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Ernesto Araújo tenta apagar passado de ataques à China

Em depoimento à CPI da Covid, ex-chanceler tenta diminuir impacto do prejuízo causado pela política internacional do governo Bolsonaro na tragédia que se transformou a pandemia no Brasil. “A política externa do nosso país sabotou a estratégia do isolamento social, da vacinação e da cooperação internacional”, resumiu Humberto Costa
Ernesto Araújo tenta apagar passado de ataques à China

Foto: Alessandro Dantas

O ex-ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, tentou proteger Jair Bolsonaro em seu depoimento à CPI da Covid, nesta terça-feira (18), mas deixou explícito ao longo de suas manifestações as falhas cometidas pelo governo durante a gestão da pandemia, principalmente no que tange aos ataques feitos à China, principal parceiro comercial do País, e no desinteresse com que o governo brasileiro agiu na busca por vacinas e insumos.

Na avaliação do senador Humberto Costa (PT-PE), a gestão de Ernesto Araújo à frente do Ministério de Relações Exteriores estava alinhada com a política de disseminação do vírus defendida por Bolsonaro e, assim, alcançar a chamada imunidade de rebanho, quando cerca de 70% da população obtém imunidade naturalmente se expondo à doença.

Foto: Alessandro Dantas

“O desinteresse em conseguir vacina, em conseguir insumos, é um braço dessa política externa. Sabotaram o tempo inteiro a relação do Brasil com a China. Assim, enquanto o mundo estava fechado, a gente tinha que ir para rua para não seguir a esse intento que os ‘comunistas’ queriam impor ao nosso país. Por isso, a política externa do país sabotou a estratégia do isolamento social, da vacinação e da cooperação internacional. E hoje estamos vivendo essa tragédia sanitária, econômica e social”, criticou o senador Humberto.

Ataques à China
O ex-ministro negou que tenha causado qualquer atrito com a China e que isso tenha dificultado a aquisição de vacinas para o Brasil. Segundo Ernesto Araújo, o Itamaraty acompanhou os trâmites burocráticos dos insumos para as vacinas, mas não identificou nenhuma correlação entre atraso dos insumos e declarações do governo brasileiro.

O presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM) chegou a interromper as perguntas que o relator, Renan Calheiros (MDB-AL), fazia para Ernesto e alertou o ex-ministro que ele estava sob juramento de falar somente a verdade na CPI. “Na minha análise pessoal, Vossa Excelência está faltando com a verdade. Eu peço que não faça isso”, disse Aziz.

Humberto Costa chegou a destacar que o Brasil, por meio de Araújo, após críticas de Eduardo Bolsonaro à China, chegou a fazer gestões pela troca do embaixador chinês no Brasil. Esse tipo de ação, pontuou o senador, caracteriza uma ofensa diplomática e fere a liturgia de não-interferência na política internacional de um outro país.

Humberto ainda lembrou que o ex-ministro da saúde Luiz Henrique Mandetta relatou à CPI que precisou fazer uma reunião na Opas com o embaixador da China porque o filho do presidente da República, Eduardo Bolsonaro, não queria permitir que ele [Mandetta] fizesse essa reunião no Palácio do Planalto para discutir a compra de equipamentos e insumos para o enfrentamento da pandemia.

Ernesto Araújo ainda admitiu que o Ministério das Relações Exteriores não se envolveu nas negociações para a compra da vacina Coronavac, primeira a ser aplicada em solo nacional. “Quero lembrar que até abril 85% de toda vacina no Brasil veio da China, a despeito do senhor”, disse a senadora Katia Abreu (PP-TO).

Reflexos dos ataques
O senador Rogério Carvalho (PT-SE) afirmou que o Brasil enfrenta, atualmente, dificuldades na aquisição do Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA) necessário para a produção da Coronavac e da vacina da AstraZeneca/Oxford pelos institutos Butantan e Fiocruz em decorrência das declarações críticas de membros do governo Bolsonaro à China.

Foto: Alessandro Dantas

“Não falta matéria-prima para vacina em países que não atacaram a China. Não está faltando IFA no México, não está faltando IFA no Chile. O Chile está vacinando a população com 32 e 33 anos. Sabe por quê? Porque a relação diplomática desses países respeita a autonomia e a autodeterminação dos povos. Porque a diplomacia desses países tem um grau de neutralidade para garantir que o interesse do país seja ouvido e seja acolhido por outras nações. Nós não temos IFA, neste momento, por conta de declarações”, acusou Rogério.

A expectativa do Ministério da Saúde é que o Brasil receba da China um novo lote de IFA até 25 de maio. O Instituto Butantan está com a fabricação suspensa por falta de insumos desde quarta-feira (12).

