A insensatez do atual governo e suas políticas de confronto, de ameaças e ataques à democracia, aos direitos humanos e ao meio ambiente e o descaso no combate à Covid-19 têm levado o país à total desmoralização internacional. A cada dia, somos deixados de lado e excluídos dos grandes debates e discussões.
Recentemente, a ONU chamou um grupo de 50 países para debater justiça social e questões climáticas na pós-pandemia. Ficamos de fora. A OMS realizou um encontro com os principais presidentes do mundo para criar uma nova aliança internacional de combate à Covid-19, por meio de um fundo de R$ 45 bilhões. O Brasil não foi convidado.
A embriaguez do poder e a espada ideológica têm sido fatores decisivos nesta junção de indecências, misérias e ambiguidades de governança. O próprio ministro do Meio Ambiente deixa claro a sua postura antiambiental e o desejo de mudanças na legislação para beneficiar grandes grupos econômicos, madeireiros, garimpeiros.
Foram anos de avanços e de consolidação da legislação. Agora, estamos assistindo toda uma desconstrução da política ambiental brasileira. O país não suporta mais esse cenário de degradação das suas florestas e de seus mananciais e de desrespeito com as comunidades tradicionais que vivem nesse ambiente.
Somente no ano de 2019, foram identificadas 26 violações nessa área feitas pelo atual governo. Entre elas, destacam-se a desestruturação do IBAMA e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade e a flexibilização e redução das multas por crimes ambientais.
O país abriu mão do Fundo Amazônia. Vários projetos de combate ao desmatamento, conservação, produção e geração de emprego e renda estão parados. Poderíamos ter recebido da Alemanha e Noruega em 2019 mais de R$ 1 bilhão. Entre os anos 2009 e 2018, 103 projetos foram beneficiados.
O INPE aponta que, no ano passado, houve um aumento de 83% das queimadas em relação a 2018, com 72.843 focos de incêndios. Em efeito dominó, as chamas se alastram pela Amazônia. Estudos mais avançados explicitam a grandiosidade do problema. Satélites detectam a destruição.
Segundo o Greenpeace, com dados do sistema que fornece alertas de onde o desmatamento está ocorrendo em tempo real (Deter), entre agosto de 2019 e março de 2020, na Amazônia, foram identificados 5.260 km² com alertas, quase o dobro do que foi registrado no mesmo período entre 2018 e 2019 (98% de crescimento).
Desmatamentos equivalem hoje no país ao tamanho de cidades inteiras como Porto Alegre e Maceió. Os estados do Pará, Mato Grosso, Amazonas e Rondônia lideram o ranking com avanço sobre terras indígenas e quilombolas, assentamentos da reforma agrária e unidades de conservação.
“Desmatamento, grilagem e assassinato de indígenas também estão aumentando”, disse o cacique Awapy Uru-Eu-Wau-Wau à Deutsche Welle da Alemanha. O Projeto de Lei 2633/2020 é a “coroação de todas as ações ilícitas” de desmatamento que vêm ocorrendo na Amazônia.
Na Mata Atlântica, a situação não é diferente. Entre os anos 2018 e 2019, o desmatamento atingiu 27%, segundo estudo da Fundação SOS Mata Atlântica em parceria com o INPE. 14.502 hectares foram desmatados. Apenas 12,4% da área original da floresta ainda sobrevive, ou seja, 15,3 milhões de hectares.
Não podemos silenciar aos sonidos e estrondos de uma árvore que é derrubada e nem as queimadas que sufocam o ar e matam o canto dos pássaros. Quando as águas são contaminadas e as sementes não mais brotam, eis que o vento para de soprar e o que antes era vida e azul do céu se torna a mais insignificante das existências.
Como esquecer a dor dos desastres ambientais de Mariana e Brumadinho e tantos outros que se perderam no tempo esfumaçado dos anos? Vidas foram levadas e famílias destruídas, sonhos e quimeras acorrentados, flora e fauna agredidas, animais mortos, vertentes poluídas pela ganância dos homens.
Insistir na instalação de mineradoras junto às bacias hidrográficas e proximidades de centros urbanos é insistir no erro, na ignorância, na estupidez e no desprezo à vida e à eternidade. Estaríamos assim escrevendo e prevendo desastres e prejuízos socioambientais e econômicos incalculáveis… Triste ironia.
Há Gritos de socorro cruzando o país inteiro e refletindo no espelho das aguadas. Ficaremos omissos? Aceitaremos pacificamente o caos ambiental? A sociedade precisa tomar consciência dessa situação alarmante que está destruindo o nosso verde e as nossas águas para agir com força e de maneira decisiva, conjugando todos os esforços para o seu enfrentamento.
O país tem que estar à altura desse desafio, buscando garantir políticas públicas eficazes de preservação, proteção e fiscalização que possibilitem o desenvolvimento sustentável com soberania. Temos que olhar para todos os biomas: Amazônia, Cerrado, Caatinga, Mata Atlântica, Pantanal e Pampa. Meio ambiente é questão de Estado.
Quando penso em um Brasil exercendo a democracia plena, a Constituição sendo respeitada… Um país mais humano, solidário e fraterno, que priorize a inclusão social, direitos e oportunidades iguais para todos e todas, eu penso na revolução pacífica de Tiago de Melo, o poeta da floresta.
“Volto armado de amor para trabalhar cantando na construção da manhã. Reparto a minha esperança e planto a clara certeza da vida nova que vem. Aprendi que na verdade o que importa, antes que a vida apodreça, é trabalhar na mudança do que é preciso mudar. Cada um na sua vez, cada qual no seu lugar”.
Artigo originalmente publicado no portal Sul 21