No dia seguinte ao Dia do Índio, a Comissão de Direitos Humanos (CDH) discutiu as agressões aos direitos dos povos indígenas durante a ditadura militar (1964-1985) relatados no livro: “Os fuzis e as flechas – História de sangue e resistência indígena na ditadura”.
A conclusão dos palestrantes é de que práticas realizadas pelo regime de exceção ainda hoje perseguem os povos indígenas, principalmente no que tange ao desrespeito a sua cultura e sua tradição e a ausência de investimentos por parte do poder público em ações voltadas aos índios como, por exemplo, a ampliação da demarcação de terras.
“A ditadura militar apesar de ter se encerrado a mais de 30 anos, ela continua muito presente, principalmente quando se trata do Congresso Nacional quando somos impedidos de entrar com um adereço que é nosso símbolo. Três lideranças não puderam participar da audiência por estarem com um maracá [chocalho indígena]. Como dizer que superamos a ditadura se um maracá que é um instrumento sagrado dos nossos rituais não pode entrar na ‘Casa do Povo’? “, criticou Sônia Guajajara, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB).
A senadora Regina Sousa (PT-PI), presidenta da CDH, também se mostrou indignada com o fato de líderes indígenas terem sido impedidos de adentar ao Senado por conta de um artefato cultural. “Se chega uma pessoa de terno e gravata, ela entra. Como se a gravata não fosse uma arma. Essa ocasião mostra o preconceito ainda presente. Não é possível que a casa do povo continue proibindo o povo de entrar”, lamentou.
Rubens Valente, jornalista autor do livro, relatou que várias recomendações da Comissão Nacional da Verdade (CNV), concluída em 2014, ainda não foram efetivadas.
Dentre as medidas propostas pela CNV estão a instalação de uma Comissão Nacional Indígena da Verdade, exclusiva para o estudo das graves violações de direitos humanos contra os povos indígenas, visando aprofundar os casos não detalhados no presente estudo e a proposição de medidas legislativas para alteração da Lei no 10.559/2002, de modo a contemplar formas de anistia e reparação coletiva aos povos indígenas.
Outra recomendação da CNV, ainda ignorada pelo Estado brasileiro, é um pedido público de desculpas aos povos indígenas pela usurpação das terras indígenas e pelas demais violações de direitos humanos ocorridas sob sua responsabilidade direta ou indireta no período investigado, visando a instauração de um marco inicial de um processo reparatório amplo e de caráter coletivo a esses povos.
“Esse pedido de desculpas não é para quem morreu. É para quem vai chegar, para as crianças indígenas que vão nascer sabendo que o Estado cometeu crimes contra seus antepassados. E assim essas crianças poderão ter uma relação melhor com a sociedade. Se não damos desculpas a essas crianças que vão nascer, como vamos iniciar um diálogo com esses povos se não reconhecemos nem quando erramos? ”, explicou.
O senador João Capiberibe (PSB-AP) lamentou o fato de a CNV não ter tido tempo suficiente para se aprofundar no tema do genocídio dos povos indígenas no período ditatorial. Ele destaca que a CNV relatou a existência de 8,3 mil assassinatos de indígenas no período da ditadura distribuídos entre várias etnias, mas acredita na existência de um número ainda maior.
“A violação de povos indígenas perpassa os tempos e chega aos dias de hoje. Acompanhamos a violação a esses direitos, assassinatos de lideranças indígenas que ocorrem com muita frequência. O descumprimento dos direitos previstos na CF e nesse momento se observa um enorme retrocesso em relação a política indígena. A Funai praticamente imobilizada, uma ofensiva de retirada de direitos, iniciativas de leis na Câmara no sentido de retirar direitos constitucionais garantidas aos povos indígenas, avançando a CPI da Funai. Uma série de iniciativas que procuram retirar direitos e violar permanentemente os direitos dessas pessoas”, lamentou.
Em sua avaliação, o Brasil só vai atingir um estado civilizatório que nos coloque num patamar de respeito no cenário global a partir do momento que reconhecer a existência de todos aqueles que vivem em nosso País e respeitar a enorme diversidade cultural e social existente no País. “Para que haja democracia de fato precisamos consolidar o respeito aos direitos dos povos indígenas”.
Antonio Fernandes Costa, presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai) relatou o difícil momento pelo qual passa a instituição com o contingenciamento de recursos orçamentários praticados pelo atual governo.
“De uma forma muito clara afirmo que nada mudou. A situação persiste a mesma em relação a falta de recursos financeiros. Como presidente da Funai passo por um momento de aflição pela impossibilidade de atender demandas que não temos capacidades de resolver. O que falta ao governo brasileiro para entender que enquanto recursos são reduzidos cresce de forma acentuada os problemas sociais da população indígena”, criticou.
A senadora Regina Sousa fez um apelo ao Ministério da Justiça para que, ao menos, parte dos recursos da Funai sejam descontingenciados e possibilitem a ação da pasta em prol das necessidades mais urgentes dos povos indígenas. “Na hora de cortar o orçamento, a Funai é a primeira a ser atingida. Precisamos verificar a possibilidade de descontingenciamento de parte dos recursos da Funai para que ela possa realizar alguma ação”, avaliou.