Bolsonaro orientou compra de cloroquina
Ernesto Araújo confirmou à CPI que Jair Bolsonaro atuou na estratégia internacional para garantir a compra de cloroquina para o Brasil no início da pandemia.

Na época, o Itamaraty foi mobilizado para adquirir os insumos para a produção do medicamento, que não possui comprovação científica no tratamento da Covid-19. De acordo com o ex-ministro, houve um pedido do Ministério da Saúde para a aquisição e produção do fármaco, que estava com estoque reduzido.

“Houve, não foi exatamente um pedido para implementar esse pedido no Ministério da Saúde, mas o presidente da República em determinado momento pediu que o Itamaraty viabilizasse um telefonema dele com o primeiro-ministro [da Índia]”, disse.

O relator da CPI, senador Renan Calheiros questionou se houve a participação direta de Bolsonaro nas tratativas e Ernesto Araújo confirmou que “sim”.

Responsabilidades do Ministério da Saúde
O ex-chanceler disse aos senadores que foi do Ministério da Saúde a decisão de optar pela quantidade mínima de doses no consórcio Covax Facility. O acordo do governo brasileiro com o consórcio prevê 42 milhões de doses – o que atende 10% da população, considerando as duas doses.

No entanto, havia a opção de aderir ao contrato garantindo doses para 50% da população. “Essa decisão não foi minha. Foi do Ministério da Saúde, dentro da sua estratégia de vacinação”, afirmou.

O senador Humberto Costa destacou o fato de o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, próximo convocado da CPI, ter muito a explicar aos senadores em seu depoimento.

“O grande responsável por tudo se chama [Eduardo] Pazuello. Ninguém fez nada nesse governo. Foi o Pazuello. Foi o ministro da Saúde, foi o ministro da Saúde. Amanhã ele precisa responder. E vai ser difícil olhar para o Pazuello e não enxergar o presidente Bolsonaro ali sentado. Tudo que ele fez, ele deixou claro que ‘um manda, o outro obedece’. Então, se não comprou 30% ou 50% [de vacinas] do Covax Facility, Bolsonaro. Se criou problema na relação com a China, Bolsonaro. É isso que vamos ter que escrever no nosso relatório”, enfatizou o senador.

Carta da Pfizer
O ex-chanceler Ernesto Araújo afirmou aos senadores que tinha conhecimento da carta enviada ao governo brasileiro em setembro do ano passado pela Pfizer sobre a proposta de venda de vacinas ao Ministério da Saúde e que estava sem resposta por parte do Brasil.

Ernesto explicou aos senadores que, dois dias após o recebimento da correspondência, em 14 de setembro, foi informado sobre o documento pelo embaixador do Brasil para os Estados Unidos. Araújo não soube explicar os motivos que levaram o governo Bolsonaro a deixar a correspondência da farmacêutica sem resposta por dois meses.

“O Brasil está de cabeça para baixo. Estamos discutindo uma carta que comprova que durante meses o governo não teve iniciativa, competência para comprar milhões de doses de vacinas que foram oferecidas ao Brasil. Não é uma discussão de carta ou cloroquina. Quantas vidas teriam sido salvas se tivéssemos começado a vacinação em dezembro? É isso que está em discussão”, questionou Humberto.

O senador ainda classificou como “obscuro” o negócio da compra da vacina da farmacêutica Pfizer ser conduzida no Brasil pelo ex-secretário especial de comunicação da Presidência, Fabio Wajngarten, em detrimento da “expertise” do Ministério da Saúde e da colaboração que o Ministério das Relações Exteriores poderia dar nas tratativas de acordos internacionais.

“O Ministério da Saúde tem uma expertise histórica na compra de medicamentos, vacinas, montagem de programas com compras internacionais. O secretário de comunicação do governo que recebe autorização do presidente para negociar um contrato bilionário de vacinas. Ele [Ernesto] foi nos Estados Unidos receber 2 milhões de comprimidos de cloroquina que os norte-americanos estavam desovando, mas não foi capaz de participar dessa negociação da Pfizer. Esse negócio é muito obscuro”, criticou o senador.

O gerente-geral da Pfizer para a América Latina, Carlos Murillo, afirmou aos senadores em depoimento à CPI da Covid na última quinta (13) que as primeiras reuniões com o governo brasileiro para discussão sobre a aquisição do imunizante produzido pela empresa começaram ainda no mês de maio de 2020. À época, Murillo era representante da Pfizer no Brasil.

A partir de maio, o governo Bolsonaro recebeu ao menos cinco outros contatos da Pfizer com outras ofertas de vacinas. Pelo menos três das propostas apresentadas ao governo brasileiro previam 70 milhões de doses, com entrega a partir de dezembro de 2020, com 1,5 milhão de doses. Murillo, na oportunidade, afirmou que o Brasil não rejeitou, mas também não aceitou comprar a vacina.

 

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