Fluxo de migrantes no Acre é ação de “coiotes”, afirma Jorge Viana

Viana: situação insustentável para qualquer estado da FederaçãoA decisão do governo do Acre de entregar ao Governo Federal a assistência aos imigrantes haitianos que entram no Brasil pelas fronteiras expressa o esgotamento da capacidade local de continuar prestando assistência humanitária a um contingente de refugiados que, em quatro anos e meio, já superou a marca de 35 mil pessoas. “Esse é um tema exclusivo da União Federal ou de instituições ligadas às Nações Unidas. Não tem sentido um estado como o Acre arcar com os custos e demais impactos desse fluxo de migração”, argumentou o senador Jorge Viana (PT-AC), em pronunciamento ao plenário, nesta sexta-feira (24).

No último dia 17, o governador Tião Viana (PT) encaminhou um expediente à Presidenta Dilma Rousseff, comunicando que o estado não tem mais condições de seguir cuidando da assistência aos haitianos. Desde o terremoto de 2010, que arrasou a capital do país, Porto Príncipe, e outras regiões, o número de refugiados da catástrofe que chega ao Brasil pela fronteira acriana não para de crescer.

A rota dos migrantes começa em Santo Domingo, capital da República Dominicana (que divide com o Haiti o território da Ilha de Hispaniola, no Caribe), de onde partem voos para o Equador e o Peru. Essa rota andina faz do Acre a porta de entrada dos haitianos no Brasil, principalmente pela ponte que liga o município peruano de Iñapari à cidade acriana de Assis Brasil.

Em seu pronunciamento desta sexta-feira, Jorge Viana destacou os esforços feitos pelo Acre, um doa menores estados do Brasil, para cumprir com o dever humanitário com os refugiados. “Já tivemos conflito com o estado de São Paulo, porque chegaram 400 haitianos lá. O governo do Acre não está mandando ninguém para lugar nenhum. Não importamos haitianos. Eles entram pelo Acre, mas não querem lá. Nosso estado é apenas um ponto de passagem”, relatou o senador.

“Situação insustentável”

No expediente encaminhado pelo governador Tião Viana à presidenta Dilma, o Acre comunica a decisão de transferir a responsabilidade da gestão de um abrigo que recebe os migrantes. Com capacidade para 240 pessoas, o local já chegou a registrar mais de mil refugiados em suas instalações. “O governo do Acre quer seguir cooperando, mas não vai seguir sendo o responsável por algo que não é da competência do estado”, explicou Jorge Viana. Para se ter uma ideia do que significa, para o Acre, receber 35 mil imigrantes, basta dizer que apenas quatro cidades do estado têm população superior a esse contingente, que equivale a 10% da população urbana de Rio Branco, a capital acriana.

Os imigrantes haitianos começaram a chegar ao Acre em 2010, pela Rodovia BR 317. Naquele ano, foram apenas 37 pessoas. Em 2011, já foram 1.175 refugiados, acolhidos na cidade de Brasileia (esse grupo equivalia a 10% da população urbana da cidade). Em 2012, foram 2.225 pessoas, com um salto expressivo em 2013, quando o estado acolheu 11.524 migrantes. Aí, já não eram mais haitianos. Eram cidadãos do Senegal, República Dominicana, Colômbia, Gâmbia, Gana, Bahamas, República dos Camarões, Equador, Serra Leoa, Cuba, Mauritânia e Nigéria. Até abril de 2015, foram 35.938 pessoas. Há dois anos, o abrigo que funcionava em Brasileia teve que ser transferido para Rio Branco, já que a pequena cidade, na fronteira com a Bolívia, já não tinha como suportar o impacto da população flutuante que chegava pela fronteira.

“Essa é uma situação insustentável para qualquer estado da Federação”, lamentou Jorge Viana. “Sem amparo das Nações Unidas e do Governo Federal, nem São Paulo, o maior orçamento da federação, teria condições de atender os migrantes. São Paulo reclamou de receber 400 haitianos. Esse é o contingente que o Acre às vezes recebe em um dia”. O senador garantiu que o Acre não vai interromper a ação humanitária, mas não pode mais arcar sozinho com a assistência aos refugiados. Desde 2010, já foram gastos pelo governo local mais de R$ 10 milhões com alimentação e abrigo.

“Coiotes”

Jorge Viana também chamou a atenção para uma grave situação revelada pelo fluxo contínuo de haitianos para o Acre, que é a ação dos chamados “coiotes” – traficantes de pessoas. “Comprovadamente, essas pessoas estão reféns de ‘coiotes’, que escravizam esses flagelados que não teriam como chegar ao Brasil [legalmente]”. O senador denunciou que os traficantes cobram entre US$2 mil e US$3 mil para trazer cada refugiado.

Um acordo fechado pelo Brasil com as autoridades do Haiti garantia a concessão de 100 vistos mensais a cidadãos daquele país que queiram vir para cá. De posse desse documento, os migrantes podem desembarcar tranquilamente nos aeroportos dos grandes centros brasileiros, sem necessidade de se expor à travessia dos Andes e da Floresta Amazônica. Com a explosão do fluxo via Acre, até esse limite para a concessão de vistos em Porto Príncipe foi suspenso. Mesmo assim, os refugiados continuam chegando pelo caminho mais difícil.

“Por que os haitianos, em vez de ir à Embaixada brasileira em Porto Príncipe, pegar o seu visto e entrar no Brasil como queiram, já indo para onde estão seus parentes, fazem a opção dessa rota pelo Acre?”, questiona Viana, para quem o fato só se explica pela ação de uma rede de tráfico internacional de pessoas. “O Itamaraty precisa tomar alguma providência, alguma coisa não está funcionando em Porto Príncipe, ou muita coisa não deve estar funcionando em Porto Príncipe. Senão ninguém faria um caminho difícil, perigoso, de chegar até o Acre, gastando o que não tem, se poderia entrar no Brasil pela porta que escolhesse entrar, usando a nossa Embaixada”.

O senador alerta para o exemplo da Europa, que tem vivido sucessivas tragédias com a morte de imigrantes, em naufrágios de embarcações precárias e superlotadas, no Mediterrâneo, em rotas operadas por “coiotes”. Na semana passada, um desses acidentes pode ter matado até 800 refugiados africanos. “E nós vamos fazer o quê?”, indagou Viana, que já solicitou audiência ao ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, para tratar do tema. O senador também vai propor uma audiência pública da Comissão de Relações Exteriores para que o colegiado discuta com representantes do Ministério da Justiça, Ministério de Relações Exteriores e Casa Civil uma solução definitiva para a situação dos haitianos.

Cyntia Campos

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