Burocracia

Exame final pode reduzir novos registros de médicos no País

Para representantes de instituições de ensino, avaliação deve ser constante e não restrita a uma prova final
Exame final pode reduzir novos registros de médicos no País

Foto: Alessandro Dantas

Uma prova final para médicos recém-formados simplifica e não resolve os problemas da saúde no país. A afirmação foi feita por representantes de instituições de ensino em medicina, nesta terça-feira (20), durante audiência pública na Comissão de Educação, Cultura e Esporte (CE) do Senado.

O tema do debate foi o projeto que torna obrigatório um exame para recém-formados em medicina exercerem a profissão (PLS 165/2017). Associada a um decreto do governo Michel Temer suspendendo a publicação de novos editais para criação de cursos de medicina durante cinco anos, a proposta pode reduzir o registro de novos médicos no país.

Para os debatedores na audiência da CE, as duas ações são consideradas como lobby das entidades médicas para evitar o aumento da concorrência.

“Existe a construção para criar um exame que, ao ver das entidades, não busca aferir a qualidade do curso e, sim, algo que o Conselho Federal de Medicina faz que é conhecido como reserva de mercado”, afirmou Daniel Cavalcante da Silva, do Fórum das Entidades Representativas do Ensino Superior Particular.

“Com o sistema de saúde que temos no Brasil, é impossível você ter condições do médico atender adequadamente. Não quer dizer necessariamente que o problema seja do médico. As dificuldades são muito mais amplas e vejo uma tentativa de simplificá-las”, acrescentou.

O aumento das vagas nos cursos de medicina no Brasil vem sendo possível graças à Lei 12.871 de 2013, conhecida como Mais Médicos e lançada durante a gestão Dilma Rousseff. A legislação visa diminuir a carência de profissionais da saúde em determinadas regiões do país – como no Norte, onde a densidade de médicos por habitante é quase três vezes menor que a do Sudeste.

Atualmente, o Brasil tem 329 cursos de medicina, boa parte abertos após o Mais Médicos. Com isso, o Brasil saltou de um patamar de 17.267 novos médicos formados em 2012 para um potencial de formar 29.996 profissionais por ano.

Prova polêmica

O PLS 165/2017 é polêmico. Propõe a prova em uma única etapa, realizada duas vezes ao ano, pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), em formato semelhante a feita pelos bacharéis de direito no exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Para Hermila Guedes, diretora executiva da Associação Brasileira de Educação Médica, é preciso qualificar a avaliação de jovens médicos e não a reduzir essa análise a uma prova.

“Fazer prova como a da OAB só se avalia conhecimento. Às vezes o médico é excelente em conhecimento técnico, mas lhe falta habilidade. Médico precisa ser pessoa muito qualificada. Precisa ter conhecimento, sim. Mas para muito além disso, precisa ter habilidade e atitude”, disse.

Os críticos da proposta alegam ainda que o exame final deixa de avaliar aspectos da formação do estudante.

Gustavo Di Lorenzo, da Direção Executiva Nacional dos Estudantes de Medicina, citou como exemplo uma avaliação da Comissão Interinstitucional de Avaliação do Ensino Médico (Cinaem). O levantamento apontou que médicos formados atingiam 45% da qualificação desejada e que o corpo docente e modelo pedagógico são variáveis que resultam nessa inadequação.

Voto em separado

Os senadores Humberto Costa (PT-PE), que é médico, e Fátima Bezerra (PT-RN) apresentaram voto em separado pela rejeição do PLS 165/13. Um dos motivos é que a resolução que regulamenta a Lei do Mais Médicos já estabelece uma avaliação específica para estudantes de medicina.

O voto destaca ainda uma resolução do próprio Conselho Federal de Medicina (nº 2.13/15) vedando a realização de exames pelos conselhos regionais, de caráter obrigatório, como exigência para registro ou inscrição do profissional médico.

“O CFM, conforme matéria publicada em seu portal eletrônico, desconhece estudos ou evidências científicas que comprovem a eficácia da aplicação de exames de fim de curso para avaliar a capacidade ou o grau de conhecimento adquirido por egressos de escolas médicas”, diz o texto.

Relatório pela rejeição

O PLS seria analisado somente na Comissão de Assuntos Sociais (CAS), onde foi apresentado relatório — ainda não votado — pela rejeição. O texto, elaborado pelo senador e médico Otto Alencar (PSD-BA), advertiu que a matéria tem caráter paliativo, “uma vez que não há propostas para resolver a causa principal do problema que se quer atingir, a formação médica de baixo nível”.

Porém, o autor do projeto, senador Pedro Chaves (PSC-MS), apresentou requerimento para a avaliação da matéria também na CE. O relator na comissão, senador e também médico Ronaldo Caiado (DEM-GO), apresentou relatório favorável. De acordo com Caiado, também formado em medicina, a iniciativa pode mitigar o problema da má formação de novos profissionais.

Pelas regras do projeto, os recém-formados só poderão se inscrever no Conselho Regional de Medicina (CRM) após aprovação em teste de proficiência que avalie suas competências éticas e cognitivas e habilidades profissionais.

A proposta é que a prova seja realizada duas vezes ao ano, em uma única etapa, pelo Conselho Federal de Medicina (CFM). As novas regras, no entanto, não seriam aplicadas aos médicos que já estão inscritos no CRM e aos estudantes que ingressaram no curso de medicina antes da publicação da lei.

 

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