já são assegurados, como a proibição do trabalho a menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz. A prática já é vedada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Da mesma maneira, a proteção do salário, constituindo crime a sua retenção dolosa, já se aplica aos trabalhadores domésticos.
Quanto às mudanças que dependem de regulamentação, caso do salário-família pago em razão de dependentes dos trabalhadores de baixa renda e do seguro contra acidentes de trabalho, é possível que as mudanças demorem a ser sentidas pelos domésticos. Algumas delas, como o auxílio-creche, não são aplicáveis, por exemplo, aos microempresários e poderiam representar um custo muito alto ao empregador doméstico.
A regulamentação provavelmente vai ser no sentido de que isso é devido pelo Estado. Para o empregador doméstico, representaria uma despesa gigantesca e isso seria fatal para a categoria.
Direitos
Atualmente, o trabalhador doméstico tem apenas parte dos direitos garantidos pela Constituição aos trabalhadores em geral. Alguns dos direitos já garantidos são salário-mínimo, décimo-terceiro salário, repouso semanal remunerado, férias, licença-gestante e licença-paternidade, aviso prévio e aposentadoria. Veja aqui os novos direitos que a PEC pode garantir aos empregadores domésticos.
Direitos assegurados sem necessidade de regulamentação:
– Garantia de salário, nunca inferior ao mínimo, para os que percebem remuneração variável – Na prática, não deve haver mudança, já que os trabalhadores domésticos não costumam ter remuneração variável, como os garçons e vendedores, por exemplo.
– Proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa – Na prática, segundo o consultor, o direito já é aplicado aos trabalhadores domésticos.
– Duração do trabalho normal de até 8 horas diárias e 44 semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada por acordo ou convenção coletiva – A mudança é uma das mais polêmicas, principalmente no caso dos trabalhadores que dormem no serviço. Quanto aos acordos, dificilmente haverá resultados práticos pela falta de entidades representativas de empregados e empregadores.
– Remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em 50% à do normal – Também deve gerar ônus aos empregadores, já que muitos exigem do empregado o trabalho em jornadas maiores.
– Redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança – Como o texto é genérico, o consultor acredita que não deve haver muitas mudanças práticas, principalmente porque o trabalho doméstico não é de alto risco.
– Reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho – Também não deve trazer mudanças, já que há poucas entidades representativas de empregados e empregadores.
– Proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil – Para o consultor, será difícil provar a discriminação, principalmente no caso da diferença de salários porque, em geral, a maioria das casas não tem mais de um trabalhador doméstico.
– Proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência – Segundo o consultor, também não deve gerar mudanças perceptíveis.
– Proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de 14 anos – Na prática, o Estatuto da Criança e do Adolescente já prevê essa proteção, segundo Eduardo Modena.
Direitos que dependem de regulamentação:
– Relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, com indenização compensatória – Esse direito nunca foi regulamentado, mas há o direito assegurado ao trabalhador do recebimento de multa paga pelo empregador no valor de 40% do acumulado na conta do FGTS em caso de dispensa involuntária. Para o consultor, a aplicabilidade, neste caso, é imediata.
– Seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário – Pago com recursos do FAT, o seguro é devido a inscritos no FGTS que são demitidos. Não gera ônus ao empregador.
– Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) – Pago pelo empregador no valor de 8% do salário do empregado, que poderá receber o valor acumulado nas hipóteses previstas em lei. Para o consultor, a aplicabilidade é imediata porque já há regulamentação.
– Remuneração do trabalho noturno superior à do diurno – Segundo o consultor, o item ainda depende de regulamentação para a fixação dos percentuais aos domésticos. Por lei, trabalho noturno, nas atividades urbanas, é o realizado entre as 22h e as 5h.
– Salário-família pago em razão do dependente do trabalhador de baixa renda nos termos da lei – Dependendo da forma de regulamentação, pode gerar elevação de custos insustentável para o empregador doméstico. Para o consultor, é possível que sejam criadas alternativas como o pagamento pelo governo.
– Assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até 5 anos de idade em creches e pré-escolas – Também pode gerar elevação de custos insustentável para o empregador doméstico. Para o consultor, é possível que sejam criadas alternativas como o pagamento pelo governo.
– Seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa – Varia entre 1% e 3% do valor do salário de acordo com o risco. Ainda precisa ser regulamentado pelo governo. Quanto à indenização, na prática, já era devida.
Com informações da Agência Senado