Não foi uma promessa, como aquela feita em 9 de março a artistas e movimentos sociais durante o Ato pela Terra, quando o presidente do Senado garantiu que projetos do Pacote do Veneno teriam “a destinação, o zelo, o cuidado, a tramitação digna e proporcional à importância que eles representam”. Nesta terça-feira (14), em encontro com representantes de movimentos e da Frente Parlamentar de Segurança Alimentar e Nutricional (FPSAN), Rodrigo Pacheco foi mais comedido, mas afirmou que é “legítima” a demanda de que o PL do Veneno (1459/2022), um dos itens do tal pacote, seja discutido também pelas comissões de Meio Ambiente (CMA), de Assuntos Sociais (CAS) e de Direitos Humanos (CDH), e não só na Comissão de Agricultura (CRA), para onde ele, Pacheco, despachou a matéria em regime terminativo, ou seja, dispensando-a de votação em Plenário.
O PL do Veneno, segundo Pacheco, “terá toda atenção da Presidência do Senado. Esse tema já está sendo discutido e tratado com as lideranças da Minoria, da Oposição, do PT. Daremos, evidentemente, toda a atenção, agora com o acréscimo dessa reivindicação muito legítima de vocês”, disse o senador, que recebeu dos movimentos uma cesta de produtos orgânicos para simbolizar a luta pela alimentação saudável, além de cópia de um dossiê sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde e no meio ambiente.
Antigo PL 6299/2022, antes de ser renumerado, o PL do Veneno acaba com a atual lei de agrotóxicos para flexibilizar a aprovação de substâncias mais perigosas, sem estudos conclusivos. Entre outros retrocessos, o texto retira poderes de órgãos de aprovação e fiscalização, como Anvisa e Ibama, e amplia a lista de produtos comercializáveis, vedando apenas os que possam trazer “risco inaceitável”, conceito que ficaria a cargo do Ministério da Agricultura determinar. Até o momento, o que se garantiu foi a realização, na CRA, de duas audiências públicas sobre o assunto, marcadas para os dias 22 e 23 de junho.
15 anos da Frente
A conversa com o presidente do Senado aconteceu logo após café da manhã que celebrou o aniversário de 15 anos da FPSAN, presidida pelo deputado federal Padre João (PT-MG) e integrada por 184 deputados e 16 senadores. Entre um e outro quitute saudável e saboroso, o encontro entre parlamentares e integrantes de movimentos sociais e ambientais serviu, claro, para reforçar a luta contra esse conjunto de projetos, em análise no Senado.
O evento agroecológico e orgânico, preparado no gabinete da Liderança do PT, foi saudado pelo líder da bancada, senador Paulo Rocha (PA), que parabenizou a Frente pela luta histórica e reafirmou a necessidade de ocupar todos os espaços possíveis na sociedade para tratar desse assunto. O líder informou, ainda, que uma comissão de lideranças populares vai intensificar a costura e a pressão sobre os demais parlamentares para evitar o avanço do PL.
“A forma de pressionar e cobrar é em cima deles, além de naturalmente [ficarmos] na cola do presidente da Casa”, reiterou Paulo Rocha.
Também presente ao café, o líder da Minoria, Jean Paul Prates (PT-RN), falou da importância de intensificar a luta para que o PL do Veneno seja analisado por mais comissões, com mais audiências públicas, e explicou a estratégia.
“Isso não é somente uma atitude protelatória, é uma necessidade, mesmo. Porque um dos atos de resistência que temos aqui [no Congresso] é a estratégia do constrangimento, é fazer com que esse pessoal fale o que pretende fazer: ‘É isso mesmo que você quer?’ Porque ele será cobrado na sua base”, afirmou, em referência à proposta ruralista de colocar mais venenos à mesa dos brasileiros.
O senador Fabiano Contarato (PT-ES) somou argumentos aos colegas e lembrou que alguns desses agrotóxicos contaminam a água brasileira 200 vezes mais do que o permitido em países europeus, por exemplo. Isso sem contar a pulverização de veneno sobre a população, principalmente a indígena.
“Eu estive nas comunidades dos Guarani-Kaiowá antes da pandemia e verifiquei que aquele povo está sendo dizimado. Eu presenciei. São aviões lançando agrotóxico e as comunidades indígenas cercadas de plantação de grãos. Pessoas morrendo com febre, dor de cabeça, diarreia. Eu peguei estudos de universidades federais. Isso tem que ser dito à população, temos que ficar repetindo em todos os lugares, porque contra fatos não há argumentos”, pregou Contarato.
Juliana Acosta, da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida, chamou a atenção para o número recorde de substâncias venenosas na agricultura aprovadas desde 2019 no país — mais de 1.700 — e o plano do governo de abrir de vez a porteira por meio do atual projeto, “um novo marco legal, muito mais permissivo do ponto de vista da saúde e do meio ambiente”.
Antídoto
Para se contrapor ao PL do Veneno, a FPSAN e os movimentos sociais têm uma alternativa: a Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (PNara), que prevê a redução gradual do uso de agrotóxicos e o estímulo à transição orgânica e agroecológica. Outra providência desse projeto (PL 6.670/2016) é proibir a aplicação de veneno próximo a áreas de proteção ambiental, de recursos hídricos, de produção orgânica e agroecológica, de moradia e de escolas, além da redução da pulverização aérea. Originária de sugestão legislativa da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), a proposta está em análise na Câmara dos Deputados.
Representantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) e das ONGs Terra de Direitos, WWF e Greenpeace também participaram do evento-denúncia no Senado. Além de outras organizações, como a Fiocruz e a Abrasco, a FPSAN conta com o apoio de outros grupos parlamentares, como a Frente Parlamentar pelo Desenvolvimento da Agroecologia e Produção Orgânica e a Frente Parlamentar Mista de Combate à Fome no Brasil.