Membros do Poder Judiciário criticaram, nesta quinta-feira (22), a proposta de reforma previdenciária enviada ao Congresso Nacional pelo atual governo, durante reunião da CPI que investiga as contas e o funcionamento do sistema de Previdência Social brasileiro.
Na avaliação de Vanessa Vieira de Mello, magistrada do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, o governo erra ao apresentar uma reforma baseada na existência de um suposto déficit nas contas da Previdência e promove uma campanha de desinformação deliberada ao veicular propagandas com dados incorretos sobre o futuro do sistema.
“A PEC 287 altera vários dispositivos da Constituição Federal, traz normas de transição e é fundamentada num suposto déficit da Previdência Social. Me parece haver um vício de origem na reforma justamente na questão do déficit”, disse.
Flávio Roberto Ferreira de Lima, magistrado do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, explicou que o sistema de Previdência Social brasileiro tem como finalidade suprir o cidadão numa situação de desamparo, desemprego, ou qualquer outra situação que a pessoa não tenha meios de subsistir.
Para ele, a alegação do governo de que a Previdência possui déficit para justificar uma drástica reforma em todo o sistema é “totalmente insustentável do ponto de vista lógico e jurídico”.
“Os recursos arrecadados pela seguridade social vão para três despesas: saúde, assistência social e previdência social. Esses três elementos de despesas são arrecadados de contribuições distintas. No entanto, agora, como num passe de mágica, vem a informação de que um desses elementos que compõe esse tripé de despesas é deficitário”, disse. “Como ele [Previdência] pode ser deficitário e a Saúde e Assistência Social não serem? Será que é porque a Previdência Social consegue arrecadar? Será por isso que dizem que ela é deficitária? Essa afirmação, por si só, sem observar o conjunto de recursos e destinação em que ela está desenhada, é um equívoco”, emendou.
Fábio Francisco Esteves, presidente da Associação dos Magistrados do Distrito Federal e Territórios, disse estar perplexo com o processo legislativo da reforma previdenciária. Ele pontua que a democracia brasileira tem maturidade suficiente para permitir a participação popular na tramitação de matérias, principalmente, aquelas que afetem diretamente a vida de milhões de cidadãos.
“Tenho dificuldade em acreditar num processo legislativo democrático em que se ocultam informações e direciona o cidadão a um convencimento sem a sua participação e sem passar informações. Muitas informações acerca da justificativa, no processo legislativo, não só estão sendo omitidos, como colocadas de forma equivocadas”, destacou.
Manuel de Medeiros Dantas, representante da Ordem dos Advogados do Brasil-DF, criticou o governo e disse que outras alternativas deveriam ser estudadas e implementadas antes de se tentar “aviltar e aniquilar” direitos fundamentais dos cidadãos.
“O governo deveria se preocupar em tapar focos de desvios, ir atrás do crédito tributário, liberar os juízes para se dedicar aos processos de execução fiscal e recuperação do patrimônio público. E não insistir nesse modelo falido”, enfatizou.
Desvios de recursos
O presidente da CPI, senador Paulo Paim (PT-RS) disse estar convencido de que a Previdência Social enfrenta um problema de gestão. Para ele, o debate deveria ser feito em torno da busca de soluções para os gargalos existentes na Previdência Social que possibilitam fraudes e desvios de recursos dos cofres previdenciários para outras finalidades.
“Essa CPI cumpre um papel fundamental no momento em que se debate a reforma da previdência. Precisamos apontar caminhos, dar um norte para essa questão. Como fazemos para que os grandes devedores paguem o que devem? O que fazemos para acelerar os processos contra os grandes devedores na Justiça? Me parece que o problema da Previdência é de gestão, fiscalização, combate à fraude e o uso indevido para outros fins. Com isso, mostramos que não é fazendo uma reforma que só retira direito dos trabalhadores que resolveremos os problemas do País”, disse.
O mecanismo da Desvinculação de Receitas da União (DRU), segundo Vanessa Vieira de Mello, é um dos principais responsáveis pelos desvios de recursos do sistema previdenciário. Para ela, o tributo, uma vez pago, tem de ser destinado exatamente àquela fonte de receita.
“Desde 1994 ocorre a retirada de valores da Previdência para o pagamento de dívidas da União, de juros da dívida. Só em 2016, o governo passou a desvinculação de 20% para 30%. Isso significa que, atualmente, 30% dos recursos pagos à Previdência são repassados para outras finalidades desconhecidas. Tudo fica muito vago, mal explicado à sociedade”, disse.
Um estudo da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Anfip), citado pela magistrada, mostra que o desvio de recursos proporcionado pelo mecanismo da DRU passou de R$ 34 bilhões em 2005, para R$ 63 bilhões em 2014. “Por isso repito que existe um déficit falso”.
Flávio Roberto Ferreira de Lima, magistrado do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, sugeriu como caminho o aprimoramento da legislação para que a arrecadação previdenciária se dê de forma mais regular, intensa e de acordo com as capacidades de cada agente econômico. Ele ainda criticou a edição sucessiva de projetos de lei propondo refinanciamento de dívidas, principalmente, dos grandes devedores do setor empresarial.
“O empresário que não quer pagar, ele deixa de recolher os recursos para os impostos mesmo tendo capacidade econômica, porque logo virá um refinanciamento ou parcelamento. E aquele que paga mensalmente, mesmo com dificuldades, se sente penalizado. Esse tipo de parcelamento de dívidas precisa ser alterado, por critérios mais rigorosos” sugeriu.
A representante do Tribunal Regional Federal da 3ª Região também sugeriu alterações na lei de execução fiscal com objetivo de dar celeridade aos tramites judiciais relacionados a cobrança de dívidas previdenciárias.
“Estudo do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP) aponta que aproximadamente 100 milhões de pessoas serão prejudicadas, de alguma forma, com a reforma previdenciária. Há que se refletir sobre essa questão”, disse.