Professor da UFRJ aponta irregularidade no processo e desproporcionalidade da pena de afastamentoO depoimento do consultor jurídico Geraldo Prado no segundo dia de julgamento da presidenta Dilma Rousseff serviu para comprovar o que já se sabia: a presidenta não cometeu qualquer infração que justifique seu afastamento do cargo. Prado é professor de Direito Constitucional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e falou como testemunha de defesa. Ele reforçou que o Ministério Público e o Congresso reconheceram isso. O Congresso, inclusive, chancelou atos e ações semelhantes agora criminalizados. A presidenta Dilma está sendo processada pela edição de três decretos de crédito suplementar e por atrasos no repasse de pagamentos do Plano Safra de 2015.
Geraldo Prado lembrou que uma das acusações contra a presidenta tem como base uma mudança de interpretação do Tribunal de Contas da União. Ou seja, ela praticou um ato que era admitido pelo TCU no momento em que foi praticado mas, depois, foi considerado irregular. “Em nenhuma hipótese uma ação pode ser considerada ilegal depois do cometimento”, enfatizou. “O que o senhor quer dizer é que uma mudança não pode dar ré, porque, senão, o passado fica inseguro”, traduziu a senadora Kátia Abreu (PMDB-TO).
“É possível condenar alguém que não teve nenhuma participação, que não tem autoria”, perguntou o senador José Pimentel (PT-CE). “A condenação de alguém por crime de responsabilidade sem que haja crime de responsabilidade é injusta”, sentenciou a testemunha. “É possível, ela ter cometido o crime de que é acusada sem nenhum cúmplice?”, insistiu Jorge Viana (PT-AC). “Possível é, só não seria constitucional”, assegurou a testemunha.
“Pode o processo de impeachment ser conduzido por motivos meramente políticos?”, acrescentou a senadora Fátima Bezerra (PT-RN). “A resposta é não”, respondeu Prado. “É possível que um crime inexistente embase um pedido de impeachment?”, inquiriu Gleisi Hoffmann (PT-PR). “Se o crime de responsabilidade é um crime político, é uma infração político-administrativa, primeiro ele tem que ser crime”, replicou.
“Qual é o limite entre o legal e o político no processo do impeachment?”, perguntou Paulo Rocha (PT-PA). “O limite foi dado pela Constituição em 1988 e temos que ter um crime de responsabilidade muito bem delimitado para que aquilo que conseguimos conquistar com muita dureza não viesse a ser sacrificado em plena democracia.”
De todo modo, ainda que a presidenta tivesse cometido alguma irregularidade, como o descumprimento da meta fiscal, a pena atribuída a ela é desproporcional. “O afastamento é uma punição gravíssima”, observou. Outro fato a se levar em conta, conforme lembrou o senador Lindbergh Farias (PT-RJ) é que, em se tratando de decretos suplementares, “é preciso levar em conta que eles passaram por mais de 20 órgãos técnicos e de assessoria, pela consultoria jurídica do Ministério do Planejamento e que vários deles diziam que os decretos eram compatíveis com a meta. Então, onde está o dolo?”, questionou.
Além de tudo, afastar o chefe do Executivo sem prova de que ele cometeu um crime de responsabilidade, de acordo com o depoente, não é permitido. “No regime parlamentarista, o Congresso pode emitir um voto de desconfiança, uma moção de desconfiança à ação de quem governa. É uma forma de deixar de lado, momentaneamente, a vontade da maioria dos eleitores e substituir o governo. No presidencialismo, isso não pode ocorrer em hipótese alguma”, reforçou.
Os senadores legalistas lamentarem o fato de que a presidenta esteja correndo o risco de perder o mandato por conta de uma articulação que, pelo que se percebeu nessa quinta-feira (25), passou inclusive pelo TCU.
Insegurança jurídica
A senadora Regina Sousa (PT-PI) perguntou se o processo político de impeachment não abrirá brechas para que prefeitos e governadores fiquem à mercê de processos semelhantes. Segundo o especialista, toda a administração pública, por conta do processo, passa a viver sob insegurança jurídica. “Porque não importa se eles o façam de acordo com a lei, se eventual maioria das assembleias e câmaras entender que essa decisão não é oportuna, ela vai poder levar a perder seus mandatos. Os efeitos [são muito graves e o principal deles é a insegurança jurídica”.
Sobre os atrasos nos repasses para o financiamento do Plano Safra – outra acusação que pesa contra Dilma – o jurista disse que não há qualquer ato que possa ser atribuído a ela, porque se trata de uma operação complexa, onde a responsabilidade pela execução é de responsabilidade de vários ministérios.
Para ilustrar, ele deu como exemplo uma relação de locação de imóvel: “A Presidenta da República é uma locatária de um imóvel por quatro anos. E querem desalojá-la desse imóvel não porque não pagou aluguel, não porque não pagou as taxas, mas porque está se discutindo, ou discutiu, no ano de 2015, quatro meses de condomínio. Mas pagou. Apesar de discutir, pagou os quatro meses de condomínio. Então, o que se faz para desalojá-la desse imóvel? Ela é acusada de homicídio. Pede-se a pena do homicídio.
Não há corpo, não há vítima, não há nada. Como se pretende provar o homicídio? Demonstrando que ela atrasou quatro meses de condomínio para discutir isso”. Na interpretação do professor da UFRJ, foi exatamente o que aconteceu.
A explicação e os argumentos do depoente sensibilizaram o senador Paulo Paim: “Por que estou tão triste? Vamos fazer uma enorme injustiça. Vamos caçar a primeira mulher eleita Presidenta da República por não ter cometido crime. Como não acham crime e querem chegar ao Poder, resolveram que têm que cassá-la. Aí, até os agricultores, aqueles que ficam lá, de mãos calejadas, na terra trabalhando, graças a programas como esses, têm que ser prejudicados?”, perguntou.
Perito, acusador e juiz
Os senadores aliados da presidenta Dilma Rousseff aproveitaram o depoimento do jurista Geraldo Prado nesta sexta-feira (26) para buscar uma análise abalizada sobre a validade do testemunho do auditor do Tribunal de Contas da União Antônio Carlos D’Ávila Carvalho. No dia de depoimento reservado para a acusação, D’Ávila admitiu ter auxiliado o procurador do Ministério Público de Contas Júlio Marcelo a elaborar o parecer que funcionou como peça básica do processo.
O líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE), queixou-se de que D’Ávila “analisou e deu parecer numa peça feita por ele”. Em seu depoimento, o ex-procurador confessou que redigiu e deliberou sobre o processo que acabou subsidiando o relatório de Antônio Anastasia (PSDB-MG) pela cassação da presidenta. “Ele (D´Ávila) ajudou, participou da elaboração da denúncia”, emendou a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM). “É possível que quem atua como parecerista seja também autor ou um dos autores da peça que irá analisar?”, questionou.
“É nulo, absolutamente nulo o ato de um agente público que deve se orientar por um princípio de imparcialidade, se for correta a hipótese que V. Exª está colocando – eu não a conhecia –, participar também da elaboração de uma peça que é de parte”, respondeu, categórico, Geraldo Prado. “Ninguém pode ser, formal ou informalmente, simultaneamente perito, acusador, juiz no processo. Um ato com essas características não é válido, e tudo aquilo que decorre dele é atingido pela mesma nulidade”, explicou.
Giselle Chassot
Leia mais:
Segunda testemunha dos golpistas é desmascarada
Senadores pedem desqualificação de testemunha e anunciam representação contra auditor