“Pode fazer bom uso dessa grana. O Brasil não precisa disso”. Três anos depois de pronunciar essa frase a parceiros noruegueses e alemães que doavam recursos para a preservação da Amazônia, Bolsonaro e seu governo foram condenados pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Por 10 votos a 1, os ministros decidiram que Bolsonaro foi omisso no combate ao desmatamento e ordenaram a reativação do Fundo Amazônia em até 60 dias, o que coincide com o fim do atual governo.
A ação que provocou o STF partiu do PT e outros partidos de oposição. Na peça, de junho de 2020, as legendas sustentam que o Fundo Amazônia já apoiou mais de 100 terras indígenas, financiou mais de 4,3 mil imóveis rurais com projetos de produção sustentável e promoveu a regularização fundiária para mais de 740 mil produtores.
Talvez por isso mesmo, Bolsonaro e o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, tentaram mudar a gestão do fundo em 2019, extinguindo dois comitês essenciais para sua governança. O plano de Salles – aquele que foi investigado por colaborar com contrabandistas de madeira ilegal na Amazônia – era escoar o dinheiro para o Conselho Nacional da Amazônia Legal (CNAL), comandado pelo vice-presidente Hamilton Mourão e, claro, sem transparência. Essa mudança permitiria usar os recursos para indenizar proprietários de terras dentro de Unidades de Conservação. Claro que Noruega e Alemanha não aceitaram, e suspenderam a ajuda. Desde então, R$ 3 bilhões estão paralisados, sem aplicação em projetos de preservação ambiental.
Alerta e condenação
E olha que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que é gestor do fundo, tentou alertar o governo de que não deveria modificar de forma unilateral os comitês. A ação julgada pelo STF menciona as duas cartas do BNDES, primeiro ao Ministério do Meio Ambiente (MMA) e depois ao então ministro Ricardo Salles. Não adiantou.
Bolsonaro e Salles foram condenados também pela Controladoria-Geral da União (CGU), que em junho emitiu relatório acusando o Ministério do Meio Ambiente de ameaçar a continuidade do Fundo Amazônia e as políticas ambientais ao extinguir “sem planejamento e fundamentação técnica” os comitês técnico (CTFA) e orientador (COFA) do fundo, e que isso resultou em descumprimento de compromissos internacionais.
O líder do PT no Senado, Paulo Rocha (PA), lembra que o governo Bolsonaro tentou de todas as formas criminalizar organizações da sociedade civil que mantinham projetos financiados pelo Fundo para a preservação ambiental. Depois de afastar parceiros internacionais, desmontou a estrutura de proteção à floresta, acusa o senador.
“Bolsonaro está pagando pela incompetência da sua gestão, incapaz de organizar uma mínima pauta ambiental. Veremos se agora, no apagar das luzes, finalmente este governo dará uma mínima mostra de colaboração. Esperamos a volta das pautas ambientais na mesa do governo e o foco no desenvolvimento sustentável como uma das prioridades da gestão Lula”, projetou Paulo Rocha.
Novos ventos
Já se veem mudanças. É como se a eleição definida no último domingo (30) reorientasse os ventos, tornando navegável de novo o ambiente de conversas ambientais. Foi nessa onda que o governo norueguês anunciou, um dia depois, a intenção de voltar à parceria.
“Estamos ansiosos para entrar em contato com suas equipes, o mais rápido possível, para preparar a retomada da colaboração historicamente positiva entre Brasil e Noruega”, afirmou o ministro norueguês do Meio Ambiente, Espen Barth Eide, referindo-se ao estafe de Lula.
No dia seguinte, foi a vez do representante alemão se manifestar. “A Alemanha fará o mesmo. O Ministério para Cooperação e Desenvolvimento está pronto para se engajar novamente no Brasil juntamente com nossos colegas noruegueses em apoio ao Fundo Amazônia. A Floresta Amazônica é crucial para manter [a meta de] 1,5 °C ao alcance!”, escreveu o secretário de Estado do Ministério alemão para Cooperação e Desenvolvimento, Jochen Flasbarth.
O presidente da Comissão de Meio Ambiente, Jaques Wagner (PT-BA), confirma: o país voltará a ter um ambiente de diálogo mais saudável.
“Entidades ambientais já se mostram confiantes e dispostas a reconstruir o Meio Ambiente. Vamos trabalhar para ter novamente um Brasil da diversidade, da agricultura de baixo carbono, das cidades sustentáveis, do respeito aos povos tradicionais, indígenas, quilombolas e de todo o povo brasileiro”, prega o senador.
O Fundo da Amazônia, criado em 2008 no governo Lula, é considerado o principal mecanismo internacional de pagamentos por resultados de REDD+ (redução de emissões de gases de efeito estufa provenientes do desmatamento e da degradação florestal). E é em razão disso que o valor a ser captado mundo afora pode aumentar. O Brasil tem um potencial de arrecadação que pode chegar a US$ 20 bilhões, hoje na forma de créditos relacionados à redução do desmatamento entre 2008 e 2014. Essa é outra pauta que o novo governo vai discutir, a partir de janeiro, com os parceiros do fundo.