América Latina e Caribe

Extrema pobreza deve atingir mais de 83 milhões em 2020

Relatório da ONU publicado esta semana denuncia o aumento da fome na região
Extrema pobreza deve atingir mais de 83 milhões em 2020

Foto: Maurício Lima/AFP

A população em condição de vulnerabilidade na América Latina e Caribe sofrerá os impactos da pandemia do novo coronavírus em sua forma mais brutal: 83,4 milhões de pessoas devem ser atingidas pela extrema pobreza ainda este ano.

A constatação é de relatório apresentado na última terça-feira (16) pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) e pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).

O documento Como evitar que a crise da covid-19 se transforme em uma crise alimentar: Ações urgentes contra a fome na América Latina e no Caribe denuncia o crescimento significativo dos níveis de fome na região como consequência imediata.

Após sete anos de crescimento lento, de acordo com os órgãos internacionais, a região poderá ter a maior queda do Produto Interno Bruto (PIB) regional em um século, chegando a – 5,3%. A estimativa é que, em relação ao ano passado, o numero de pessoas em condição de extrema pobreza aumente em 16 milhões, chegando ao número estratosférico de 83,4 milhões nessa situação.

Em entrevista ao Brasil de Fato, Daniel Balaban, diretor do Centro de Excelência Contra a Fome do Programa Mundial de Alimentos da ONU (WFP, na sigla inglês) no Brasil, afirma que a situação econômica do continente já estava fragilizada nos últimos anos, um processo agravado pela covid-19.

Apesar da delicada situação na América Latina, ele pontua que a crise socioeconômica sem precedentes traz danos em nível global. Assim como para o Brasil, há, por exemplo, uma estimativa de queda de mais de 5% no PIB dos Estados Unidos, considerado a maior economia do mundo.

“A situação mundial ficará muito mais difícil devido à pandemia. Mas não significa que foi somente a pandemia. Já estava se deteriorando o caso de aumento de pessoas em extrema pobreza no mundo, estava crescente nos últimos anos, e a pandemia acelerou esse processo. É muito preocupante. Temos que tomar medidas muito mais drásticas e muito mais sustentáveis a partir de agora”, defende Balaban.

O diretor da ONU destaca que o crescimento da desigualdade, assim como a concentração de renda cada vez maior, são os elementos preponderantes e estruturais que estão por trás do avanço da pobreza extrema.

“Se cresce a desigualdade e tem um pequeno grupo acumulando cada vez mais a riqueza, logicamente é um jogo de soma zero. Esse dinheiro está saindo de outro grupo”.

Segundo Balaban, entre os países em situação mais crítica na América Latina, está o Haiti, que ainda sofre com as consequências de tragédias socioambientais e políticas, assim como a Guatemala e países muito pobres localizados na América Central.

Brasil
Com alto índice de desemprego, redução drástica de renda e registrando números recordes de mortes e infecções pela covid-19 semana após semana, o contexto brasileiro é grave. A fome não é mais uma ameaça apenas para as periferias do país e, a cada dia, se torna uma realidade nacional.

“O Brasil demorou quase 25 anos, entre o ano de 1990 e 2014, para diminuir a extrema pobreza em 71% e sair do Mapa da Fome. E o Brasil está levando só cinco anos para voltar tudo de novo. Entre 2014 e 2019, voltamos esse contingente para o que éramos nos anos 1990. É muito difícil fazer com que as pessoas saiam da extrema pobreza. Mas com um deslize, se retorna para aquela situação”, lamenta Balaban.

Para Francisco Menezes, pesquisador do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) e ex-presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), o desmonte das políticas de segurança e soberania alimentar no Brasil protagonizada pelos últimos governos é um dos principais responsáveis pelo aumento da fome e agravamento das condições de vida da população.

A começar pela dissolvição do próprio Consea, por meio de medida provisória assim que Jair Bolsonaro chegou ao governo.

“Reduziu a capacidade de um órgão que vinha desempenhando um papel que é muito vital, seja na construção de políticas de segurança alimentar e nutricional, várias delas foram construídas lá dentro, entre governo e sociedade, em um período em que isso era possível”, ressalta.

Sem o diálogo direto com a sociedade executado pelo Conselho, o preço a ser pago pela população, principalmente nesse momento, é grande. Ele exemplifica que, a 6ª Conferência da Segurança Alimentar e Nutricional, que foi cancelada com o desmonte do Consea, seria uma forma de permitir uma articulação da sociedade civil para oferecer diretrizes neste momento de crise.

Confira a íntegra da matéria

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